03 de outubro de 2021 | 05h00
Luiz, de 11 anos, sempre perguntou à mãe, Angelica, assuntos complexos para a idade dele. Apesar disso, na escola, a criança desde cedo não desenvolvia a leitura e a escrita. Professores adaptaram as tarefas, médicos foram consultados, mas ninguém conseguia explicar o porquê ou reverter o quadro. Há três anos, o garoto recebeu um diagnóstico. Mãe e filho saíram de Mato Grosso para São Paulo para descobrir que a criança tem dislexia, um dos tipos de Transtorno Específico de Aprendizagem (TEAp).
Pesquisa sobre o perfil do TEAp no Brasil mostra que 35% das famílias viajam, até para outros Estados, em busca do diagnóstico. O mapeamento, ao qual o Estadão teve acesso, foi realizado pelo Instituto ABCD em parceria com o Cisco do Brasil e o Instituto IT Mídia.
O trabalho indica ainda que um terço das crianças consultaram mais de cinco especialistas até obter o laudo. As famílias gastam, em média, R$ 800 mensais em acompanhamento especializado. A análise envolve respostas de 304 questionários aplicados, de 17 Estados.
Após gastos em Cuiabá, os custos de consultas e estadia em São Paulo foram altos, para Angelica Simioni, de 46 ano. Luiz passou por novas avaliações médicas e baterias de exames por mais de uma semana na capital paulista até o diagnóstico tardio. E essa peregrinação não é um caso isolado.
O instituto estima 10 milhões de brasileiros com algum transtorno de aprendizagem. No entanto, a falta de conhecimento e de profissionais especializados na rede pública prejudica o diagnóstico, conforme Ana Márcia Guimarães Alves, pediatra especialista em desenvolvimento infantil.
As famílias ouvidas pelo Instituto ABCD ainda sinalizaram impactos emocionais negativos do TEAp nas crianças e nos jovens, tais como tristeza, ansiedade e baixa autoestima. Angelica conseguiu orientação após encontrar um grupo de parentes de disléxicos que discutia o assunto em Mato Grosso.
“Foram essas famílias que me falaram qual caminho seguir para entender o que o meu filho tinha.” A fundadora do grupo é a bióloga Gabrielle Coury, mãe de Maria Lúcia, de 18 anos, que também fez em 2014 o mesmo trajeto de Angelica, para saber o porquê de a filha não se adaptar à escola.
Gabrielle conta que passou seis meses até conseguir revelar para a filha o diagnóstico. “Coloquei uns vídeos de umas crianças falando no YouTube, e ela se reconheceu. Ela olhou para mim e disse: ‘Então não sou burra, mamãe? Eu sou disléxica”, lembra emocionada a presidente de honra da Associação Mato-grossense de Dislexia, fundada em 2016 e que hoje tem mais de 200 associados.
O longo período de salas de aula fechadas por causa da pandemia no Brasil também traz prejuízos para esse grupo, diante das dificuldades para a adaptação ao ensino remoto. Além das mudanças na escola, de acordo com a pesquisa, muitas crianças e jovens tiveram mudanças no acompanhamento terapêutico personalizado.
A administradora de empresa Fabiola de La Lastra Helou, é mãe de Layla, de 14 anos, e Tayo, de 12. A filha tem discalculia, transtorno relacionado aos números, que precisa de intervenções pontuais. Já o filho tem dificuldade na aprendizagem por causa da dislexia. Além deles, o marido de Fabiola também é disléxico – esses transtornos são hereditários.
Atenta à literatura internacional do TEAp, Fabiola matriculou o filho por oito meses em uma escola americana com metodologia específica, que custou cerca de R$ 50 mil por mês.
No fim do período, Tayo saiu do nível de leitura de uma criança na pré-escola para o de uma criança no 3.º ano do ensino fundamental. O gasto da família inclui os quase R$ 15 mil mensais com a escola brasileira e intervenções da psicologia. Ela lamenta que muitas mães não consigam sequer acesso ao diagnóstico e defende mais atenção do poder público ao assunto. “É mais fácil manter do jeito que está porque é menos oneroso”, diz Fabiola.
Entre as soluções propostas para melhorar o cenário de atenção aos transtornos no País, destaca Juliana Amorina, fonoaudióloga e diretora-presidente do Instituto ABCD, está a aprovação do projeto de lei 3.517/2019, que tramita há quase 12 anos no Congresso.
O texto prevê acompanhamento integral dos alunos das redes pública e privada de ensino em parceria com os profissionais da rede de saúde. Na consulta aos profissionais especializados feita também pela ABCD, apenas 8% trabalham com serviços gratuitos.
O projeto estabelece ainda capacitação continuada de professores para que reconheçam mais precocemente sinais persistentes das crianças com resultados mais lentos na aprendizagem. “(A ideia é) implementar um sistema de triagem e monitoramento para que o encaminhamento seja mais preciso”, reitera Juliana. Isso também evita desperdício de recursos antes da descrição adequada do transtorno. Campanhas com informações sobre o tema também ajudam as famílias.
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03 de outubro de 2021 | 05h00
Da dislexia à discalculia, as várias formas do Transtorno Específico de Aprendizagem (TEAp) mobilizam pessoas de todo País a buscar não só um diagnóstico específico para essas condições, mas também formas adequadas de tratamento. Não à toa, uma a cada três famílias que têm membros com TEAp viajam, até para outros Estados, em busca de avaliações médicas precisas, segundo estudo do Instituto ABCD, em parceria com o Cisco do Brasil e o Instituto IT Mídia.
O instituto estima que até dez milhões de brasileiros convivem com algum transtorno de aprendizagem, embora a maioria não saiba, o que pode atrapalhar a vida escolar e social. Para tirar dúvidas sobre os sinais de que a criança têm alguma dessas condições e como buscar o diagnóstico, o Estadão preparou uma série de perguntas e respostas sobre o assunto:
Os transtornos de aprendizagem são divididos em três tipos principais, conforme as dificuldades dominantes. São eles a dislexia, em que há
maior prejuízo relacionado à leitura – em precisão, velocidade, fluência e compreensão leitora; a discalculia, quando há maior comprometimento em matemática, com prejuízos no senso numérico, na memorização de fatos aritméticos, na precisão em cálculos e no raciocínio lógico; e a disortografia, em que há prejuízo acentuado na expressão escrita: ortografia, gramática, pontuação e organização textual.
Presidente do Instituto ABCD e fonoaudióloga, Juliana Amorina ressalta que o Transtorno Específico de Aprendizagem está relacionado a alterações nos componentes linguísticos.
Isso pode se refletir com trocas na fala, dificuldades com rimas, parlendas ou tarefas desenvolvidas na educação infantil. Também é preciso atenção se a pessoa não consegue identificar palavras parecidas ou letras, principalmente as presentes no seu nome.
“É algo persistente. A criança com o transtorno, mesmo com recursos e estímulos, é mais difícil de aprender”, completa. Nesta segunda-feira, 4, no lançamento da pesquisa da instituição, um recurso para triagem dos sinais dos transtornos será adicionado ao aplicativo EduEdu, diz Juliana, para ajudar pais e professores.
Não é apenas o médico quem pode fazer o encaminhamento da criança, mas um profissional é o único que pode dar o diagnóstico. O psicólogo ou professor em sala de aula pode solicitar avaliação neuropsicológica que mostrará os sinais do TEAp. O pai pode levar o filho ainda a um pediatra.
A partir da análise dessas avaliações, o médico poderá dar ou não o CID da criança para, enfim, ter acesso ao tratamento e a alguns direitos que lhes são garantidos, como currículo adaptado e prova diferenciada em concursos públicos, por exemplo.
Conforme Ana Márcia Guimarães Alves, pediatra especialista em desenvolvimento infantil, a Sociedade Brasileira de Pediatria pleiteia a oficialização da área de pediatria do desenvolvimento e comportamento para treinar mais pediatras para a detecção precoce de transtorno de aprendizagem, entre outros transtornos do neurodesenvolvimento e a subsequente reabilitação no tempo adequado.
A pediatra Ana Márcia Guimarães afirma que pode variar, a depender do grau do TEAp, que pode ser leve, moderado ou grave. Com isso, o impacto também será diferente.
A especialista pontua que, a depender do grau, se o tratamento for iniciado precocemente, a criança consegue passar pelo processo de alfabetização acompanhando seus pares. “Assim, evitando que a dificuldade cause outros problemas, como depressão e abandono escolar”, alerta.
O atendimento no SUS para os transtornos ainda é muito insuficiente do ponto de vista dos pais e especialistas. Porém, vale a pena tentar, uma vez que a estrutura pode ser diferente dependendo da cidade onde se esteja. O ABCD dá dicas para que se separe a identidade da criança e do responsável, comprovante de residência e o cartão do SUS.
Além disso, é importante conseguir um encaminhamento feito pela escola ou relatório escolar recente para apresentar na Unidade Básica de Saúde (UBS), também conhecido como posto de saúde ou postinho mais próximo.
Se você não souber a qual o posto de saúde ir, ligue para 156 e pergunte. Se possível, quando for ao local, agende consulta com pediatra ou médico da família. Na conversa, diga todas as dificuldades que o filho tem para aprender, falar, ler, identificar os números. Conte sobre exames de visão ou audição já feitos. Se alguém na família apresentar dificuldades semelhantes, também informe. A partir disso, o médico deve encaminhar a criança para exames específicos.
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