Rapper americano lança curso de inglês na periferia de SP

Morador do Capão Redondo desde abril de 2016, Jordan Fields aprendeu português ouvindo hip hop brasileiro

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Por Priscila Mengue
Atualização:
Sonho. Jordan Fields: 'O rap brasileiro me salvou. Queria vir aqui, ver, fazer parte disso' Foto: Werther Santana/Estadão

Em uma noite de chuva e Marginais ainda mais engarrafadas que o normal, o rapper Jordan Fields, de 30 anos, comemorava com um pulo a chegada de cada um de seus alunos. O sorriso de boas-vindas permaneceu durante as duas horas em que ministrou o curso “Inglês na Quebrada” - lançado por ele na semana passada no bairro Jardim Dionísio, distrito de Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo.

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Nascido na periferia de Newark, em New Jersey, o norte-americano aponta três nomes como seus principais professores de português: Racionais Mc’s, RZO e Sabotage. Segundo o músico, conhecido como Bixop, o interesse pelo rap nacional começou em novembro de 2014, momento em que ouvia basicamente clássicos do hip hop norte-americano, por não gostar da maioria da produção recente do gênero.

“O rap brasileiro me salvou. Fui aprendendo mais e mais. Queria vir aqui, ver, fazer parte disso”, diz. Segundo ele, a primeira canção que ouviu foi “Nego Drama”, dos Racionais Mc’s. “Quando fui traduzir a letra, fiquei impressionado. Fiquei ‘uau’, porque percebi que a realidade da favela no Brasil era a mesma da favela lá (nos EUA)”, relembra. Assim, chegou a gravar covers em seu canal no YouTube, dos quais uma versão de “O Trem”, do RZO, obteve 192 mil visualizações. O alcance o colocou em contato com artistas brasileiros, momento em que conheceu a cantora Lena Silva - hoje sua esposa e o principal motivo pelo qual se mudou para o Brasil em abril de 2016, residindo no distrito do Capão Redondo, também na zona sul.

Hoje, ele faz o caminho inverso: usa a música norte-americana para ensinar inglês a moradores da periferia de São Paulo. Em uma única aula, foi de “Nobody's Supposed to be Here”, da cantora Deborah Cox, até “Do You Know What Time It Is?”, do rapper Kool Moe Dee. “Brasileiros têm o hábito de ouvir uma música mesmo sem saber o que estão cantando. Quando eu passo na aula, falam, ‘ah, é isso”, comenta.

Durante a aula, Fields conta histórias do período em que vivia nos Estados Unidos, inclusive desconstruindo aspectos idealizados do país. Segundo ele, muitas pessoas ficam surpresas quando ele diz que se mudou para o Brasil, pois somente observam os aspectos positivos dos EUA, sem perceber que as oportunidades para moradores da periferia e negros são muito limitadas.

Um de seus alunos, Herrison do Carmo, de 32 anos, por exemplo, se interessou pelas aulas justamente pela abordagem musical. “Achei interessante. Eu costumava pegar letras de música e colocar na parede enquanto ouvia e cantava durante o banho”, comenta ele, que pretende aprender o idioma para se mudar para os Estados Unidos em até dois anos, onde tem uma prima e uma irmã.

Jordan Fields aprendeu português ouvindo músicas dos grupos RZO e Racionais Mc's Foto: Werther Santana/Estadão

O curso. O rapper costuma dizer que “a música está sempre com ele”, mas, por questões de renda, teve de deixar a carreira artística um pouco de lado para trabalhar como professor de inglês, atuando especialmente em bairros nobres, como Pinheiros e Cerqueira César. Com a experiência, começou a questionar o motivo de jovens da periferia não terem a mesma oportunidade e decidiu, então, criar o Inglês na Quebrada.

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Em comparação, diz que as experiências são muito diferentes. “Nos outros espaços, a maioria dos meus alunos são avançados, é muita conversação. Eles só querem não esquecer”, compara. “Aqui estou realmente ensinando alguém a falar, dá mais alegria. Vejo alunos falando ‘meu Deus, mas é só isso’ quando aprendem o verbo 'to be', por exemplo, uma coisa que estudam anos na escola pública, mas que dá para entender em 15 minutos.”

O curso atualmente tem cinco turmas, totalizando 40 alunos, que pagam R$ 65 mensais. Ao todo, teve 145 inscritos, a maioria da zona sul de São Paulo e com idades entre 20 e 40 anos. O material didático é elaborado pelo próprio professor, que também incentiva o diálogo dos alunos por grupos de WhatsApp da turma, tanto por mensagem de texto quanto por áudio.

Dentre os alunos, estão o cantor e dançarino Jonny Keelthy, de 26 anos, que pretende melhorar a pronúncia para poder gravar composições em inglês. Já o estudante de Jornalismo, Bruno Pinho, de 20 anos, se inscreveu nas aulas por já admirar a carreira artística de Fields, a quem já havia entrevistado em um trabalho.

Já Eliene Vidal de Souza, de 26 anos, destaca o fato de ser um curso com um nativo, que, por ter dificuldades com o português, entende também as dúvidas dos brasileiros com o inglês. “Ele tem muita vontade de ensinar. E não só de ensinar, mas de fazer a diferença onde mora, por ter observado a necessidade de pessoas que não tinham a condição de pagar. Juntou visão e experiência”, pontua.

Veja alguns trabalhos de Fields abaixo:

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