Universidades particulares e públicas de SP planejam volta às aulas teóricas somente em 2021

Muitas federais, como a UFBA, também não retomam neste ano; Durante Summit Educação 2020, palestrantes destacaram ainda desafios do ensino superior provocados pelo coronavírus

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Por Renata Okumura
Atualização:

SÃO PAULO - O receio de um possível contágio pelo novo coronavírus por parte de estudantes, docentes e funcionários faz universidades particulares e públicas do Estado de São Paulo planejarem apenas para o ano que vem a retomada de aulas teóricas em salas de aula.  Para o diretor-executivo do Semesp,  entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, Rodrigo Capelato, existe preocupação com possível volta antes da hora. "Não voltaremos com as aulas presenciais teóricas nas universidades particulares no segundo semestre deste ano. Elas não podem ser retomadas diante da atual situação, com fatores complicadores. Docentes (que estão ou não no grupo de risco) estão com medo, alunos também não querem retornar agora. É uma combinação complicada."

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Este foi o tema do quinto dia do Summit Educação 2020, evento online e gratuito, realizado pelo Estadão, que começou na segunda-feira, 24, e vai até a próxima segunda-feira, 31.

As instituições de ensino do Estado de São Paulo foram fechadas na segunda quinzena de março, após decreto de quarentena. Por enquanto, somente aulas laboratoriais e práticas foram retomadas, adotando todos os protocolos de segurança. "Conseguimos voltar com as aulas laboratoriais e práticas apenas com 35% dos alunos e respeitando o distanciamento social. As aulas presenciais (teóricas) serão mantidas de forma online no segundo semestre", disse Capelato.

O diretor-executivo do Semesp afirma ainda que é a questão financeira não é tão simples para a retomada. "É preciso levar em consideração que é muito caro voltar com 35% (dos alunos nas salas de aula), já que seria preciso toda uma estrutura (com todos cuidados e protocolos) que custa caro e é um complicador."

Capelato acredita que, apesar das dificuldades, o ano também traz transformações positivas para o ensino superior. "Professores estão fazendo trabalhos maravilhosos, que servirão como fontes de pesquisas. As escolas dão possibilidade de o aluno continuar com aulas online neste semestre. É o primeiro caminho para o ensino híbrido, combinar aulas presenciais e continuar com remoto."

Unicampoferece 3.237 vagas em cursos de graduação no vestibular 2021. Foto: Antonio Scarpinetti/Divulgação

Assim como o ensino superior privado, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), mantêm os planos de retomar aulas teóricas em salas de aula apenas em 2021. 

Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, afirma que na entidade, assim como nas outras duas universidades públicas paulistas, a intenção é manter as aulas teóricas online durante o segundo semestre deste ano. Mesmo sem uma data prevista, as instituições de ensino elaboram planos para uma retomada segura. "Praticamente tudo online no segundo semestre deste ano. Quando pudermos voltar, com muito cuidado, já temos plano de retorno gradual com testagem de toda a comunidade, treinamento das pessoas para atender preferencialmente estudantes que estão se formando e precisam de aulas práticas que faltaram. Por exemplo, como fazer estudante de odontologia voltar neste momento mantendo distanciamento social. Depois, será a vez dos estudantes que acabaram de entrar na universidade, contato importantíssimo para estabelecer relações e participar efetivamente da universidade".

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Na Unicamp, hoje são mais de 11 grupos de trabalho estudando como devem ser adotados os protocolos de segurança. "O retorno será gradual com 20% dos alunos a cada duas semanas, podendo demorar mais de 10 semanas para ser concluído", disse Knobel. Ele também não descarta a possibilidade de novo fechamento. "Se a situação piorar, voltaremos a estaca zero. Parar foi difícil, mas voltar é muito mais complicado. Não sabemos se teremos vacinas logo. É um dilema que estamos vivendo em todas as universidade do Brasil e do mundo."

Enquanto isso, as áreas de saúde e pequisa continuam atuando na Unicamp e em outras universidades, "somente na Unicamp há mais de 70 grupos de pesquisas dedicados também ao combate à covid-19." A USP também permitiu o retorno presencial de atividades de pesquisa e a volta de até 30% dos funcionários técnico-administrativos nos câmpus da capital paulista. 

Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), os trabalhos sobre o novo coronavírus também foram mantidos, "já as aulas teóricas em salas de aula, assim como na maioria das federais, não serão retomadas neste ano", disse João Carlos Salles, reitor da entidade, ao destacar que a pandemia impôs desafios para a continuidade do ensino. "Dificuldade financeira do estudante, dificuldade de acesso a internet, capacitação dos alunos e o dilema de como garantir a qualidade do ensino."

Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, coordenada pelo Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP, avalia que a pandemia acelera a necessidade de mudanças dentro de instituições de ensino. "Repensar o formato da universidade do mundo inteiro. Hoje os conteúdos estão disponíveis com mais facilidade. Foi possível manter praticamente mesmo aprendizado do ensino presencial no online."

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Por outro lado, Ramos defende a importância do cuidado com a saúde mental de estudantes, professores e funcionários neste momento. "O socioemocional será essencial em um momento de retorno. Cada um reage de uma maneira, em razão da ansiedade e pessoas queridas que faleceram por causa da covid-19."

Situação financeira das universidades públicas

Para agravar a situação financeira enfrentada durante a pandemia, as universidades públicas paulistas foram surpreendidas com pacote de ajuste fiscal enviado, há cerca de duas semanas, pelo governador João Doria (PSDB) à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) que propõe mudanças permanentes na estrutura de serviços estaduais. Anunciado como resposta à previsão de déficit bilionário nas contas públicas em 2021, a proposta estima cortes de cerca de R$ 1 bilhão de universidades e da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp).

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O PL 529/2020 traz em seu artigo 14 a previsão de que "o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial das autarquias, inclusive as de regime especial, e das fundações, será transferido ao final de cada exercício à Conta Única do Tesouro Estadual".

"As universidades (Unicamp, USP e Unesp) foram surpreendidas com projeto da reforma administrativa do Estado de São Paulo. O artigo 14 é realmente um confisco nos recursos das três universidades públicas e da Fapesp. Ter superávit significa que a instituição é adimplente, que não tem dívidas, pela boa administração e autonomia. Estamos discutindo com o próprio governo para mudar essa situação, conversando com deputados da Alesp, sensibilizando sobre a importância das universidades públicas e da Fapesp para o desenvolvimento do Estado e do País", disse o reitor da Unicamp.

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Segundo Knobel, um terço das pesquisas científicas são feitas nessas três universidades com apoio da Fapesp. "É uma situação muito difícil e delicada. Se isso de fato for aprovado, nem sei como faremos para chegar no fim do ano, para pagar salários. Somente neste ano a frustração de receitas da Unicamp foi em torno de R$ 275 milhões e as três (universidades) juntas, R$ 670 milhões."

A perda de autonomia financeira também afeta gravemente a Fapesp. "A entidade tem papel estratégico não somente para o Estado de São Paulo. O que a Fapesp tem hoje é um fundo financeiro para preservar a saúde financeira, boa gestão e apoios de bolsas e pesquisas, uma responsabilidade imensa", afirmou Mozart, que também é conselheiro da Fapesp.

No âmbito das escolas de ensino superior federal, os desafios são semelhantes. "Muitos governantes hoje têm visão que universidades prestam serviço de retorno imediato, têm que devolver imediatamente com pesquisa aplicada. Não percebem que é um processo de longo prazo", acrescenta Salles, reitor da UFBA.

Inadimplência no ensino superior privado

Universidades particulares do Estado de São Paulo enfrentaram aumento de 51% na taxa de inadimplência deste ano em relação ao ano anterior. O índice de evasão cresceu 14% no mesmo período. 40% dos alunos foram impactados por perda de emprego ou redução de carga horária, segundo o diretor-executivo do Semesp.

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"Faltam políticas públicas para a educação e ajuda para alunos de particulares que foram afetados pela pandemia. A maioria é de classes C, D e E", afirmou Rodrigo Capelato.

Confira a seguir a programação dos próximos dias do Summit Educação Brasil 2020: 

  • Dia 31/8 - das 13h às 15h Painel - O Legado da Digitalização no Mercado e os Efeitos no Currículo Acadêmico

Com o tema Volta às aulas e a nova educação pós-pandemia, o evento debate desafios que instituições públicas e privadas, que tiveram de fechar as portas logo no início do ano letivo, enfrentam para garantir que os alunos se mantenham motivados, que o conteúdo seja dado de forma clara e que as desigualdades não aumentem.

As inscrições podem ser feitas gratuitamente pelo site. A transmissão do evento será online.

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