Uma escola em SP, sotaques do mundo

Colégio no Bom Retiro, no centro, tem 55% dos 772 alunos vindos de outros países ou filhos de pessoas que chegaram recentemente

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Por Isabela Palhares
Atualização:

SÃO PAULO - No intervalo das aulas da Escola Estadual Marechal Deodoro, no Bom Retiro, região central de São Paulo, as crianças se dividem em duas brincadeiras: pular corda e "arroz com leite". A primeira já foi tradicional das ruas brasileiras, e a segunda foi introduzida na escola por alunos bolivianos, que são quase um terço de todos os alunos matriculados.

De longe, é possível ver as crianças de diversas nacionalidades pulando com pés alternados os degraus de uma escada enquanto cantam em uma espécie de "portunhol" a música da tradicional brincadeira boliviana. Dos 772 estudantes matriculados no local, que tem turmas do 1.º ao 5.º ano do ensino fundamental, 55% vieram de outro país ou são filhos de pais que vieram recentemente para o Brasil. A maioria desses alunos estrangeiros é de bolivianos, peruanos e paraguaios, mas ainda há coreanos, argentinos, chilenos e um camaronês.

O camaronês Eli Hogbe Bangweni, de 7 anos, pula corda Foto: Nilton Fukuda/Estadão

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Cindy Abigail Cruz Tolavi, de 7 anos, é uma das bolivianas que ensinam os outros alunos a brincar de "arroz com leite". Ela se mudou para o Brasil no ano passado, com a mãe e uma irmã de 10 anos. O pai ficou na Bolívia. Cindy contou que aproveita o tempo na escola para brincar, já que à tarde, após as aulas, tem de acompanhar a mãe no trabalho, em uma confecção de roupas. "Lá nós não podemos fazer bagunça. Então, fico a tarde toda fazendo as lições de casa." Com o português já fluente, Cindy se gaba de falar melhor que a mãe. "Ela ainda troca algumas palavras pelo espanhol."

Há um ano no Brasil, o camaronês Eli Hogbe Bangweni, de 7 anos, também já domina o português nas aulas, apesar de ainda conversar com a mãe em francês em casa. "Lá, os professores eram bravos, gritavam muito. Aqui, tenho amigos e as professoras são boazinhas", disse. Sua única preocupação é com a mãe, que também trabalha em uma confecção têxtil do bairro - e está "muito magrinha".

Com uma diversidade grande de nacionalidades, algumas brincadeiras têm mais de um nome na escola. O pega-pega, por exemplo, também é chamado de "la pinta" pelos chilenos.

Mudanças. A diretora da unidade, Sônia Frazão, disse que a escola sempre teve muitos alunos bolivianos, mas que nos últimos anos houve uma "diversificação" das nacionalidades. Uma das principais preocupações do colégio é integrar os alunos, não só na escola, mas na sociedade. "Os pais ficam muito fechados na comunidade que formam aqui no Brasil, só falam a língua natal, comem apenas pratos típicos. E o único lugar de acesso à cultura é a escola."

Por isso, Sônia conta que professores dão dicas para pais levarem os alunos para conhecerem os pontos turísticos de São Paulo. Também são promovidos passeios. "São Paulo pode assustar um pouco no começo, mas eles não podem ficar fechados."

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Sônia observa que o interesse de alunos e pais estrangeiros também "contamina" os brasileiros. "Eles levam muito a sério a educação, querem sempre participar e acompanhar o desenvolvimento dos filhos e influenciam os outros." Esse interesse motivou a escola a criar um curso de português aos domingos para adultos. A direção também se encarrega de informar os pais estrangeiros sobre direitos trabalhistas e benefícios. "Nossa função aqui extrapola a parte pedagógica, orientamos toda a família para que todos sejam melhor acolhidos."

Cultura. Algumas crianças falam português melhor do que os pais Foto: Nilton Fukuda/Estadão
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