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O preço da escola aberta

Já que as crianças estão indo para a escola, então podemos jantar fora, chamar amigos em casa, fazer festões. É assim que boa parte das classes média e alta de São Paulo parece estar raciocinando. Pensamento deveria ser outro

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Por Renata Cafardo
Atualização:

Já que as crianças estão indo para a escola, então podemos jantar fora, chamar amigos em casa, fazer festões. É assim que boa parte das classes média e alta de São Paulo parece estar raciocinando. Mas o pensamento deveria ser radicalmente oposto. Há um preço alto – e totalmente justificável – para se manter as escolas abertas. 

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A Europa entendeu isso depois de passar pela primeira onda sem nenhum ensino presencial. Agora, na segunda, pós-verão de praias e cafés cheios, governos de França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica e Escócia passaram a decretar novos lockdowns. No fim de outubro começaram a fechar restaurantes, mandar funcionários de volta ao home office, restringir encontros sociais a duas famílias. Mas mantiveram as escolas abertas. O governo de Angela Merkel falou até em usar hotéis e bares, fechados pela pandemia, como alternativa para ter mais espaço para as aulas. A ideia é clara: para que possamos educar as crianças, precisamos restringir ao máximo todo o restante.

Nova York não conseguiu o mesmo, apesar de forte discussão local. Nesta semana, o prefeito anunciou que o ano letivo presencial, que tinha começado há apenas oito semanas, teria de ser paralisado novamente porque o número de casos estava fora de controle. Poucos dias antes, The New York Times havia feito um editorial intitulado Keep Schools Open, New York (Mantenha as escolas abertas, Nova York). Dizia que a cidade deveria “priorizar a educação das crianças” e fechar bares, academias e cultos religiosos. Depois da medida, um pediatra colunista do jornal escreveu que as evidências já mostraram que as salas de aula, quando seguem os protocolos, não são locais de grande transmissão e que a decisão da cidade era inexplicável.

No Brasil, quando essa discussão se intensificou em setembro e educadores respeitados foram a público dizer que os bares deveriam fechar e as escolas, abrir, houve todo tipo de argumento contra e pouco convincente. De que as crianças não conseguem usar máscaras, de que ninguém é obrigado a frequentar bares, de que os alunos iriam levar a doença para seus familiares.

Em 7 de outubro, o governo estadual deu autorização para a volta das aulas regulares, como Português e Matemática, nas escolas estaduais Foto: Taba Benedicto/Estadão

E o que se vê hoje, após mais de um mês de escolas abertas, é o reflexo do que pesquisas científicas em vários países já vinham apontando. Entre os colégios particulares de elite que responderam à enquete do Estadão, houve apenas dois infectados nesse período entre alunos ou entre professores.

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A única escola que teve problemas foi justamente pelo que os estudantes fizeram fora dela. Como o Estadão revelou, a Graded School teve de fechar suas atividades presenciais porque seis alunos testaram positivo e 17 professores estavam com suspeita da doença em uma semana. A direção descobriu que centenas de estudantes da Graded tinham participado de festas nos fins de semana. “O problema não está na escola”, disse David Uip, também ao Estadão. O perigo é a casa contaminar o colégio, e não o contrário. 

Não dá para desconsiderar o quanto todos, adultos, jovens e crianças, estamos cansados de uma vida há meses cheia de restrições. E ainda, o fator psicológico de ver as escolas abertas. Como disse à revista Science a pesquisadora de Harvard Jennifer Lerner, que estuda a psicologia da tomada de decisões, quando a educação volta passa a impressão de que tudo está ok. Mas, “existe um enorme benefício de termos escolas funcionando” e para mantê-lo “temos de ter certeza de que vamos reduzir riscos em todos os outros lugares”, diz. 

É o preço. Se queremos desenvolver o futuro do nosso país, se entendemos que a escola é essencial na formação das crianças, no contexto social em que vivemos, na alimentação das mais pobres, no emocional dos nossos filhos, precisamos deixá-los ir e continuar nos isolando.

*É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADÃO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)

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