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Projeto da USP oferece aulas de geografia do Brasil para refugiados

Inscritos eram de 17 nacionalidades diferentes, a maioria da Síria; jovens têm dificuldade de encontrar emprego e pagar passagem

Por Maria Eduarda Chagas
Atualização:

SÃO PAULO - Jamal Zaiter é refugiado duas vezes. Palestino, nasceu na Líbia, caçula de sete filhos. Em 1994, mudou-se com a família para a Síria, onde viveu a maior parte de sua vida. "Precisamos nos mudar em 2012. Ficou muito perigoso, muitos amigos morreram", diz. A família começou a ser ameaçada após o início da Guerra Civil, em 2011.

Desde então, Zaiter viveu alguns meses no Líbano e passou um ano e meio em Dubai, irregular, sem conseguir visto. Procurou a embaixada brasileira após ler, em uma rede social, que o País oferecia asilo. Finalmente, chegou a São Paulo em dezembro do ano passado, sem saber uma palavra de português.

Jamal Zaiter faz curso de geografia aos sábados na USP Foto: MARIA EDUARDA CHAGAS/ESTADÃO

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Hoje, aos 29 anos, trabalha em um restaurante de comida árabe, no Tatuapé, zona leste de São Paulo. Formado em química na Síria, Zaiter aprendeu a fazer esfihas no Brasil e vive em um quartinho acima do local onde trabalha com dois colegas.

Dois de seus irmãos estão em Dubai, dois chegaram à Suíça após se arriscarem de barco pelo Mediterrâneo, um vive no Líbano com a mãe e o outro chegou ao Brasil na semana passada. "A minha família ficou toda dividida. A guerra faz essas coisas", comenta, com um sorriso, de quem não se deixa contaminar por autopiedade.

Apesar de trabalhar aos sábados de 16h até meia-noite, Zaiter não deixa de frequentar o curso de geografia para refugiados, oferecido na Universidade de São Paulo, aos sábados pela manhã. As aulas, projeto de extensão da USP em parceria com a ONG Cáritas, tiveram 63 alunos inscritos, de 17 nacionalidades diferentes; a maioria (26) da Síria.

Atualmente, cerca de 30 alunos permanecem assíduos. "Com o tempo, eles vão arrumando trabalho e deixam de vir", explica Luis Antonio Bittar Venturi, professor do Departamento de Geografia da USP e responsável pelo projeto. Venturi destaca ainda que alguns alunos disseram não poder mais frequentar as aulas por não terem dinheiro para a passagem.

No curso, os alunos aprendem um pouco sobre a história e aspectos socioeconômicos das cinco regiões brasileiras. "Acho interessante aprender que a geografia do Brasil é muito diferente", afirma Zaiter.

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Para o nepalês João (nome fictício), o melhor do projeto é o clima da universidade. "Adoro a atmosfera aqui, o verde da USP, aprender coisas novas", diz. João chegou ao Brasil em junho de 2014 após ter problemas políticos em sua cidade-natal. A filha, de 18 anos, foi ameaçada de sequestro e, grávida, chegou ao País pouco depois. Os dois participam do curso, que já tem um novo módulo previsto para o próximo semestre. 

 

Dificuldades. Agora, a principal dificuldade de João é encontrar um emprego. Os cerca de R$ 200 que a família recebe do Bolsa Família não são o suficiente. "Tenho experiência com agricultura, fotografia, turismo, mas não estou achando trabalho", diz. A filha, que interrompeu os estudos de medicina no Nepal, também pretende trabalhar, mas precisa se dedicar à sua criança, de seis meses. "Quero retomar meus estudos ou trabalhar ajudando imigrantes. Me ajudaram quando eu cheguei aqui, também quero fazer algo de bom para o Brasil", afirma.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 15.707 famílias com pelo menos uma pessoa estrangeira em sua composição recebem benefícios do programa - os dados são de setembro deste ano. Não necessariamente essas pessoas são refugiadas. O valor recebido por essas famílias é de R$ 167 mensais, em média.

Venturi afirma que os refugiados têm muita dificuldade em conseguir trabalho em suas profissões porque a revalidação do diploma é um processo caro e demorado. "Entre os alunos, temos médicos, dentistas, farmacêuticos, jornalistas, pessoas com perfil qualificado que acabam trabalhando em restaurante ou vendendo roupas", diz. Na USP, o processo para revalidar o diploma de graduação tem uma taxa a ser recolhida de R$ 1.530, além de R$ 90 do registro, quando aprovado o pedido.

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No curso, os alunos pedem ajuda aos professores em diversos trâmites legais. "Eles nos pedem para traduzir currículo, para ajudar a arrumar emprego, para ajudar a entrar na universidade", conta Venturi, que já abrigou quatro refugiados em sua casa - um iraquiano, dois palestinos e um sírio. "A gente acaba se envolvendo em muitas outras questões. Agora, até a mudança de um aluno estou guardando na minha garagem", conta.

Para Zaiter, a falta de informação para refugiados que chegam ao País é um dos principais problemas enfrentados por eles. "Muita gente não conhece seus direitos. Só sei de 13º salário, jornada de trabalho de oito horas porque amigos brasileiros me explicam", afirma. No início, a língua também é uma barreira. Em dezembro, Zaiter chegou a Guarulhos sem conhecer ninguém e, por não achar quem falasse inglês, dormiu no aeroporto, com medo de se aventurar pela cidade.

No Brasil, há hoje 8.503 refugiados; destes 2.097 são sírios. Apesar de todas as adversidades, Zaiter diz estar contente aqui. "Gosto muito do povo, já tenho amigos. Eu não tenho país. Já sinto que aqui é minha terra. Gosto de estar, finalmente, regular", diz.

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