Com pandemia e crise, famílias trocam colégios particulares por escolas públicas

Rede de SP já registra 2.388 transferências; Paraná tem migração ainda mais expressiva

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Por Renato Vieira e Angelo Sfair
Atualização:

SÃO PAULO E CURITIBA - Com a crise econômica potencializada pela pandemia, pais já têm transferido alunos de escolas particulares para a rede pública. A Secretaria de Educação paulista registrou 2.388 transferências de alunos da rede privada para colégios estaduais em abril e maio, ante 219 no mesmo período do ano passado. No Paraná, mais de 8,4 mil alunos da rede privada migraram para a rede estadual desde março.

Especialistas veem riscos para pequenas escolas particulares e necessidade de planejamento do poder público Foto: Diego Herculano/Estadão

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Especialistas dizem que o movimento deve crescer nos próximos meses e apontam para a necessidade de a rede pública se planejar para a nova demanda. 

A secretaria paulista instituiu agora a possibilidade de matrículas para o ano letivo vigente - as de 2021 ainda não estão abertas - serem feitas no site sed.educacao.sp.gov.br. O governo estadual discute um plano para retomar aulas presenciais só em agosto, com 20% dos alunos e ações sanitárias. 

Segundo Thiago Cardoso, coordenador da Coordenadoria de Informação, Tecnologia, Evidências e Matrícula da pasta, o fenômeno é recente e por isso dados socioeconômicos e a etapa escolar dos novos alunos não foram levantados. Mas ressalta que o movimento foi bem mais expressivo na capital.

A rede pública do Estado tem cerca de três milhões e 400 mil alunos, um milhão a mais que a estimativa da rede privada. Cardoso afirma que as diretrizes logísticas e pedagógicas das escolas públicas não devem ser modificadas causa da migração. “Por mais que o aumento seja significativo, a rede pública é maior em número de escolas e alunos do que a rede privada. Essa quantidade de transferências não impacta. Teria de ter uma migração muito maior.”

No Paraná, a rede estadual afirma ter matriculado alunos em turmas que podem receber a demanda extra. Os dois filhos do casal Daniel de Lara e Karine Carvalho, donos de uma panificadora em Curitiba, fazem parte desse grupo. “Nosso faturamento familiar caiu 60% no começo da pandemia e agora o momento é muito instável. Tem dia que vende bem, mas há aqueles em que não vendemos nada”, conta ela, mãe de crianças de dez e oito anos. 

Por enquanto, os novos alunos assistem às classes pelos sistemas online, criados para manter atividades durante a pandemia. “O Paraná tem 35 mil salas de aula físicas, que recebem 10 aulas por dia e totalizam, no Estado, 350 mil aulas diariamente. Todas as aulas foram recriadas para que os alunos possam receber o conteúdo dos professores que já conheciam”, disse ao Estadão o secretário de Educação, Renato Feder. 

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Desafios. A tendência de migração pode se acentuar ao longo dos meses se a crise continuar aguda, diz a pedagoga Anna Helena Altenfelder, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Para ela, é preciso que a rede pública tenha, além da capacidade de absorver alunos, planejamento relativo ao tamanho da turma, especialmente pela demanda de distanciamento social motivada pela covid.

Outra preocupação de especialistas é sobre a educação infantil. Como a educação não é obrigatória entre zero e três anos, a crise financeira pode tirar muitas crianças da escola, considerada crucial no desenvolvimento infantil. 

Segundo Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de São Paulo, a estimativa de inadimplência de mensalidades em maio deve chegar a 30%. Em abril, havia sido 20%. Silva conta que os pequenos colégios privados são os que sofrem mais com a falta de pagamento e a perda de alunos. “O caixa das escolas está zerado e as pequenas estão com dificuldades para acessar linhas de crédito.”

Silva lembra ainda que, a partir dos anos 2000, houve ascensão da classe C, que buscou o ensino privado e agora deve ficar mais prejudicada. “Alguns perderam emprego e outros são autônomos”, diz Silva. “Se não houver ajuda do governo para essas famílias, muitas escolas fecharão e haverá uma multidão na porta das escolas públicas.”

Diane Cundiff, diretora-geral do Colégio Santa Maria, zona sul paulistana, também acredita que pequenas escolas privadas correm risco, já que os alunos de colégios com mensalidades altas são de famílias com mais poder aquisitivo. No Santa Maria, há um seguro, que pode ser usado no caso de o responsável pelo aluno ser demitido. Muitos dos pais, porém, têm negócio próprio e perderam boa parte da renda. 

PARA NEGOCIAR

Desconto

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O Procon-SP diz que as escolas particulares devem oferecer um porcentual de desconto - a ser definido pelos próprios colégios. O Procon não fixou o valor a ser descontado, mas o valor reduzido deve ser oferecido sob pena de multa à instituição.

Canal de comunicação

Também devem oferecer pelo menos um canal para os clientes tratarem das novas mensalidades e informar os clientes sobre o desconto a ser oferecido. 

Inadimplentes

A instituição de ensino deve ainda, segundo o Procon, negociar as alternativas de pagamento para os clientes que estejam inadimplentes, oferecendo, por exemplo, parcelas maiores.

A distância

Caso as escolas desejem implementar o ensino a distância, devem fornecer meios para que os alunos consigam prosseguir com os estudos. Mas os clientes poderão recusar essa modalidade caso não disponham de aparelhos eletrônicos ou acesso à internet. Nesse caso, a instituição de ensino deve oferecer a reposição de aulas.

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