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Sem fiscalização, lei antibullying engatinha no País

Norma prevê ações contra violência, mas falta sistematizar, dizem especialistas; caso em Goiânia põe tema novamente em debate

Por Isabela Palhares e Luiz Fernando Toledo
Atualização:

SÃO PAULO - Há 18 meses em vigor no País, a lei antibullying, que prevê uma série de ações para identificar e combater esse tipo de violência nas escolas, ainda não virou realidade por problemas de fiscalização ou monitoramento dos casos e de práticas preventivas. Para especialistas, sem diagnóstico da situação, na prática, a obrigação recai apenas sobre os colégios, que podem ser até processados pelos casos. 

+++ Especialistas veem falhas no combate ao bullying nas escolas

Bandeirantes.Carolina Ferrer(no centro)e colegas aprendem a identificar conflitos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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O debate sobre o tema veio novamente à tona após o bullying ter sido apontado pela polícia como um dos fatores que levaram um adolescente de 14 anos a atirar contra colegas em uma escola de Goiânia na última sexta. Dois alunos foram mortos e outros quatro ficaram feridos. A investigação ainda está em curso e não há conclusão sobre o peso do bullying como motivo do crime.

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Desde fevereiro de 2016, está em vigor uma lei federal que determina ser dever de todas as escolas promover medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e combate ao bullying. As escolas devem capacitar todos os professores, fazer campanhas de educação, oferecer assistência psicológica e jurídica e instituir práticas de orientação também aos pais.

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Um dos artigos da lei prevê que devem ser “produzidos e publicados relatórios bimestrais das ocorrências de intimidação sistemática (bullying) nos Estados e municípios para planejamento das ações”. Questionado sobre quantos Estados e municípios haviam produzido esses relatórios, o Ministério da Educação (MEC) disse que eles não precisam ser encaminhados à pasta por causa da autonomia das redes de ensino. 

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Alessio Costa Lima, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, diz que os projetos antibullying nas escolas ainda são “pontuais”, já que não há ação sistematizada para todo o País. “O fato de a lei ser aprovada não significa que vai ser imediatamente cumprida. Muitas escolas ainda desconhecem.” Ele diz não ter informação sobre quantos municípios produziram os relatórios. 

Idilvan Alencar, do Conselho Nacional de Secretários de Educação, também diz não saber se algum Estado produziu os relatórios. “O bullying está fortemente presente nas escolas e, com crescimento de grupos que tentam impedir discussões sobre gênero, discriminação e intolerância em sala de aula, a tendência é de aumentar.” 

Diagnóstico

Um estudo feito por pesquisadores da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) analisou os dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), de 2015, e identificou que entre as características mais frequentes entre os que praticam bullying estão os que relataram solidão, insônia e não ter amigos. Dentre as características familiares, praticavam mais bullying aqueles que faltam as aulas sem comunicar a família e apanhar de familiares. 

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"Pesquisas como essa ajudam a entender o fenômeno e buscar ações mais eficazes. Com esses dados, por exemplo, encontramos aspectos de vulnerabilidade no ambiente familiar dos bullying , onde há maior incidência do relato de falta de atenção, uso da punição física. Dá uma indicação de como deve ser a nossa intervenção", disse o psicólogo Wanderlei Oliveira, um dos resposáveis pelo estudo.

Ele diz que hoje no País não há nenhum monitoramento em larga escala dos casos de bullying. Luciene Tognetta, especialista em psicologia escolar pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), também ressalta a dificuldade em estudar o fenômeno. "Não conseguimos financiamento para nossas pesquisas, porque a temática não é vista com importância e seriedade", diz. 

Os dados mais atuais sobre violência na escola são do questionário aplicado na Prova Brasil de 2015, sob a ótica de diretores das unidades. O levantamento mostrou que 83% dos diretores de colégios públicos de ensino fundamental  dizem ter projetos em suas unidades sobre bullying - no entanto, apenas 19% disse trabalhar projetos como esse "sempre ou quase sempre". Também identificou que 17% dos diretores relataram ter identificado alunos portando armas brancas, como faca e canivete, e 3%, com arma de fogo na escola. Naquele ano, 76% dos diretores disseram ter registrado agressão verbal ou física entre alunos. 

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Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) revelaram que 17,5% dos estudantes brasileiros, na faixa dos 15 anos, disseram ser alvo de algum tipo de bullying algumas vezes ao mês. 

“Não há um monitoramento porque não há um acompanhamento nacional, um programa que oriente as escolas. O que há são boas ações pontuais, que nasceram do olhar de diretores e professores”, diz Luciene. 

Em nota, o MEC diz que a lei é “basicamente para Estados e municípios” e informou estar desenvolvendo plataforma para ações de educação em direitos humanos, em que haverá categoria específica para o tema.

Treinamento em escolas particulares

Em escolas tradicionais de São Paulo, o combate ao bullying tem se tornado cada vez mais comum. As estratégias vão desde o estímulo ao diálogo entre os alunos até a formação de grupos para treinamento sobre como identificar e lidar com as situações.

No Colégio Bandeirantes, na zona sul, por exemplo, a direção fez parceria com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para treinar professores e alunos. Uma das iniciativas foi a criação de equipes formada por estudantes de todos os anos do ensino fundamental, que passam a observar os colegas e oferecer ajuda. “Eles observam alunos que estão mais isolados no pátio, que talvez estejam sofrendo por alguma provocação”, explica a coordenadora de Convivência em Processo de Grupo (CPG) do Bandeirantes, Maria Estela Zanini.

“Fizemos um treinamento que durou dois dias, com várias situações hipotéticas e como deveríamos agir em cada uma delas”, diz a aluna Carolina Ferrer, de 14 anos. 

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Já no Colégio Oswald de Andrade, na zona oeste, a estratégia é a de desenvolver, desde a educação infantil, a cultura de diálogo permanente. “Precisamos incutir o valor cultural de se discutir os problemas e questões do grupo”, diz o diretor-geral Harlei Florentino.