Pré-vestibulares tradicionais criam cursos 100% online para durar após a pandemia

Ensino remoto mudou forma de estudar e criou contingente de alunos que não quer voltar à sala do cursinho; há vantagens, mas professores alertam também para armadilhas

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Por Julia Marques
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Como muitas mudanças provocadas pela pandemia, esta também começou no improviso. Cursinhos pré-vestibulares, conhecidos pelas salas cheias, de repente tiveram de se adaptar ao modelo online no ano passado: as aulas entraram nas telas dos computadores e cada um foi para a sua casa. Teve aluno que não gostou, mas também aqueles que se descobriram nesse formato. Para atender a esse último grupo, tradicionais pré-vestibulares em São Paulo agora criaram cursos totalmente online, que vão continuar mesmo quando a pandemia acabar.

O modelo já está em operação em cursinhos como Poliedro, Anglo e Etapa. Na hora da matrícula, o estudante escolhe: ou faz o curso presencial ou faz o curso online. Neste momento, em São Paulo, estudantes do curso presencial podem assistir apenas à parte das aulas em sala, no sistema de rodízio, porque as classes só podem receber um terço da turma. Mas aqueles que escolheram o formato online não devem pisar no cursinho até o fim do ano.

As vantagens do modelo virtual já estão na ponta da língua - menos tempo em trânsito, chance de rever as aulas e até a possibilidade de que um estudante do interior ou de fora do País esteja matriculado. Resta saber agora se os alunos da modalidade online vão conseguir vencer os desafios de se concentrar nas aulas sem professores e colegas por perto ou manter a disciplina de estudos até mesmo para as matérias mais difíceis. 

“A pandemia trouxe vários aprendizados”, resume Rodrigo Fulgêncio, diretor de unidades escolares do Poliedro. Pela primeira vez, o curso lançou uma modalidade 100% virtual, com aulas ao vivo transmitidas de um estúdio no cursinho, que depois também ficam disponíveis em uma plataforma. O modelo recebe estudantes que se deram bem nas aulas virtuais no ano passado, mas não tem maioria - cerca de 80% das matrículas no cursinho ainda são para as aulas presenciais.

Cauan Geib, de 18 anos, teve até medo de que as aulas presenciais voltassem para todos e que ele fosse obrigado a ficar horas dentro de um ônibus para ir até o cursinho novamente. “Quando descobri que teria uma turma online esse ano, fiquei feliz. Não tive dúvida de me matricular”, diz o jovem, que pretende estudar Medicina na faculdade. “Foi como se tivessem aparecido duas horas a mais no meu dia.”

Matheus Augusto Correia, de 23 anos, avaliou o risco de se expor ao coronavírus em uma sala de aula e optou pelas aulas online Foto: Alez Silva/Estadão

Ele reconhece, porém, as dificuldades. Se a chance de rever a gravação da aula ajuda quando se perde parte da explicação, por outro lado pode ser um tiro no pé. Cauan prefere ver as aulas gravadas, em vez de assisti-las ao vivo, e sente que rende mais se não tiver de acordar tão cedo - então, com o curso online, consegue personalizar a rotina. “Mas preciso ter uma disciplina perfeita porque, se não, vai acumulando tudo.”

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“O aluno tem a possibilidade de pausar, voltar, assistir de novo, assistir no seu ritmo. Isso parece muito bom, mas gera um problema meio sério”, diz Marcelo Fonseca, coordenador geral do Curso Etapa. “Em uma aula presencial, você tem um nível de concentração porque não pode pausar. E essa concentração está intrinsecamente ligada à forma como você aprende. Batemos na tecla de que aula não é Netflix”, completa.

Neste ano, o Etapa lançou o curso Etapa On, totalmente online, com aulas gravadas. O formato teve adesão de cerca de 20% dos estudantes matriculados no cursinho. Matheus Augusto Correia, de 23 anos, foi um deles. O jovem até preferia voltar a estudar para Medicina em aulas presenciais, mas avaliou o risco, neste ano, de se expor ao coronavírus em uma sala de aula.

No modelo online, diz, o desafio é se organizar para não perder explicações e simulados. De manhã, quando acorda, Augusto assiste a algumas aulas - parte delas, ele consegue ver em velocidade duplicada e o que duraria 40 minutos passa a levar 20. “No caminho para o trabalho, vou assistindo a mais uma aula”, conta o jovem, técnico em equipamentos biomédicos em um hospital da capital paulista. A noite e, muitas vezes, até a madrugada servem para arrematar os estudos.

Mas a falta de contato com colegas pesa, principalmente na hora de discutir temas que podem cair na Redação. Então, Augusto “aluga” até colegas de trabalho para debater os assuntos e trocar repertórios. Aluna do Anglo Play, cursinho 100% online lançado pelo Anglo este ano, Beatriz Oliveira, de 20 anos, se esforça para não perder o horário das aulas remotas ao vivo, que começam às 7 horas.

“Aula gravada só de matéria que tenho certeza que não vou procrastinar. As matérias que eu não gosto, me forço para ver ao vivo, preciso estar ali”, conta Beatriz. De Presidente Prudente, no interior paulista, ela tem aulas com estudantes de vários Estados do País e fez amizade virtual com uma colega do Rio. Mesmo no curso 100% a distância, diz, interagir com a turma ajuda. E os estudantes demandam contato, pela tela, com orientadores.

Nos pré-vestibulares online, há plantão de dúvidas virtuais, correção da Redação e até orientação com psicólogos - tudo pelo computador. Os alunos formam uma “fila virtual” para atendimento e dizem conseguir gerir melhor o tempo sem ficar ociosos. Se o plantão de dúvidas de determinada matéria está com fila longa, é só clicar para ir a outra sala. “Consigo agendar um plantão para daqui a 20 minutos, resolvo em 20 minutos o que levava 2 dias”, diz Cauan.

No Etapa e no Poliedro, os cursos online são mais baratos do que o presencial e, no Anglo, custa o mesmo preço. Ainda assim, o valor é superior ao de cursinhos que já nasceram virtuais, como o Descomplica. “Nossa característica é preparar o aluno para os vestibulares mais concorridos. Não tinha no mercado até então um curso muito forte 100% digital”, diz Viktor Lemos, diretor de operações do Curso Anglo.

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Concorrência aumenta e fator ‘Amazon’ pressiona por agilidade

Os cursinhos investem na preparação dos estudantes para que saibam se organizar neste novo modelo de pré-vestibular. Internamente, também se preparam para dar conta de um mercado exigente. “A partir do momento em que entramos no ambiente virtual, os concorrentes mudam, agora temos concorrentes nacionais”, diz Fulgêncio, do Poliedro - que tem unidades físicas na capital e no interior paulista.

Eles também têm de lidar com a expectativa de rapidez de quem está online. “Quando houve o fechamento dos cursos presenciais no ano passado, tivemos de enviar materiais para todos os alunos. A expectativa que eles têm é de receber em um dia e não tínhamos estrutura logística”, diz Fulgêncio. “A barra de comparação dos alunos quando começamos a oferecer serviços virtuais é com indústrias que não são de educação.”

Para Lemos, o desafio é colocar a velocidade exigida no mercado, “estilo Amazon”, dentro de um cursinho. “Hoje, o consumidor acha um absurdo ter atendimento no WhatsApp e não ser respondido em 15 minutos. Mas não adianta querer brigar com isso, o mercado está assim.” Para dar conta, o Anglo tenta gerir a fila do plantão de dúvidas, por exemplo, informando a expectativa de demora e chamando os alunos por notificações na tela quando o professor é liberado para atendê-los.

Quem está há anos no mercado de cursinhos online já conhece essa demanda por praticidade e agilidade, mas também enfrenta seus desafios. O Descomplica, cursinho que existe há 10 anos no formato virtual, tenta manter não só um número alto de inscritos, mas promover a participação dos alunos na plataforma de estudos - e são 300 mil.

“Não basta ter alunos matriculados. Precisam estar engajados, fazendo exercícios, fazendo redação e entregando”, diz Rafael Cunha, vice-presidente do Descomplica. Para ele, a pandemia ajudou a reduzir os preconceitos com essa modalidade de pré-vestibular. “Quem não queria nem experimentar durante a pandemia foi obrigado.” E a chegada de mais cursinhos online não assusta, diz Cunha. “Aumentou a concorrência para eles. Muitos alunos passaram a conhecer o digital.”