Por falta de informação, mercado guarda preconceito com tecnólogos

Para especialista, mercado confunde curso superior tecnológico com técnico; após polêmica em rede social, Ambev estende processos seletivos para candidatos com esse tipo de formação

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Por Anna Barbosa
Atualização:

Curso técnico, curso tecnológico, tecnólogos - os termos tanto confundem quanto endereçam preconceito a profissionais que escolhem caminhos diferentes dos tradicionais bacharelados das universidades. De antemão, é preciso entender que no Brasil os cursos tecnológicos ou cursos superiores de tecnologia em alguma habilidade (como RH, gastronomia e análise de sistemas, por exemplo) não guardam relação com os cursos técnicos, que não possuem certificação do ensino superior.

No Brasil, os cursos tecnológicos - que formam tecnólogos - são reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC) como cursos superiores, mesmo tendo duração de dois a três anos, e não de quatro ou mais como no caso dos bacharelados. E a escolha de um curso de duração menor ajudou a criar um estigma ao longo dos anos de que esses profissionais seriam menos preparados do que os que trilharam um curso mais longo.

Julia Santos, estudante de Gestão de Recursos Humanos na Estácio do Rio de Janeiro Foto: Wilton Junior/ Estadão

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É o caso de Julia Santos, estudante de Gestão de Recursos Humanos na Estácio do Rio de Janeiro, que conta ter escolhido o curso tecnológico pelos prazos mais curtos, mas não só por isso. “Eu tinha pressa e também queria uma área que lidasse com gente. Mas não queria fazer nem Psicologia nem Administração.Então, optei por fazer RH. Descobri o tecnólogo por causa disso.” 

Julia se refere ao fato de que, num bacharelado de recursos humanos, ela teria disciplinas amplas envolvendo psicologia e administração, e queria pular essas etapas, fazendo a parte que dissesse respeito só ao RH.

Essa atuação em uma área específica é uma das justificativas de quem opta por um curso tecnológico, mas a desinformação a respeito deles leva a má interpretação ao mercado de trabalho. André Braun, coordenador do ensino superior tecnológico do Centro Paula Souza, em São Paulo, explica que o mercado acaba confundindo o tecnólogo com um curso técnico.

“O (curso) tecnólogo, assim como outros cursos superiores, dá direito a uma pós-graduação. O certificado tem a mesma validade de um bacharelado”, diz ele. O coordenador aponta que o curso tecnológico é um curso superior, mas é mais focado nos eixos tecnológicos e na atuação profissional. “É focado e alinhado para atender as demandas do mundo do trabalho.”

Parceria com empresas

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Braun conta que, para uma melhor inserção dos alunos no mercado de trabalho, as Faculdades de Tecnologia (as Fatecs, que formam tecnólogos para o mercado) vêm trabalhando em parcerias com empresas para a construção de uma grade curricular que atenda às necessidades do mercado. “Os cursos possuem até uma atualização mais constante e mais recente do que no bacharelado, por exemplo. A concepção dos currículos é alinhada com o setor produtivo.”

Para ele, se a pessoa busca uma rápida atuação no mercado de trabalho, o curso tecnológico é o que deve ser procurado. Um levantamento feito pelo Centro Paula Souza indica que 88,8% dos alunos graduados em 2017 estavam empregados durante a pesquisa (2019).

O coordenador aponta que o preconceito com os tecnólogos já foi maior no passado. “Ainda notamos um pouco isso, mas cada vez mais (a procura) vem crescendo. O Centro Paula Souza existe há mais de 50 anos, mas a gente tem percebido nos últimos tempos uma demanda maior tanto do mercado quanto dos alunos.”

No caso dos candidatos recrutados para o mercado com a intermediação da Fundação Mudes, a gerente de Inserção Profissional Sueli Fernandes ressalta que o padrão ainda deixa os tecnólogos de escanteio.

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“As empresas ainda são um pouco conservadoras e pedem alguém que tenha bacharelado ou licenciatura. Muitas vezes, somos nós que temos de negociar com a empresa a contratação de tecnólogos, pois esses profissionais são do ensino superior assim como os outros”, conta Sueli.

Para a estudante Julia Santos, o preconceito ainda existe. “As pessoas pensam que quem faz uma graduação tecnológica não é tão bom assim. Mas não é o tempo da sua graduação que quer dizer se você é bom ou ruim”, desabafa.

Recentemente, Julia protagonizou um episódio envolvendo o tema em rede social. Ao tentar uma vaga no Representa, programa de estágio para pessoas negras da Ambev, teve sua candidatura negada. Ela fez, então, uma postagem em seu perfil no LinkedIn falando sobre a negativa e a publicação viralizou, com comentários que discutiam a não aceitação do curso tecnológico.

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Depois disso, a estudante conversou com um porta-voz do setor de Diversidade e Inclusão da Ambev e, a partir daí, a empresa informou que passará a aceitar formação com curso superior tecnológico em processos seletivos da empresa, segundo conta Julia.

Em nota, a Ambev afirma que quer, na medida do possível, criar mais igualdade de oportunidades para que candidatos com diferentes experiências de vida possam ser selecionados.

“Estamos eliminando barreiras para dar mais igualdade de oportunidades para todos visando promover a inclusão de todos os grupos, em todos os níveis do nosso negócio. Por essa razão, expandimos os requisitos do programa de estágio Representa e Trainee para cursos tecnólogos”, diz a nota. “O mais importante para a gente, em todo esse processo, é conhecer pessoas que se identifiquem com a cultura da Ambev.”

Julia Santos fez um post que viralizou no LinkedIn e mudou o posicionamento da Ambev em um processo seletivo Foto: Wilton Junior/ Estadão

Entenda os termos

Curso técnico: Curso de nível do ensino médio, que faz parte da educação básica, e tem o objetivo de capacitar o estudante com conhecimentos teóricos e práticos voltados para o setor produtivo

Curso tecnológico: O mesmo que curso superior de tecnologia, com foco em alguma habilidade. Curso de nível superior, com duração em geral de dois anos; não é curso de bacharelado em Tecnologia (TI)

Tecnólogo: Como é chamado o profissional formado em cursos tecnológicos; o mercado chama, informalmente, o curso tecnológico de curso tecnólogo

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Exemplos de cursos superiores

Estudos que têm versão em bacharelado e em curso tecnológico

- Análise e desenvolvimento de sistemas - Comércio exterior - Design de interiores - Design de moda - Design de produto - Gestão da tecnologia da informação (tecnólogo) e Tecnologia da informação (bacharelado) - Gestão de turismo (tecnólogo) e Turismo (bacharelado) - Hotelaria - Jogos digitais - Marketing* Estagiária sob a supervisão da editora de Carreiras & Empregos, Ana Paula Boni

 

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