14 de fevereiro de 2021 | 05h00
Aniversário de um garoto de 10 anos. A comemoração acontece na pequena sala do apartamento em que ele mora com a mãe. Para comer, há bolo e alguns salgadinhos caseiros; para beber, refrigerante, suco e cerveja para os adultos. Na sala, umas 20 pessoas, em pé. Calma! A cena ocorreu antes da pandemia.
Cada convidado, ao chegar, oferece um presente ao aniversariante e espera que ele abra. Nesse momento, crianças e adultos rodeiam o garoto que celebra cada mimo com entusiasmo. Depois que todos chegaram, a mãe coloca uma música – e mães, pais e filhos, alegres, dançam todos juntos. Onde eu vi essa cena? Em um filme francês.
Votos em meio à pandemia
Aqui entre nós, dificilmente ela aconteceria. Eu mesma participei, há muito tempo, de uma festa de casamento numa pequena cidade do sul. Mas lá eu vi jovens convidando senhoras e senhores para dançar e não vi crianças brincando só com crianças.
As últimas festas de aniversário de crianças em que estive presente foram bem mais grandiosas que a do filme: aconteceram em salões próprios para isso ou em bufês. A quantidade de comida doce e salgada e de bebida era uma coisa impressionante. Os aniversariantes não abriam os presentes recebidos, que eram colocados em um local próprio. Vi, sim, crianças rodeando os embrulhos, curiosas para saber o que havia dentro. Em duas dessas festas, os pais deixavam os filhos na porta e, como combinado no convite, viriam buscá-los em um determinado horário. Os adultos ficavam em grupos só de adultos. E as crianças? Brincavam conduzidas por monitores ou recreacionistas.
Aos poucos, fomos tornando uma situação essencialmente afetiva – a celebração da vida de uma pessoa querida – em um acontecimento impessoal e marcado pela reunião de grupos etários semelhantes: adulto com adulto, crianças com crianças. As menores são impedidas de participar das brincadeiras das maiores e ficam, quase sempre chorando, com os pais.
Aí está: construímos uma sociedade que evita o relacionamento intergeracional. Crianças mais velhas não aprendem a cuidar das menores e têm a sensação de que elas só atrapalham.
Há tempos, testemunhei uma cena em uma escola paulistana que tinha organização totalmente diferente das que conhecemos. As crianças não eram separadas por idade e todo o espaço da escola era compartilhado por todos, dos bebês aos já com 6 anos. E as brincadeiras eram criadas pelas próprias crianças.
Um grupo de meninos e meninas de mais ou menos 5 anos juntou-se para jogar o que eles chamavam de futebol – e eis que chegou ao local uma criança de 2 anos querendo jogar também. Sem saber como resolver a situação, as crianças foram conversar com a mentora da escola e ouviram dela que, se a criança menor não conseguia acompanhar as regras do jogo, eles deveriam mudar as regras para que ela pudesse jogar.
Uma lindeza essa orientação que as crianças receberam. E cumpriram! Aprender a incluir todos os que querem participar de algo é fundamental em uma sociedade.
Já nós, adultos, preferimos, por exemplo, deixar os velhos com outros velhos em atividades “próprias” da tal terceira idade, e separar, na escola, as crianças por idade. Como disse o educador sir Ken Robinson, será que o que há de mais importante para aproximar crianças com interesses semelhantes é a data de fabricação delas?
Se queremos uma sociedade mais amigável para a convivência intergeracional justa, cordial e solidária, precisamos repensar a maneira como vivemos nosso cotidiano, como organizamos as escolas e os eventos sociais que criamos.
*É PSICÓLOGA, CONSULTORA EDUCACIONAL E AUTORA DO LIVRO EDUCAÇÃO SEM BLÁ-BLÁ-BLÁ
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