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Professor cria projeto de Libras para a educação infantil no interior da Bahia

Ação voluntária de pedagogo começou com apoio pontual, mas já chegou a mais de 200 famílias

Por Júnior Moreira Bordalo
Atualização:

Um projeto no interior da Bahia está levando o ensino da língua brasileira de sinais (Libras) a estudantes surdos e não surdos, buscando a integração da comunidade escolar. A iniciativa voluntária do pedagogo Danilo Dias dos Santos, de 26anos,na cidade de Abaré, a 554 quilômetros de Salvador, começou com um apoio pontual, mas já chegou a jovens de 200 famílias da região.

“Se eu não for atrás de melhorias para minha filha, acredito que ninguém irá”. O desabafo é de Kelliane Silva Sá, mãe de Isabella Barbosa, de 5 anos. A estudante talvez não soubesse no momento, mas a sua busca foi a motivação principal para a criação do projeto Libras na Escola Inclusiva, do pedagogo Danilo.

Projeto de Danilo foi aplicado em quatro salas de pré-alfabetização, com o aval da escola e dos pais Foto: ARQUIVO PESSOAL

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Criada em 2020, a ação visa a diminuir as dificuldades de comunicação e acessibilidade de pessoas surdas, potencializadas pelo isolamento social e pausa nos estudos tradicionais por conta da covid-19. “Tive a oportunidade de conhecer virtualmente uma criança surda por meio de uma mãe que não sabia como proceder em relação à língua de sinais. Resolvi fazer um desafio, montamos um diário em que sugeri atividades remotas para ambas. A mãe foi me dando devolutivas de todo o processo e, a partir daí, me motivou a produzir o projeto”, explicou Santos ao Estadão.

O espaço virtual foi pensado para garantir o ensino de sinais básicos de comunicação em libras, permitindo assim aproximação da mesma com a identidade surda e consequentemente a aquisição da língua de sinais. O contato inicial partiu de Kelliane após ver uma palestra do professor nas redes sociais. “Estou no terceiro semestre de letras/libras, mas ainda entendo pouco. Por minha filha ser surda, busquei uma forma de ter mais conhecimento, inclusive para passar à minha família”, lembrou.

O acompanhamento durou um mês e contou com roteiro de atividades, vídeos, livros infantis acessíveis, orientação à família e encontros com videochamada. “Foi maravilhoso. Por ela ainda ser pequena, não entender muito, fomos passando o básico, como gestos familiares, objetos e alguns lugares. Estamos vivendo um processo de adaptação, mas recomendo muito. Acredito que todos deveriam aprender libras”, reforçou.

Ao perceber o sucesso obtido pela Isabella, na época com quatro anos, Danilo decidiu experimentar a ideia no Centro de Educação Infantil Imaculada Conceição, localizado no município baiano, e contemplar inicialmente a turma de pré-alfabetização II, formada por 10 alunos não surdos. “Levei para a sala de aula, reformulando para que (o conteúdo) ficasse alinhado às bases curriculares”.

Para isso, propôs uma reunião com os gestores da unidade educacional com a apresentação do projeto. Após recepção positiva, realizou uma formação pedagógica com a equipe escolar e funcionários, repassando principalmente formas para acolher essa criança que não escuta. “Colocamos placas com sinais nos banheiros e corredores. Fomos para a prática. A ideia era compreender sinais de comunicação básica, como incômodos e dores”, detalhou.

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Em seguida, fez reunião com os familiares e responsáveis. Ao todo, foram 10 encontros virtuais com os pequenos da turma piloto, em chamadas de vídeo de 20 minutos, e 10 visitas domiciliares. Depois, o projeto foi aplicado nas quatro salas de pré-alfabetização I e II da instituição de ensino.

“As crianças ficaram encantadas. O grande resultado foi a mobilização de toda a escola, no sentido de dar formação aos professores, replicar nas demais salas, contagiado a rede. Só de pensar que em uma escola pública de educação infantil, pequena, carente, nós tivemos resultados exitosos é muito revigorante. Conseguimos ver também uma maior participação das famílias, de depoimentos de mães que sentiram esperanças diante da pandemia”, celebrou.

Os recursos utilizados foram: caixa de papelão, palito, papel A4, tintas, tesouras, cola, utensílios de casa, materiais escolares, material impresso e aparelho celular.

“Gravei os vídeos e transformei em QR Code para alcançar a zona rural. Não tinha o domínio disso, foi uma solução que precisei pensar. Busquei informações de como ‘assistir conteúdo no celular sem a internet’ e cheguei a esse formato. Solicitei a presença dos pais, baixei os aplicativos e eles retornaram para casa com o material. Nas imagens, apareço ensinando o básico em libras”, detalhou.

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Coordenadora pedagógica do Centro de Educação Infantil Imaculada Conceição, Yoko Araújo aprovou a iniciativa. “Apesar do momento delicado vivenciado com a pandemia, abraçamos o projeto, pois era algo novo que iria oferecer a oportunidade da aprendizagem de uma nova língua”, pontuou. A forma “lúdica e prazerosa” fez toda a diferença para ela. “Foi uma ação produtiva. Era muito emocionante acompanhar a reação dessas crianças, o compromisso e a dedicação de cada uma”, lembrou.

Como replicar o projeto

O interesse em entender a língua de sinais surgiu para Danilo por meio da “desconstrução de dogmas e paradigmas próprios”. “Fui me apropriando naturalmente em casa”, assumiu. Por isso, indicou que, para a replicação do projeto, o passo principal é a motivação, já que o ensino de libras está disponível para qualquer pessoa.

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“Hoje não há desculpas para o professor, mesmo que ele não domine. Quando me propus a desenvolver, fui como professor da turma. Não como intérprete. Planejei a aula, pensei a maneira de como seria implementado. De início, é entender quem é essa comunidade e como se organiza”, indicou.

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Em seguida, a unidade escolar pode pensar em conteúdo pertinentes para cada etapa de aprendizagem da criança e estratégias de inclusão, como a criação de QR Code e vídeos. Na internet, um exemplo inicial de orientação é o canal gratuito Hugo Ensina, com aulas de libras. “É um material à disposição de todos”, lembrou. Além disso, o professor contou que está organizando seu próprio conteúdo para colocar em sites, como uma forma de alcançar mais pessoas.

O pedagogo reforçou ainda que pensar em iniciativas como Libras na Escola Inclusiva é a oportunidade de fazer com que uma criança surda deixe de ser estrangeira em seu próprio País. “A língua é o que nos constitui como sujeitos e permite exercer a nossa cidadania. Ensinar libras na educação infantil é criar um ambiente de respeito e valorização das diferenças.”

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