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Os desafios para a faculdade vencer desafios

Instituições se reinventam misturando criatividade e tecnologia e incentivando a interdisciplinaridade. Mudanças nos cursos são percebidas não apenas no currículo, mas também na metodologia de ensino

Por Luciana Alvarez
Atualização:

SÃO PAULO - Criatividade, interdisciplinaridade e trabalho em equipe são os elementos que norteiam mudanças recentes em faculdades das mais diversas áreas, da engenharia às artes plásticas. As transformações podem ser vistas não apenas na lista de disciplinas dos currículos, que ganharam nos últimos anos termos como “digital”, “big data” e “projetos”, mas também nas metodologias de ensino-aprendizagem, nos espaços físicos e até no vestibular. 

Martins realça o aprender de forma coletiva Foto: Gabriela Biló/Estadão

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O Centro Universitário FEI, com cursos de Engenharia e Administração, começou este ano a adotar uma plataforma de inovação, que propõe aos alunos de todas as graduações a gestão de projetos inovadores. “Os problemas do mundo são complexos, multidisciplinares e mal estruturados. Temos de preparar os alunos para que proponham novas ideias”, afirma Fábio do Prado, reitor. “Nosso foco é desenvolver a criatividade.”

Curadoria. Mesmo em cursos de Artes, o sentido da mudança parece ser o mesmo. “Estamos sendo transformados pelo mundo, fazendo a travessia da era industrial para a digital”, afirma Patrícia Cardim, diretora-geral do centro universitário Belas Artes. Essa travessia implica deixar o estudante no centro do processo, para que ele descubra os próprios caminhos e, assim, possa estar preparado para um futuro que não exigirá respostas prontas, mas sim capacidade de se repensar constantemente. “A faculdade faz curadoria da informação, media a relação com a informação e provoca o senso crítico, a vontade da descoberta. Nossa função é provocá-los para que sejam melhores”, afirma. 

Como não dá pra fazer isso com aulas tradicionais, há seis anos a Belas Artes começou a oferecer treinamento de professores para atuar com metodologias ativas e, no ano passado, lançou um novo processo seletivo. Em vez de provas, o estudante faz uma dinâmica de grupo, uma redação e um estudo de caso recebido antecipadamente. “As questões do mundo são interdisciplinares e orgânicas. Mudar o processo seletivo é também uma forma de mostrar um novo tom para o ensino médio, que as universidades querem outras habilidades”, diz Patrícia. 

O pacote completo de transformações inclui ainda reformas nos espaços físicos, para que eles também estejam de acordo com a nova proposta. “Criamos uma ambientação de salas e espaços no câmpus voltada para outra forma de educação. As mesas são facilmente adaptadas para uma, duas, três, até 12 pessoas. Dá para escrever em todas as paredes, o professor entra com o celular e já conecta o material na lousa digital pelo Wi-Fi”, cita Dalton Pastore, reitor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). 

Os estudantes dizem sentir a diferença. Matheus Martins, aluno de Jornalismo da ESPM, aproveita o novo espaço aberto do câmpus e as salas de estudo recém-criadas para aprender coletivamente e criar. “Uso para os trabalhos em grupo, para as reuniões do comitê de formatura, para os encontros do grupo de teatro”, conta. O ambiente ajuda até mesmo nas tarefas individuais. “Quando tenho de editar imagens, sempre encontro um amigo de Publicidade e peço ajuda porque não sou muito bom nisso. Nesse ambiente, a gente troca mais.”

Entrevista - Tales Andreassi, vice-diretor da Escola de ADministração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV)

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"Hoje só com conteúdo, ninguém vai muito longe"

O tom alarmista de pesquisas que indicam o fim de profissões e carreiras não convence Tales Andreassi, vice-diretor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP). “Há mais de 20 anos se fala sobre o fim dos empregos. Mas essas vagas vão se transferindo, as faculdades vão se adaptando, os profissionais vão encontrando novos nichos”, afirma. Andreassi, no entanto, reconhece que o ensino superior está passando por mudanças profundas e diz que ainda há trabalho a ser feito.

Com as mudanças no mercado de trabalho, algumas graduações vão desaparecer? Claro que alguns cursos enfrentam queda de demanda, mas a mudança é orgânica e não do dia para a noite. Com algumas exceções, como Medicina, a graduação não é tão importante para definir o futuro profissional. O estudo não termina quando o aluno termina o curso. Portanto, conta muito o que a pessoa fizer depois da faculdade. 

Qual é a maior transformação promovida nas faculdades? A forma de “dar aulas” evoluiu, ao menos em boas instituições. Quando eu entrei na faculdade, meus professores falavam por duas horas seguidas. Isso não existe mais. Se um professor aqui fizer isso, acaba demitido. Usamos metodologias ativas, estudo de casos, PBL (sigla em inglês para Aprendizado com Base em Problemas). Os alunos de hoje nem aguentariam de outra forma. 

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Isso tem impacto real em como o aluno sai para o mercado de trabalho? Ele sai da graduação diferente porque aprende a refletir, a ter visão crítica, a expor seu ponto de vista para o grupo. Com as metodologias centradas no aluno, ele ganha experiência em pesquisar e discutir, e vai além do programa porque interage com as pessoas. Aprende a aprender.

O mais importante é a metodologia ou um currículo que inclua conteúdos inovadores? As coisas andam juntas. Uma escola que consegue implementar um programa mais atual, em geral também inova na metodologia de ensino. Antes o conteúdo era o que mais importava. Hoje somente com o conteúdo, sem as habilidades socioemocionais, ninguém vai muito longe. 

Com os limites entre as profissões mais tênues, currículos de cursos diferentes se aproximam? Sim. Criatividade, inovação, bons relacionamentos são valores importantes para todas as áreas. Toda faculdade deve formar para o respeito, para não ser preconceituoso, para não menosprezar os outros, assim como para acompanhar as mudanças de tecnologias. O bom profissional tem de ter esses dois lados. 

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Em que as faculdades ainda ficam devendo na hora de preparar para o futuro? O ensino superior no Brasil ainda está devendo no inglês, algo que no ensino básico já estamos mais avançados. Até onde sei, só a FGV (Fundação Getulio Vargas) oferece uma graduação totalmente em inglês. O aluno sai com muito mais vivência e vocabulário técnico. Para a faculdade, é fundamental para a internacionalização, para receber professores visitantes do exterior.

Depoimento - Leonardo Crivellaro Ritschel, aluno de ADministração na Fundação Getulio Vargas

"Nós decidimos o hrário e onde vamos nos reunir"

“Eu sou fissurado por modelos que desafiem o sistema tradicional de ensino. Comecei a cursar Administração de Empresas na FGV (Fundação Getulio Vargas), mas parei durante um período porque apareceu uma oportunidade de fazer um intercâmbio de um semestre no Japão.

Quando voltei para a faculdade no Brasil, já entrei no Colab, programa de um semestre da FGV em que o estudo é bem diferente. O programa é inusitado. Temos três ciclos: o primeiro foco foi em conceitos de trabalho em equipe e criatividade.

Agora estamos numa fase prática, de consultoria de processos. Algumas empresas vieram até a faculdade, apresentaram certos problemas que enfrentavam, e cada grupo escolheu uma empresa para fazer intervenções. Vamos acompanhar as mudanças nas companhias e depois vamos ter de apresentar o resultado para uma banca, em inglês. 

Atualmente vou para a faculdade somente uma vez por semana. No restante do tempo, temos autonomia total: nós decidimos o horário e onde nos reunir. Neste semestre, não dizemos que temos professor, mas sim um team lider. O 6.º semestre na FGV é justamente quando a grade permite os primeiros estágios, mas quem opta por esse programa que estou fazendo não pode estagiar ainda. Vou ter a vida inteira para trabalhar, então o estágio pode esperar um pouco. O que estou aprendendo aqui vai ter um impacto maior na minha carreira.” 

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Depoimento - Hugo Kovac, diretor financeiro da 99jobs e ex-aluno do Insper

"Experiência além da sala de aula me transformou"

“Quando entrei para a faculdade tinha planos muito diferentes. Meus pais sonhavam que eu fosse para o mercado financeiro. Hoje sou diretor financeiro de uma startup, acionista de outra empresa, a Seed, professor de Física e Química na Educação para Jovens e Adultos (EJA) e fui um dos fundadores de um projeto que auxilia empreendedores em situação vulnerável.

A faculdade não mudou só a minha expectativa de carreira, ela transformou minha vida. Sobretudo o ambiente extra-acadêmico. O Insper tem um grupo de ação social, o GAS, ao qual eu me dediquei muito durante dois anos. Foi tanto que peguei ao todo 11 dependências. Levei cinco anos e meio para me formar em Administração, que é um curso de quatro anos.

Mas o que eu construí durante esses percursos me fortaleceu e me valorizou como profissional. Busquei novos caminhos e fiz tudo com amor. Sempre que a gente faz alguma coisa com amor, tem retorno. Por isso, é importante olhar não apenas para o aprendizado puramente acadêmico, mas também para o que acontece fora de sala de aula.”

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