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Profissionais do Direito do Trabalho precisam estudar mais questões coletivas, diz professor

Em entrevista ao 'Estado', professor da PUC Paulo Sérgio João alerta que advogados trabalhistas estão perdendo espaço no campo da negociação

Por Túlio Kruse
Atualização:

Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) desde 1978 e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) desde 1991, o advogado Paulo Sérgio João dedicou 37 de seus 65 anos ao ensino do Direito do Trabalho. Mais do que um acadêmico, ele dividiu a cátedra com o exercício da advocacia ao longo da carreira e tem seu próprio escritório desde 2010, oferecendo serviços de auditoria e consultoria, entre outros. 

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Com a lei que regula a terceirização de atividades-fim de empresas em evidência no debate público, João avisa que os candidatos à segunda fase do Exame da OAB devem prestar atenção não no Projeto de Lei 4.330/2004, mas à jurisprudência que já existe a respeito do assunto - como a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Ele também faz um alerta a quem se inscreveu na matéria para a segunda fase do exame, afinal o Direito do Trabalho é a área com a menor taxa de aprovação na prova. Para o professor, existe "uma falsa percepção de que o Direito do Trabalho é simples."

Em relação à profissão, ele diz que os advogados precisam conhecer melhor as questões coletivas de categorias para participar mais das negociações entre sindicatos e empresas. Assim, o advogado depende menos das regras da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), que ele defende que deve servir como base para o Direito do Trabalho, mas não como premissa para travar acordos. "A convenção coletiva e os acordos é que complementam todos esses direitos, então um advogado trabalhista não pode advogar só olhando a CLT."

João acredita que os advogados trabalhistas no Brasil estão perdendo espaço no campo da negociação e tornando-se mais burocratas, tradutores de negociações prévias para os termos jurídicos. Para ele, isso é resultado da aplicação rígida da lei, sem espaço para acomodar acordos. É nesse sentido que João diz que o Direito do Trabalho não é "essencialmente positivado". Ao contrário, seria uma área que se transforma no dia a dia, caso a caso. "Os conflitos coletivos não exigem de um profissional do Direito do Trabalho uma aplicação da lei insistentemente. As situações de conflito precisam ser flexibilizadas para serem solucionadas", ele diz.

O professor recebeu o 'Estado' em seu escritório, em Perdizes, para discutir o futuro do Direito do Trabalho, os problemas do ensino do Direito no Brasil e os desafios de quem está entrando na profissão.

Na segunda fase do exame da OAB, a área jurídica do Direito do Trabalho é aquela que tem a menor taxa de aprovação. Enquanto 31,6% dos candidatos que se inscrevem para a prova de Direito Constitucional têm sucesso, em Direito do Trabalho essa taxa é de 13,6%. Alguns professores atribuem a baixa aprovação a um mito, uma falsa impressão de que a área trabalhista é "mais fácil", até mesmo por ter menos modelos de peça profissional. O que o senhor pensa sobre esses dados? Concorda com a análise? Os alunos erram ao achar que o Direito do Trabalho é mais fácil que outras áreas? 

É uma falsa percepção de que o Direito do Trabalho é simples. O Direito do Trabalho tem uma característica muito diferente de outros Direito, porque ele está no dia a dia. As pessoas vivem isso em casa. Nas suas relações cotidianas sempre tem um conteúdo trabalhista, sempre se fala disso porque é o salário, é a forma de ganhar e a forma de se relacionar. Todos os brasileiros conhecem um pouco de Direito do Trabalho, historicamente. 

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Por esse fato, muitas vezes ele fica em uma condição muito rasa. Vira uma conversa de balcão de padaria, se fala das coisas mas sem profundidade. Então a escolha do Direito do Trabalho é um pouco por essa superficialidade, mas quando se apresenta uma questão jurídica relevante ou mesmo numa questão técnica que exige do profissional um conhecimento melhor e aprofundado, aí é realmente difícil. 

Agora, para a questão de escolha do Exame de Ordem, a legislação trabalhista tem muito detalhe. Um contrato de trabalho, para o empregador cumprir, tem muitas obrigações. Então o Direito do Trabalho pode ser simples, se você ficar no superficial, mas ele pode ser extremamente complicado se você for a detalhes.

Como o senhor orienta os seus alunos quando chega o momento de prestar o exame da OAB? Como eles devem se preparar? Existe alguma particularidade no Direito do Trabalho que exija do aluno uma preparação diferente? 

Nas faculdades, o Direito do Trabalho, por exemplo na PUC, é dado no segundo ano. Então o aluno vai se formar depois de mais três anos, ele poderá fazer Direito do Trabalho eventualmente no último ano, se ele fizer a opção pela especialização. Mas não se faz, porque o glamour não é pelo Direito do Trabalho, mas sim pelo Direto Civil, Tributário, mercado de capitais, enfim... Então há um distanciamento. Nós, acadêmicos, o máximo que a gente faz é no segundo ano que é dizer: "Olha, quando fizer o exame da Ordem, tome cuidado com isto, pensem nisso. Isso é uma pergunta de Exame de Ordem, é importante que o advogado saiba isto", mas depois a gente perde o contato. Eu não sou professor de cursinho.

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A carga horária de Direito do Trabalho nos cursos é muito pequena. Na PUC, o curso é de um ano, depois mais seis meses de Processo do Trabalho, o que é pouco diante de um campo enorme de atuação. Pouco se fala em matéria de Direito Coletivo, essas relações sindicais. Só se o aluno fizer uma opção ele pode ter um contato. Digamos que as relações coletivas hoje são o que dão o dinamismo para o Direito do Trabalho.

Qual sua opinião sobre o exame da OAB? Ele é satisfatório na cobrança que faz das habilidades que um advogado trabalhista precisa ter?

Eu acho que o Exame da Ordem tem uma limitação. Ele não é um termômetro de capacitação. Ele é uma habilitação para o exercício da atividade profissional, então o Exame de Ordem vai por aquilo que é mais prático, por aquilo que é mais exigido na prática da advocacia. Isso não quer dizer que quem vai bem no Exame de Ordem será um bom profissional trabalhista.

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O senhor acha que o Projeto de Lei 4330/2004 pode ser abordado na segunda fase da OAB? Ou a prova não se preocupa com questões tão atuais?

A gente não sabe nem se esse PL será aprovado nem quanto tempo ele vai ficar sendo discutido. Acho que está muito cedo, mas, se houver algum questionamento, acho que a súmula 331 do TST é uma orientação nesse assunto de terceirização ou de prestação de serviços por terceiros.

Quais dificuldades o advogado enfrenta quando tem de lidar com essa questão?

O advogado tem de conhecer a questão coletiva. Quando um cliente procura um advogado trabalhista, ele tem que saber qual é a categoria econômica, qual é a categoria profissional dos empregados, se o empregado está numa categoria chamada 'diferenciada', qual o sindicato que o representa, qual é a base territorial, qual é a convenção coletiva, o acordo coletivo, quem assinou e quais são os direitos que estão ali. Não o que está na CLT, que é uma base de sustentação. A convenção coletiva e os acordos é que complementam todos esses direitos, então um advogado trabalhista não pode advogar só olhando a CLT.

Você acha que existem transformações significativas acontecendo na área do Direito Trabalhista? Apontam para algum futuro diferente, que um profissional do Direito precise ficar atento?

Eu acho que quem ingressa na carreira e quem pensa o Direito do Trabalho precisa ter consciência de que o Direito do Trabalho não tem uma dinâmica estática, e sim uma dinâmica própria. Contrariamente ao Direito Civil, que é mais estático, ele tem uma dinâmica que é própria dos movimentos sociais e das crises. Então ele se ajusta a cada momento que a sociedade está vivendo.

O veículo, digamos assim, de pacificação desses conflitos não está na lei. Ele está nas negociações coletivas, está nos sindicatos, está na própria empresa no momento de concertarão entre trabalhadores e a própria empresa. Porque não adianta, quanto se fala em sindicato dentro da nossa estrutura sindical, do modelo que nós temos, ele é desvinculado dos interesses diretos dos trabalhadores. O sindicato atua, dentro da nossa estrutura, em nome de uma categoria. E quando se fala em nome de uma categoria, se inclui empresas que tem situações econômicas diferentes. Então é como se fosse a lei, que é feita para todos mas não serve para ninguém.

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Por exemplo, o sindicato dos metalúrgicos não fala do 'martelinho de ouro' - embora ele trate, quando fala da categoria, inclusive do empregado do 'martelinho de ouro', que é uma condição diferente e que não poderia ser comparado, na minha opinião, ao empregado de uma grande empresa.

O senhor está dizendo que o advogado trabalhista, hoje em dia, precisa ter capacidade de negociação? E o senhor acha que as escolas de Direito atendem essa demanda hoje em dia?

Quando eu digo que o advogado trabalhista tem de ter capacidade de negociação, e digo que o Direito do Trabalho não é essencialmente positivado, é que o profissional da advocacia trabalhista precisa ter um perfil de negociador. Mas não negociador de conteúdo jurídico, que saiba negociar sem que a lei seja o fundamento da sua fala. 

Nessas negociações coletivas, e isso eu digo sempre aos meus alunos, o profissional do Direito do Trabalho veio perdendo ao longo do tempo um campo muito importante, que é o campo da negociação. Esse campo foi tomado por negociadores, que não são advogados. Quando termina uma negociação, aí ele chama o advogado para colocar o que negociou em termos jurídicos. 

O advogado tem a pecha de 'galo de briga', que é aquele que vem para uma reunião com a CLT embaixo do braço e sempre com um cartão vermelho na mão, e não é isto. As negociações coletivas, os conflitos coletivos, não exigem de um profissional do Direito do Trabalho uma aplicação da lei insistentemente. As situações de conflito precisam ser flexibilizadas para serem solucionadas.

Isso é um desafio para os jovens advogados de hoje, tendo em vista a formação em geral do Direito no Brasil?

Eu penso que é um desafio sim, porque a escola de Direito obviamente ensina a aplicação da lei. Algumas tem mais abertura, no sentido de mostrar um universo do Direito do Trabalho mais amplo, com a possibilidade de outros campos dentro do mesmo ramo. Caso contrário, se você vira um aplicador de lei e não se aprofunda no conhecimento nas matérias, acaba virando um despachante. Um advogado trabalhista sem profundidade no que faz é um despachante, ele não consegue solucionar ou atender a demanda de um cliente, tanto faz se ex-empregado ou empresa, ele fica num limite raso da advocacia trabalhista. 

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O que o futuro aponta para a área de Direito Trabalhista? Ela vai se complexificar? É necessário simplificar? Quais movimentos estão acontecendo?

Eu acho que o Direito do Trabalho tende a crescer, porque ele se diversifica em modelos de relações de trabalho. Historicamente, o Direito do Trabalho cuida do vínculo de emprego. Mas hoje já existe uma base de proteção que vai se ampliando. Dentro do Direito do Trabalho não está só o trabalhador que é empregado. Está também o trabalhador que não é empregado, que faz parte deste universo. Então o profissional trabalhista tem de saber CLT e tem de saber outras formas de prestação de serviços, outros modelos jurídicos de contratação. Então, considerando o momento econômico e considerando a evolução das relações de trabalho, eu acho que o Direito do Trabalho tende a evoluir, a buscar novas formas de proteção social, ampliar a sua base de proteção, mas sem perder esse dinamismo. Eu acho que ele sempre será dinâmico e sempre será adaptado às condições sociais em que se vive. Essas relações de trabalho sempre vão procurar uma forma de tornar a empresa competitiva, dar ao trabalhador um equilíbrio, de crescimento profissional. Isso sempre vai ocorrer. Agora, o que nós não podemos é ficar sempre naquele pequeno espaço do vínculo de emprego. O Direito do Trabalho precisa se abrir para outros universos.

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