USP decide expulsar 6 alunos de graduação por fraude em cotas

Decisão foi tomada pelo Conselho de Graduação, última instância no processo; estudantes podem pedir reconsideração

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Por Julia Marques
Atualização:

O Conselho de Graduação da Universidade de São Paulo (USP) decidiu nesta quinta-feira, 23, expulsar seis estudantes de graduação por fraude em cotas raciais no processo seletivo para a instituição. Desde 2017, a universidade já recebeu 200 denúncias por fraudes em cotas - sete delas resultaram na decisão de expulsão. 

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O Conselho de Graduação é a última instância de análise dos processos de invalidação de matrículas por irregularidades nas cotas. A decisão de expulsão dos alunos por fraude em cotas ocorre após a USP verificar que os estudantes não tinham direito a ocupar vagas destinadas a pretos, pardos e indígenas (PPI), apesar de terem concorrido nessa modalidade no vestibular. 

Os estudantes que tiveram as matrículas invalidadas estão atualmente matriculados nas Faculdade de Medicina em São Paulo, na Faculdade de Odontologia de Bauru e na Escola de Enfermagem. A universidade não divulgou os nomes dos alunos. 

Segundo a USP, os seis alunos ainda continuam matriculados na universidade, pois ainda podem fazer pedido de reconsideração da decisão. Caso esses pedidos sejam feitos, serão julgados novamente pelo Conselho de Graduação. Se não houver pedido de reconsideração, os alunos são desligados da universidade. 

Essa é a segunda vez que a USP decide pela expulsão de alunos por fraude em cotas raciais. Em 2020, houve o desligamento de um estudante do curso de Relações Internacionais, que se autodeclarou como pertencente ao grupo de pretos, pardos e indígenas (PPI) e disse ter uma renda mensal que não foi comprovada. 

Universidade de São Paulo sofre pressão por ações antifraude Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Há uma série de outros processos na universidade pendentes de julgamento. Segundo a USP, de 2017 a 2021 foram recebidas 200 denúncias de supostas fraudes no ingresso por cotas: 164 relacionadas ao ingresso via Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e 36 relativas à Fuvest. Dessas, 17 denúncias já foram apuradas pela universidade.

Além das seis invalidações de matrícula aprovadas nesta quinta e do desligamento do estudante de Relações Internacionais no ano passado, nove não tiveram fraude comprovada e uma está sob análise da Procuradoria Geral da Universidade.

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As denúncias vêm pressionando a universidade a adotar ações de prevenção a fraudes na autodeclaração de pretos e pardos, como já ocorre em outras instituições de ensino do País. Coletivos de estudantes negros pedem a criação de uma banca de heteroidentificação, para verificar fraudes mais rapidamente e evitar que os processos demorem a ser julgados. A USP afirma estudar a possibilidade na Pró-Reitoria de Graduação.

Desde o vestibular de 2018, a USP adota cotas para alunos de escola pública e pretos, pardos e indígenas em todos os cursos. Apesar da política de reserva de vagas, não há uma verificação prévia da autodeclaração dos candidatos. Boa parte das denúncias de fraudes em cotas chega à universidade por meio do Comitê Antifraude, grupo fundado por alunos e advogados em 2018. E só então as suspeitas são investigadas.  

As denúncias são apuradas internamente pela Comissão de Acompanhamento da Política de Inclusão da USP,instância ligada à Pró-Reitoria de Graduação da Universidade. Essa comissão convoca alunos denunciados para prestar esclarecimentos - parte das entrevistas, na pandemia, foi virtual. Após essa apuração pela comissão, os casos são votados no Conselho de Graduação, última instância decisória.  

Desde maio de 2019, as denúncias de fraudes na autodeclaração passaram a ser encaminhadas diretamente para a Pró-Reitoria de Graduação. A centralização da investigação, segundo a USP, ocorre para que os mesmos critérios sejam aplicados em todos os casos.  

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Para Frei David, da ONG Educafro, apesar dos seis casos julgados nesta semana, o processo está demorado. "As cotas estão sendo corroídas pela corrupção da fraude com a conivência da USP, que faz um trabalho a conta-gotas." 

Ele lembra que há dezenas de casos ainda não apurados pela universidade, o que compromete o ingresso de alunos negros. "Neste ano de 2021, já tem mais um caminhão de denúncias de fraude. Isso mostra que a metodologia que a USP adota na seleção e no ingresso é pouco eficiente." 

Advogado e um dos fundadores do Comitê Antifraude, Lucas Módolo diz que a universidade está caminhando "lentamente" para fazer as investigações. "É importante que esses processos tenham saído. Essas são as primeiras expulsões de que temos notícia. Mas somos responsáveis por mais de 200 processos." Um dos riscos da demora é que os estudantes suspeitos de fraude concluam seus cursos sem nenhuma sanção. 

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Pró-reitor de Graduação da USP, Edmund Baracat argumenta que a tramitação dos processos foi prejudicada em função da pandemia da covid-19, que, segundo ele, atrasou vários processos administrativos. "Além disso, as etapas do processo devem seguir prazos jurídicos. Ressalta-se, ainda, que são processos que exigem muita cautela e não podem ser avaliados de forma assoberbada."

A ocupação das vagas de alunos expulsos ainda é uma incógnita. Segundo Baracat, a destinação das vagas resultantes das invalidações será analisada pela universidade após todos os processos serem concluídos.

Para Módolo, uma das alternativas é chamar estudantes na lista de espera do vestibular prestado pelo aluno que fraudou o concurso. Outra possibilidade é abrir vaga complementar para alunos PPI no vestibular seguinte. 

A fim de garantir que as vagas decorrentes de expulsões sejam ocupadas por alunos negros, Frei David recomenda a publicação de um edital específico para esse fim. Também diz que alunos expulsos por fraudes deveriam ressarcir a universidade pelo gasto público - não há definição da USP sobre a possibilidade de aplicar multa aos fraudadores. 

Perfil de alunos na USP muda

Nos últimos anos, o perfil dos alunos de graduação na USP passa por transformação. Hoje, a maioria dos novos estudantes matriculados na universidade vem de escolas públicas e, segundo a universidade, houve aumento de calouros autodeclarados pretos, pardos ou indígenas (PPI). Neste ano, das 10.992 vagas preenchidas, 3.011 foram ocupadas por estudantes PPI, o que representa 27,4% do número total de vagas, independentemente da modalidade de concorrência. No ano passado, esse índice foi de 26,1%.

Depois de anos de discussões e polêmicas sobre reserva de vagas na instituição de ensino mais conceituada do País, foi cumprida este ano a meta estabelecida em 2017 de ter metade de seus novos alunos oriundos de escolas públicas. Dentro do porcentual de alunos de escolas públicas, incide a reserva de vagas para candidatos pretos, pardos e indígenas, equivalente à proporção desses grupos no Estado de São Paulo, que é de 37,5%. Essa reserva considera os dois processos de seleção da universidade: o vestibular da Fuvest e o Sisu.

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