MEC anuncia programa Future-se e prevê aporte de R$ 102 bi com verbas privadas em universidades

Principal aposta é a formação de um fundo com o patrimônio da União, incentivos fiscais e até investimento imobiliário; pasta alega não pretender 'privatizar' ou 'cobrar mensalidades' nas instituições públicas

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Por Camila Turtelli e Isabela Palhares
Atualização:

BRASÍLIA e SÃO PAULO – O Ministério da Educação (MEC) anunciou nesta quarta-feira, 17, um plano que prevê aporte de R$ 102,6 bilhões para as universidades federais, usando por exemplo bens imobiliários, incentivos fiscais e recursos de cultura, como os da Lei Rouanet. O programa, batizado de Future-se, amplia a participação de verbas privadas no orçamento universitário.

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O programa prevê a formação de um "fundo  soberano do conhecimento" - ou seja, o capital privado, além do investimento direto em cada instituição (o que hoje já ocorre), poderá entrar nesse fundo e ser redistribuído às universidades. 

O ministro Abraham Weintraub resumiu que a proposta prevê quatro formas de obtenção de recursos: "patrocínio, patrocinador, aluguel e parceria".  Ele também disse que o programa é “prêt-à-porter”, ou seja, não será adaptado para as especificidades de cada universidade. “Não vamos fazer para cada uma delas, é preciso entrar no padrão”, disse. 

O que o ministério pretende com o programa é, na verdade, estimular ações que as universidades já fazem há anos para a captação de recursos próprios. No último ano, por exemplo, as instituições arrecadaram R$ 1 bilhão. O MEC acredita que, com as ações, vai conseguir impulsionar essa captação a mais de R$ 100 bilhões. "O Future-se tenta tornar mais eficiente práticas existentes", diz texto da pasta apresentando o projeto. 

O fundo será constituído por várias frentes, a maior delas envolve o patrimônio da União - o MEC avalia ter R$ 50 bilhões de bens em imóveis e lotes ociosos que podem ser vendidos ou concedidos à iniciativa privada. Outras frentes são fundos constitucionais, leis de incentivos fiscais, recursos de cultura (como a Lei Rouanet), participação de Organizações Sociais na gestão de parte dos gastos e o aumento da captação de recursos do setor privado para financiar projetos —como o uso econômico do espaço público das universidades.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub Foto: Gabriel Jabur/MEC (18/6/2019)

O recurso para o programa virá de quatro fontes, segundo o MEC. Com um modelo baseado em uma série de dispositivos do mercado financeiro, a “carteira de ações” para o plano prevê chegar a R$ 33 bilhões de fundos constitucionais, R$ 17,7 bilhões de leis de incentivos fiscais e depósitos à vista, R$ 1,2 bilhão de recursos da cultura, R$ 700 milhões da utilização do espaço público, além dos R$ 50 bilhões do fundo de patrimônio imobiliário (a União concedeu lotes e imóveis ao ministério para que sejam cedidos à iniciativa privada e o recurso adquirido, convertido ao fundo).

O programa foi apresentado nesta manhã pelo secretário de Educação Superior, Arnaldo Barbosa de Lima Junior, e por Weintraub. O anúncio ocorre em meio ao contingenciamento de verbas das universidades federais, que começam a ter dificuldades para pagar até mesmo contas básicas, como de luz. 

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Depois de uma série de críticas e acusações às universidades, que foram acusadas de promover balbúrdia e desperdiçar recursos públicos, o evento desta quarta demonstrou uma tentativa de conciliação com a comunidade universitária. No início da apresentação, foi destaca a importância do ensino e pesquisa feitos nas instituições e depois Lima Junior chamou os reitores de heróis. "Os reitores são herois pelo que fazem. Agradeço muito por tudo o que a gente aprendeu com vocês". 

A apresentação também buscou se aproximar das empresas, de quem vai depender todo o sucesso do projeto. Com uma linguagem muito próximo a do mercado financeiro, Lima Junior  falou por cerca de uma hora sobre o projeto que ele considera inédito, apesar de destacar que muitas das ações já são feitas atualmente pelas universidades. “As pessoas vão falar que é privatização, completamente errado”, disse no início de sua fala.

“As universidades continuam sendo do povo, pública não estamos privatizando nem dando para os professores”, disse Weintraub. Outra medida anunciada é a criação de um ranking com indicadores de desempenho para avaliar quais universidades foram mais eficientes na gestão dos gastos. O ministério não explicou ou apresentou dados de como será feita essa avaliação. 

Protesto

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Antes, no entanto, Lima Junior e Weitraunb foram interrompidos pelo presidente nacional da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, que estava na plateia. “Quero saber onde está o dinheiro das universidades, ministro?”, perguntou ele do alto das cadeiras do auditório. Ao final de sua fala, Montalvão foi convidado a se sentar nas primeiras fileiras da sala para acompanhar a apresentação.

Do lado de fora de onde ocorria a apresentação, um grupo de estudantes manifestava contra os cortes nas universidades. 

Ao anunciar o programa, Weintraub também lembrou o contingenciamento de  30% que sua pasta impôs ao orçamento das universidades para despesas discricionárias, como conta de luz e água. "Chega de ideias do passado, chega de crise, chega de contingenciamento”, disse.

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Consulta

O governo destacou que, antes da implementação do programa, a proposta passará por consulta pública por um mês. “O MEC não vai impor nada”, diz nota enviada pelo ministério. A adesão das universidades também será voluntária, já que elas continuarão a ter um orçamento anual, definido pela União. Conforme o Estado antecipou nesta quarta, não há previsão de cobrança de mensalidades.

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Apesar do tempo para a consulta, o ministro afirmou que tem pressa na aprovação do programa. “Existe urgência para se fazer isso o mais rápido possível, tem todo contexto. Estamos conversando com a Casa Civil para entrar em vigor esse ano, muitas ações já têm autorização legal”, diz o MEC.

Com o programa, o MEC pretende que as universidades passem a celebrar contratos com empresas para a gestão compartilhada do patrimônio imobiliário da universidade (comodato ou cessão dos imóveis serão liberados), criar fundos patrimoniais (com doação de empresas ou ex-alunos) e ceder os "naming rights" de seus campus ou edifício (como ocorre, por exemplo, em estádios de futebol ou cinemas). 

Experiência

A maior parte das universidades federais já tem ações como as que o MEC diz pretender estimular. No entanto, desde a Lei do Teto de Gastos, elas não podem fazer o uso integral dos recursos que arrecadam por conta própria, já que qualquer “excesso” de arrecadação deve ser usado para abater a dívida pública e a universidade não fica com a verba.

No ano passado, por exemplo, a Universidade de Brasília (Unb) foi a que teve o maior valor de arrecadação própria bloqueado. A  instituição tinha R$ 98 milhões poupados nos últimos dez anos com recursos próprios, a maior parte de aluguel de imóveis.

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A verba era poupada para que a universidade construísse um prédio e investisse em infraestrutura (troca de computadores, renovação dos livros da biblioteca, etc). No entanto, o recurso foi congelado e só parte dele - R$ 65 milhões -, liberado em 2018. E a União descontou esse valor do repasse anual previsto. Ou seja, o dinheiro da arrecadação própria teve de ser usado para o pagamento de servidores e não para os investimentos aguardados por anos pela instituição. 

O ministro explicou que pretende alterar a lei que hoje trava esse recurso de arrecadação própria. A ideia é enviar o projeto para o Congresso até o fim de agosto. Entre outras leis que precisam ser alteradas, estão a lei de fundos constitucionais e de incentivos fiscais.

Professores

Outra frente do projeto pretende, segundo Lima Júnior, estimular o empreendedorismo, com recompensas para o desenvolvimento de inovações e o a consolidação de startups. Ele disse que professores poderão entrar como sócios ou coautores desses projetos e, a partir disso, incrementar sua renda. "Ser professor universitário vai ser o emprego dos sonhos. O professor pode ficar rico", disse com entusiasmo. O secretário não explicou se será preciso alterar alguma legislação, já que a maior parte do corpo docente das universidades é hoje contratada em regime de dedicação exclusiva. 

Ele também afirmou que os docentes poderão receber prêmios em dinheiro por publicação de artigos científicos em revistas de renome de sua área de atuação. No entanto, não explicou como será o cálculo desse bônus e quem vai avaliar a relevância do trabalho e da revista. 

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