SOS animal

Trabalho de veterinário do zoológico às vezes parece o de médico de PS: até dez animais são atendidos por dia

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Por Elida Oliveira
Atualização:

Médicos e biólogos se debruçam sobre pacientes. Não há choro de dor, mas grunhidos, uivos, agitação. Ainda assim, o clima é descontraído nas três salas de atendimento do Centro Veterinário do Zoológico de São Paulo, com risos e piadas. Sergio Raposo Junior, de 22 anos, aluno do 10º semestre de Veterinária da Universidade Anhembi Morumbi, gostou de conhecer o ambiente em que são realizados procedimentos de rotina e emergências hospitalares em aves, répteis, mamíferos, primatas. A visita reforçou seu desejo de trabalhar nessa área. "Adoro a vida selvagem."   Os veterinários até tentam manter um cronograma, mas as emergências atropelam o planejamento. Já chegaram a fazer, cada um, dez atendimentos em um dia.   No cativeiro, os pacientes desenvolvem sintomas incomuns na vida em liberdade. É o caso de um macaco-da-noite (Aotus sp.) que está com incontinência urinária. Os especialistas do centro querem tratá-lo usando princípios da psiquiatria. O animal, doado ao zoo há mais de dez anos, tem passado por baterias de exames para desvendar razões biológicas ou anatômicas para o problema. Como os testes não apontam nenhuma pista "convencional", acredita-se que a incontinência seja provocada pelo stress.   Fotos: JOSÉ LUIS DA CONCEIÇÃO/AE       Veterinária e psiquiatria: A equipe do zoo decidiu fazer tratamento inovador, recorrendo à psiquiatria, pela dificuldade  de tratar a incontinência urinária de um macaco-da-noite. Alguns procedimentos reduzem o sofrimento do animal: 1. Anestesia inalatória: acalma o macaco durante o tratamento 2. Limpeza: urina irrita a pele e provoca queda dos pelos 3. Coração: equipamento mede batimentos e indica se a dose da anestesia é segura     O macaco-da-noite vive em um recinto na área dos animais excedentes, longe da vista do público, ao lado de primatas de hábitos diferentes dos seus. "Ele é ‘da noite’ mas fica o dia todo acordado. Recebe estímulos visuais e auditivos. Tentamos diminuir as interferências, colocando lonas sobre o recinto, mas ele continua agitado", disse Louise Maranhão de Melo, veterinária residente. "Nunca tinha ouvido falar em psiquiatria com animais, é uma área ainda pouco explorada", contou Sergio.   O estudante acompanhou em agosto uma sessão de avaliação do macaco-da-noite, que levou pouco mais de 40 minutos. A equipe do Centro Veterinário anestesiou o animal, coletou sangue e fez a limpeza das pernas e do rabo. Mas nem sempre é assim. "Às vezes é preferível que ele sofra com a irritação na pele, causada pela incontinência, do que seja submetido a anestesias periódicas", explicou o chefe do centro, André Nicolai da Silva.   Além da reavaliação do Aotus sp., Sergio observou um protocolo de quarentena, exames para checar se um animal recém-chegado tem doenças que contaminem os demais. O novato é um araçari-poca (Selenidera maculirostris), da família dos tucanos.   Num procedimento cuidadoso, a equipe fez hemograma e análises bioquímicas. Nicolai e Louise usaram máscaras, luvas cirúrgicas e muita delicadeza no trato do pequeno paciente – de cerca de 20 centímetros, bico rajado e penas azuis –, especialmente para capturar a jugular e tirar o sangue. Enquanto isso, Sergio observava no visor da máquina de anestesia a contagem dos batimentos cardíacos. São 120 por minuto. "A frequência cardíaca das aves é acelerada. Temos que anestesiar em qualquer procedimento, porque a reação seria fugir e, em contenção, elas não têm para onde ir. Isso pode levar até a morte", contou Louise.   Sergio já viveu experiências parecidas num estágio que fez no Departamento de Áreas Verdes da Prefeitura. "Acontecia muito com os veados trazidos pela população ou pela Polícia Florestal." Louise explicou que eles sofrem de "miopatia de captura". "Simplesmente entram em pânico e morrem à toa. Algumas aves, como as raquitas (emas), também morrem de graça."   Chamada de "boazona" pelos veterinários, a serpente píton-bola (Python regius) estava tão acostumada ao manejo que nem estranhou quando era tocada. Sergio aproveitou para investigar e encontrou um esporão – que mais parece uma unha de gato – perto da ponta da cauda. "Há 500 milhões de anos essa espécie teve patas, os esporões são resquícios de evolução", disse Nicolai.   O exame clínico da serpente consiste na observação do corpo e das presas, com uso de palito para o manuseio – cuidado que Louise insiste em ter, mesmo que o píton não inocule veneno. "Uma vez eu me piquei com uma jararaca. Ela estava anestesiada e eu ia passar uma sonda, sem usar a pinça. Meu dedo foi direto na presa. Passei a noite no hospital", contou, rindo.   Dois meses depois da visita de Sergio, o Estadão.edu voltou ao zoo, no dia 16, para ver como estavam os animais."A lona colocada sobre o macaco-da-noite surtiu um bom efeito e ele está mais calmo, mas a incontinência persiste", disse Louise, enquanto cuidava, com Nicolai, de Tieta, outro primata que havia passado por uma cirurgia e estava em observação.   O araçari-poca está bem, mas permanece na área dos excedentes do zoo. Já o píton de vez em quando é remanejado e vai para exposição, em uma espécie de "rodízio" entre os répteis da sua espécie.   Ficha: Píton-bola Python regius África Central e Ocidental Serpente é apelidada de ‘boazona’ pelos veterinários, por ser dócil. Mas o píton mata por estrangulamento   Macaco-da-noite Aotus sp. Panamá ao nordeste argentino Único macaco de hábitos noturnos. No Brasil, vive na floresta amazônica   Araçari-poca Selenidera maculirostris Mata atlântica Da família dos tucanos, canta num estilo que lembra o coaxar de sapos. Come frutos, brotos e sementes     Vets: Coisas que rolam no zoo Acidente Louise Melo foi ‘picada’ por uma jararaca. A culpa foi da residente, que enfiou o dedo na presa e foi parar no hospital   Dieta Em cativeiro, tigres e onças passam por um jejum semanal. O motivo: eles ficam preguiçosos e se mexem pouco na jaula   Nem pulga O zoo está superlotado. Volta e meia aparece um coelho ou tartaruga na contagem dos bichos. Abandonados, nem sempre há lugar para eles

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