USP propõe 50% de cota para aluno de escola pública até 2021

No último ano, apenas 36,9% dos alunos ingressantes cursaram a rede pública

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Por Victor Vieira
Atualização:

SÃO PAULO -A Universidade de São Paulo (USP) pretende implementar, até 2021, cotas de 50% para alunos da rede pública em todos os cursos e turnos da instituição. É a primeira vez que a universidade prevê uma reserva de vagas geral nas graduações.

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A mudança consta em minuta de resolução enviada aos integrantes do Conselho Universitário (CO), instância máxima da USP. O conselho votará a proposta na próxima terça-feira. A proposta não indica reserva de cadeiras para pretos, pardos e indígenas (PPI).

A USP havia se comprometido a ter metade dos alunos da rede pública entre seus calouros até o ano que vem, mas ainda está longe da meta: foram 36,9% de ingressantes de escolas públicas no último processo seletivo. 

Com a nova proposta, o reitor Marco Antonio Zago quer estender o prazo até 2021. A USP é a última a aderir às cotas entre as estaduais – Unicamp aprovou reserva de vagas em maio deste ano e a Unesp, em 2013. Já o ensino superior federal usa cotas desde 2012. 

Uma das primeiras tentativas da USP de aumentar a inclusão foi há dez anos, com o início do bônus no vestibular para alunos da rede pública. A bonificação passou por ajustes ao longo dos anos, como conceder mais pontos para candidatos autodeclarados PPI. 

Desde 2016, a universidade adotou outra estratégia de inclusão. A reitoria passou a usar a Fuvest, vestibular tradicional da instituição, e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)como métodos de ingresso na USP. A nota do Enem servia para o aluno tentar vaga pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) – plataforma digital que reúne vagas no ensino superior público. Coube a cada faculdade decidir se reservaria, no Sisu, vagas para alunos da rede pública e para pretos, pardos e indígenas. 

A ideia da nova proposta é manter as duas formas de ingresso – sendo, no máximo, 30% no Sisu. Na avaliação da reitoria, isso ajuda a atrair talentos de outras parte do País, que não teriam condições de vir até São Paulo para fazer a Fuvest. 

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A adesão às cotas será de modo escalonado. De acordo com a minuta da resolução, no próximo processo seletivo serão reservadas 37% das vagas para alunos da rede pública. No ano seguinte, 40%. Em 2020, serão 45% e, finalmente, metade das cadeiras em 2021. 

Para conseguir esse patamar de cota, a reserva de vagas deverá ser feita tanto na Fuvest quanto no Sisu. O sistema, de acordo com a proposta, terá a duração de dez anos e será avaliado por comissão específica. 

Tema historicamente polêmico na universidade, a reserva de vagas vem ganhando espaço dentro da instituição nos últimos anos. Faculdades tradicionais, como a Direito, passaram a usar cotas desde 2016, quando a USP entrou no Sisu. Anteontem, a Faculdade de Medicina da capital também aprovou cotas no Sisu para alunos de escola pública e PPI. 

A proposta da reitoria também não prevê critérios de renda para fazer a reserva de vagas entre os candidatos. Isso pode, segundo especialistas, colaborar para que só a elite da rede pública – de escolas técnicas ou que fizeram cursinhos preparatório – ingresse nas carreiras mais concorridas. .

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Posicionamento. Procurada pelo Estado, a assessoria de imprensa da reitoria disse que vai se manifestar sobre a proposta só após reunião do CO. A proposta de mudança já teve parecer favorável de comissões e conselhos internos. A adaptação do vestibular era uma das metas da gestão do reitor Marco Antonio Zago, que está em seu último ano à frente da USP.

Novas graduações. O Conselho Universitário também vai discutir na próxima terça-feira a proposta de criação de novos cursos na USP. Um deles é o de Medicina no câmpus de Bauru. Hoje a USP oferece a carreira só na capital e em Ribeirão Preto. A ideia é que esse novo curso no interior, que tem previsão para começar já no próximo vestibular, ofereça 60 vagas. 

Outra proposta é inaugurar um bacharelado de Biotecnologia na USP Leste, em substituição à turma matutina da licenciatura de Ciências da Natureza no mesmo câmpus, que foi extinta. Essa graduação também tem 60 vagas previstas. Os dois casos ganharam aval de comissões internas. 

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Apoio ao estudante pobre será desafio para evitar evasão alta

A proposta de implementar cotas para a rede pública foi considerada um avanço para especialistas ouvidos pelo Estado. Mas eles ressaltam que, sem outros mecanismos – como a reserva de vagas para pretos, pardos e indígenas (PPI) ou critérios de renda –, há risco de a medida beneficiar só uma elite da escola pública, principalmente em carreiras concorridas. Eles também destacam a importância de e uma política de apoio ao aluno, para evitar a evasão. 

Especialista em ensino superior pela USP, Elizabeth Balbachevsky elogia, mas faz ressalvas. A mudança, diz, pode ter efeito menor do que o desejado entre os pobres. Colégios militares, técnicos e federais têm seleção rigorosa, o vestibulinho, e recebem alunos de classe média. “Ainda assim é um avanço por democratizar o acesso, principalmente, a algumas faculdades, como Medicina e Poli.” 

Além disso, diz ela, a reserva de vaga pela cor da pele não é necessariamente uma boa saída. “A cota racial segrega pessoas iguais economicamente. Entendo e valido o argumento de que temos passado escravocrata e uma sociedade ainda fortemente discriminatória, mas essa divisão desprivilegia o aluno branco pobre e não o que estudou na escola particular.” 

Já para o diretor do cursinho da Poli, Gilberto Alvarez, o melhor modo de garantir real inclusão é pela reserva racial. “O critério mais justo é como o que há nas federais, que reserva dentro das cotas para escola pública um porcentual para PPI”, diz. 

E o reforço na política de assistência, acrescenta, é essencial. “Sem pensar em oferecer cursos noturnos, aumentar a moradia estudantil e dar bolsas, os alunos não vão concluir. O sucesso das cotas depende desse acompanhamento.” /COLABOROU ISABELA PALHARES

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