Quando a pós-graduação é realizada em um hospital

Profissionais da Saúde vêm procurando programas de instituições médicas, no lugar dos feitos por universidades

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Por Ocimara Balmant
Atualização:
Cristiane dos Reis, médica oncologista Foto: Divulgação

Até o ano passado, sempre que um paciente da oncologista Cristiane Amaral dos Reis precisava de aconselhamento genético, ela tinha de encaminhá-lo a um especialista a pelo menos um voo de distância de Teresina, onde a médica de 38 anos mora e trabalha. Foi quando Cristiane decidiu ela mesma viajar duas vezes ao mês a São Paulo e se especializar no tema. O curso, pioneiro no Brasil, não foi realizado em uma universidade com hospital universitário, mas em um hospital que se transformou também em uma instituição de ensino.

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É uma mudança de paradigma que começou tímida em meados da década passada mas que, ano a ano, tem mudado o cenário da pós-graduação em Saúde. Atualmente, dezenas de hospitais brasileiros têm apostado no formato que oferece como atrativos: especialização na área de expertise da instituição e, por consequência, acesso a profissionais que são referência nacional no assunto; currículo menos engessado e mais antenado com as demandas do mercado; oportunidade de estágio em serviços e equipamentos de ponta e, claro, chance de conseguir um emprego naquela instituição. Os processos seletivos são compostos, geralmente, por prova e/ou entrevista.

Mas é preciso cuidado para não comprar gato por lebre. Mesmo dentro de um hospital, qualquer curso de pós-graduação tem de seguir as determinações do Ministério da Educação (MEC).

“A gente faz um mix do que é necessário de fundamentação científica e do que o profissional precisa para atuar na prática. Afinal, hoje a informação em si não é mais o atrativo. Mas, sim, como a pessoa usa a informação no seu dia a dia. E é essa vontade de ver como se faz que motiva os alunos a nos procurar”, afirma Olga Guilhermina Farah, diretora de ensino superior e técnico do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa, que pertence ao Hospital Israelita Albert Einstein. “Quando chega aqui, o aluno sabe que o coordenador do curso é um chefe de serviço ou que escreveu um livro importante sobre o tema.”

O hospital tem mais de 4 mil alunos matriculados em seus 70 cursos - alguns deles voltados apenas para médicos e outros tantos direcionados também a profissionais de outras áreas da Saúde, como Enfermagem, Fisioterapia, Psicologia e Biomedicina. São os chamados cursos multiprofissionais. O curso que Cristiane frequentou, Aconselhamento Genético em Predisposição Hereditária ao Câncer, é um exemplo desse formato. Em sua turma havia também enfermeiros, psicólogos e biólogos, todos com ao menos dois anos de experiência em genética ou oncologia, requisitos para a matrícula.

“Além dos estágios e das simulações, discutíamos os nossos casos. Agora, mesmo com o fim do curso, continuamos a trocar ideias em um grupo virtual”, conta a primeira oncogeneticista do Piauí. Cabe a ela, após o diagnóstico clínico, decidir se o paciente deve fazer exame genético, indicar que genes deverão ser avaliados e, com o resultado em mãos, definir condutas a serem tomadas em relação ao doente. Em determinadas situações, também apontar cuidados para os parentes de primeiro grau.

Demanda. O depoimento de Cristiane reflete a lógica que orienta a criação dos cursos de especialização: aproveitar a área de expertise do hospital para atender a uma “demanda reprimida”. No Sírio-Libanês, a equipe monitora os sites e as redes sociais para mapear os pedidos mais frequentes. “Nas últimas duas semanas, foram 26 e-mails de gente interessada em cursos de Nutrição e Fisioterapia Hospitalar”, afirma Gisleine Eimantas, superintendente de Ensino.

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Com cerca de 500 alunos matriculados em seus oito programas de especialização, o hospital tem cursos só nas áreas em que conta com muitos especialistas e alta casuística (número de casos atendidos), como é o caso de Cuidados Paliativos, assunto em que a procura aumenta e na qual o hospital é pioneiro. “Como o business do hospital não é o ensino, a gente pode fazer um curso não só pensando no fim financeiro, mas avaliando se, de fato, agrega valor ao aluno e à assistência”, afirma Gisleine. “Com o mapeamento de demanda, unimos uma coisa à outra.”

É o mesmo expediente usado pelo Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Por lá, o currículo das 20 especializações é revisado todos os anos com base em dois princípios: a demanda de mercado e suas prioridades e os avanços técnicos e científicos do hospital. “Existe uma linearidade, mas o conteúdo é revisto com base naquilo que o hospital está fazendo”, afirma Luciano Hannes, superintendente de Educação, Pesquisa e Responsabilidade Social da instituição que oferece 20 cursos lato sensu.

Desde que lançou os primeiros cursos, há cerca de uma década, o hospital tem interesse em qualificar o empregado que já atua ali e garimpar profissionais do mercado que em algum momento possam ser contratados pela instituição. Tanto que a instituição oferece o “estágio continuado” para quem tem interesse de trabalhar ali - 30% dos que optam acabam com o registro em carteira.

A fisioterapeuta Karin Portela, de 25 anos, passou um ano e meio fazendo quinzenalmente o trajeto de 290 quilômetros entre Santa Maria e Porto Alegre para frequentar o curso de Fisioterapia Ortopédica e Neurológica. “Quando escolhi, nem imaginava que poderia trabalhar em hospital. Achava que era um desafio muito grande para mim. Mas, quando terminei o estágio, gostei tanto da equipe e da assistência aos pacientes que decidi fazer o processo de seleção. Passei e estou aqui há três anos.”

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Karin personifica o perfil dos alunos dos cursos multiprofissionais ou daqueles direcionados a profissionais de Saúde que não atuam como médicos. É um público de cerca de 25 a 30 anos que busca uma área de especialização dentro do grande tema do bacharelado e que vê nos programas oferecidos por hospitais de referência a garantia de que não ficarão restritos a aula teóricas, mas terão acesso ao aprendizado prático. 

Já os cursos direcionados a médicos costumam atrair tanto o profissional que emenda a residência a um lato sensu - é importante lembrar que médico só recebe o título de especialista por meio da residência ou da prova de sociedades médicas - até gente mais experiente, que busca uma especialização em algo específico da área em que já atua.

É o caso dos alunos do curso de Cirurgia Robótica em Urologia organizado pelo Hospital Oswaldo Cruz. Todos são urologistas que, por saberem que os centros hospitalares do Brasil já estão equipados com robôs, decidiram aprender a técnica com os profissionais do hospital que possui a maior casuística do País em cirurgias robóticas urológicas. 

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Tradição. Bottoni destaca a prática no Oswaldo Cruz Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO

Preparo. Para ensinar, não é suficiente apenas a habilidade prática. Os especialistas precisam ter formação acadêmica e boa didática - muitos deles também dão aula na academia. Também há de se ter espaço para colaboradores de outros hospitais ou profissionais do mercado que sejam a melhor referência em determinado conteúdo.

“É um modelo de treinamento em serviço e, até por isso, as vagas são poucas. Não é só sala de aula, é acompanhar os procedimentos em um hospital de 120 anos de assistência e gestão”, diz Andrea Bottoni, diretor acadêmico da Faculdade de Educação em Ciências da Saúde do Oswaldo Cruz.

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O hospital tem 12 especializações e dois MBAs, e o número pequeno de alunos permite com que muitos estejam no radar da instituição, que deve ampliar em breve o número de unidades. 

ALBERT EINSTEIN As mais de 150 turmas em andamento fazem do Hospital Albert Einstein uma potência em cursos de especialização. Oferecida desde 2004, a modalidade integra o Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, que abriga também duas graduações (Medicina e Enfermagem), residência médica, pós stricto sensu (mestrado e doutorado) e cursos técnicos e livres. Só as especializações somam 70, oferecidas em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte.

Considerada “best-seller”, a especialização em Oncologia tem turmas nas três cidades e o objetivo de abordar a prevenção, o diagnóstico e o tratamento do câncer considerando a importância da multidisciplinaridade. Com duração de 11 meses e custo de R$ 16.346,91, o curso é composto por cinco módulos de aulas teóricas e estágio nas dependências do Einstein. Como oncologia é uma área de expertise do hospital, há no rol de especializações outros cursos relacionados ao tema, como Cuidados Paliativos e Aconselhamento Genético em Predisposição Hereditária ao Câncer.

Mais específico é o curso Captação, Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos, oferecido em São Paulo. O programa visa a oferecer ao profissional da Saúde (não é só para médicos) uma ampla visão do processo doação-transplante, por meio do conhecimento dos aspectos operacionais e éticos, o que inclui identificar o potencial doador, aplicar os conceitos de acondicionamento e transporte de órgãos de acordo com a legislação vigente; entender os critérios de distribuição e alocação dos enxertos viabilizados e credenciar equipes e estabelecimentos de saúde na captação e transplante de órgãos e tecidos.

O estágio é realizado tanto na Unidade Ambulatorial de Transplantes do Einstein como na Central de Transplantes da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e na Organização de Procura de Órgãos da mesma secretaria.

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Site: www.einstein.br/ensino/Paginas/pos-graduacao.aspx

MOINHOS DE VENTO Referência em Porto Alegre, o Hospital Moinhos de Vento tem 20 especializações. Os primeiros cursos datam de 2003 e, ano após ano, a instituição aumentou a oferta por conta da demanda: gente não só da capital gaúcha, mas de todo o Estado e de municípios de Santa Catarina. No rol de cursos, há alguns para médicos, mas profissionais como enfermeiros, nutrólogos e fisioterapeutas também são contemplados. Os cursos ocorrem quinzenalmente às sextas-feiras e aos sábados e o estágio é feito de forma contínua de uma só vez, para que o aluno possa agendar esse componente curricular para as férias. 

Como a oncologia é uma das áreas fortes do hospital, há vários cursos sobre o tema, como Enfermagem em Oncologia, Nutrição em Oncologia, Fisioterapia em Oncologia e Farmácia em Oncologia. Neste último, os farmacêuticos são atualizados, entre outros temas, sobre preparos e cálculos em oncologia, radiofarmácia, fisiopatologia do câncer e protocolos em quimioterapia. Os estágios são feitos nas áreas de químio e rádio e na unidade de internação. 

Site: iep.hospitalmoinhos.org.br/posgraduacao

AMERICAS MEDICAL CITY O complexo que une os hospitais Samaritano e Vitória, no Rio de Janeiro, oferece a pós-graduação lato sensu em Clínica Médica, voltada a médicos egressos há pouco tempo da graduação. De acordo com o coordenador do curso, Abdon Hissa, os estudantes, a maioria com idade entre 25 e 28 anos, têm o mesmo horário e a mesma assistência de um programa de residência. A diferença, explica, é que o egresso da residência já sai do curso habilitado como especialista. O aluno que faz o lato sensu tem de ser aprovado na avaliação da Sociedade Brasileira de Clínica Médica para fazer jus ao título.

Os interessados em concorrer a uma das cinco vagas disponíveis podem se inscrever até 10 de fevereiro de 2017. A seleção será composta por prova de múltipla escolha e entrevista. Os selecionados receberão bolsa de residência médica e cumprirão carga de 40 horas semanais, incluindo plantão de 24 horas. O programa tem a duração de dois anos. “Priorizamos as aulas práticas e a troca de aprendizado. A estratégia de treinamento no Americas Medical City, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), proporciona aos médicos uma visão completa dos pacientes, desde a prevenção e o diagnóstico, passando pelos tratamentos clínico e cirúrgico, até a reabilitação”, afirma Hissa.

Carlos Alberto Niño Angarita, de 25 anos, mudou-se da Colômbia para o Rio em 2015 e, desde o início do ano passado, é aluno dessa especialização. Escolheu por indicação de amigos que já estavam no Brasil. Ele pretende emendar com uma especialização em Cardiologia, antes de voltar ao seu país. 

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Site: www.cmahissa.com.br

SÍRIO-LIBANÊS Cuidados Paliativos é uma das 17 opções de especialização lato sensu oferecidas pelo Hospital Sírio-Libanês. E não faltam interessados dispostos a pagar R$ 30 mil para fazer o curso dentro da instituição, que é pioneira no assunto no Brasil. Referência em oncologia, o Sírio atrai gente do País todo. Nessas áreas mais tradicionais, cerca de 70% dos alunos são de fora de São Paulo.

Atualmente, todos os cursos da instituição são oferecidos presencialmente na capital paulista, mas o objetivo é, em um futuro próximo, transmitir parte do conteúdo a distância. No cardápio, há desde aqueles formatados apenas para a comunidade médica, tais quais Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva e Neurointensivismo para Adultos, como outros desenhados para serem multiprofissionais, como Gestão na Área da Saúde e o próprio Cuidados Paliativos.

Com encontros semanais e duas semanas de imersão, o curso de Cuidados Paliativos é destinado à gama de profissionais da Saúde que lidam com o paciente em situação de sofrimento, seja ele com doença terminal ou uma enfermidade curável. O objetivo é que o participante adquira uma visão estratégica, integrada e multidimensional sobre tratar e cuidar dos sintomas de sofrimento físico, psíquico, social e espiritual; atender à família e intermediar conflitos. 

É nessa linha dos cursos multiprofissionais que o hospital deve aumentar a oferta ainda neste ano. Os novos cursos devem atender a uma demanda reprimida que está sendo mapeada pela própria instituição. 

Site: www.hospitalsiriolibanes.org.br/iep/pos-graduacao-lato-sensu

OSWALDO CRUZ Seis anos de atuação como médica, e Juliana Garrucino Borgato está cada vez mais convicta de que o equilíbrio entre qualidade, custos, uso de tecnologia e atendimento humanizado fazem da Administração em Saúde um desafio bastante complexo. “É tudo muito difícil, e a gente sai da faculdade de Medicina sem nenhum tipo de preparo nesse sentido”, afirma a radioterapeuta de 32 anos. 

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De fato, as peculiaridades administrativas fazem com que muitos serviços de Saúde não sejam geridos por gente da área ou, quando o são, acabam em mãos de profissionais sem capacitação técnica para a função. É para suprir essa demanda que o Hospital Oswaldo Cruz formatou o MBA em Administração Hospitalar e Gestão em Saúde.

O curso, com 18 meses de duração, tem aulas quinzenais, às sextas-feiras e aos sábados. No conteúdo programático, estão aulas sobre Auditoria, Gestão de Operadoras, Acreditação e Hotelaria Hospitalar. A postos para aprender estão médicos (que compõem boa parte da turma), além de outros profissionais da área, como fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas. Todos, como Juliana, atuam ou pretendem trabalhar em instituições e empresas do setor de Saúde, como clínicas e hospitais.

O MBA em Administração Hospitalar e Gestão em Saúde é um dos 14 cursos de lato sensu oferecidos pela Faculdade do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (FECS). Além dele, há o MBA Qualidade em Saúde: Gestão e Acreditação e outras 12 especializações, algumas multiprofissionais e outras restritas à área médica, como a Cirurgia Robótica em Urologia, em que alunos têm a oportunidade de aprender a técnica com os profissionais do hospital que possui a maior casuística do País em cirurgia robóticas urológicas. 

Site: www.fecs.org.br