Quilombos também tiveram origem mestiça

Pesquisa da UnB com material genético mostra que mulatos ? e não negros ? eram maioria nas comunidades de ex-escravos. Indígenas também eram quilombolas

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Por Agencia Estado
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Pesquisas genéticas com populações remanescentes de quilombos mostram que, como praticamente toda a população brasileira, também a que deu origem a esses agrupamentos era mestiça. Boa parte das mulheres dessas comunidades era formada de índias, capturadas de tribos da região. E até brancos pobres se agregaram aos quilombos. As conclusões são resultado do trabalho do Departamento de Genética e Morfologia da Universidade de Brasília (UnB), sob a coordenação de Silviene Oliveira, que analisou comunidades dos núcleos Rio das Rãs e Riacho do Sacutiba, na Bahia, Mocambo, em Sergipe, e Kalunga, em Goiás. Este não é o único grupo que está analisando genes das comunidades quilombolas. Há pesquisas em andamento desde o Pará até o Vale do Ribeira (SP), envolvendo cerca de 100 cientistas de várias universidades. O retrato que começa a surgir é o de grupos com dinâmicas diferentes: alguns fundados em torno de uma só família, outros a partir de várias, alguns em que o sobrenome passa de mãe para filha e de pai para filho e por aí em diante. Mestiços Em comum, têm a demografia típica das populações rurais, com muitas crianças e jovens e poucos adultos. Mas são todas mestiças na origem, mesmo antes da criação dos quilombos. ?Meu interesse pelos quilombos surgiu porque eu queria pesquisar as populações negras trazidas para o Brasil e como essas comunidades remanescentes vivem em isolamento pareciam ser o ponto de partida ideal?, conta Silviene. ?A gente imaginava que eles teriam pouca ou nenhuma mistura por causa do isolamento?, diz a pesquisadora que analisou cerca de 500 indivíduos dessas comunidades. Silviene trabalhou com marcadores do cromossomo Y, o cromossomo masculino que passa praticamente inalterado de pai para filho. Um desses marcadores é uma variante de um gene, surgida há cerca de 700 anos na Europa, que codifica uma proteína expressa na membrana celular e confere a seus portadores resistência ao vírus causador da aids, o HIV. ?Das duas, uma. Ou houve enorme fluxo de migração de europeus para esses quilombos ? e sabemos que isso não ocorreu ? ou esse gene estava lá desde a fundação do quilombo, em alguém que teve muitos filhos, o que pode explicar sua alta freqüência?, explica. Miscigenação maior Silviene diz que a miscigenação ocorreu desde o início da colonização do País e são poucos os grupos ? como alguns europeus do sul do País ? em que ela não ocorreu. ?A miscigenação na senzala foi muito maior do que fazem supor as nossas novelas.? E no quilombo também. Outra constatação do estudo é que os fundadores foram homens, em sua maioria, talvez porque fosse mais difícil para as mulheres escapar da senzala. ?Essas populações contam histórias de como uma avó ou bisavó índia foi caçada por cães e levada para o quilombo?, conta. Houve também casos de alianças entre ex-escravos e tribos perseguidas de áreas próximas ao quilombo. Prova disso, é que tanto a comunidade de Mocambo quanto a reserva dos índios xocós, perto dali, são compostas por cafusos com alto grau de parentesco. leia mais em Genes podem contar 100 mil anos de história Refúgio de escravos, brancos, judeus, ciganos e desertores

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