O foco ambiental que ajuda a abrir os horizontes

Mestrados profissionais em sustentabilidade ajudam alunos a rever relações e implementar rotinas que mudam o modo como se relacionam com o trabalho e com a vida

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Por Guilherme Guerra
Atualização:

A consultora de supply chain Mariana Ghizzi não era uma profissional que tinha como foco o meio ambiente – até fazer o mestrado profissional em Competitividade para Sustentabilidade na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. O curso aborda como a gestão empresarial pode ser beneficiada pelas questões ambientais, o que chamou a atenção de Mariana. Segundo ela, havia uma inquietação para que tentasse se capacitar e ampliar a própria compreensão para incluir uma agenda ambiental.

Mariana Ghizzi, consultora de supply chain, éaluna do mestrado profissional em competitividade e sustentabilidade da FGV-SP Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

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“A gente (de supply chain) é muito especialista no setor e não incorpora outras questões”, diz Mariana, que em 2016 começou o mestrado na primeira turma da FGV, quando ainda trabalhava em um dos maiores conglomerados alimentícios do mundo, a Pepsico. Para ela, o gestor de cadeia produtiva leva em consideração as questões financeira e fiscal, que são “latentes e fundamentais”, mas não é ensinado a abordar outras temáticas, como a sustentabilidade. “A gente causa um impacto operacional gigantesco tanto no ambiente como no social.”

Essa visão de Mariana é justamente o que Mario Monzoni, coordenador do mestrado e responsável pelo centro de sustentabilidade da faculdade, diz ser um dos dois objetivos do programa: a expansão da cidadania, aliada a um olhar crítico sobre temas sociais e ambientais, abordados em aula com consultores, gestores, advogados e pessoas envolvidas com o terceiro setor. “Ao longo dos três semestres, a gente vai trabalhando mudanças climáticas, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) das Nações Unidas, serviços ecossistêmicos, consumo, anticorrupção e compliance, gestão de cadeia”, enumera.

A outra meta proposta pelo mestrado é o que se espera de qualquer curso de gestão: formação de líderes. Nesse caso, líderes dotados daquilo que ele chama de “razão sensível”, trabalhada por meio da Teoria U. Essa metodologia, utilizada no mundo dos negócios e agora trazida para as salas de aula, prega que o profissional ou o aluno faça um movimento semicircular (igual ao formato da letra “U”) para aprender, compreendendo o ato de se desfazer de quaisquer julgamentos e construir um novo tipo de conhecimento, diferente da abordagem tradicional e levando em consideração o todo. E, claro, isso chamou a atenção de Mariana na hora da matrícula. “Eu já conhecia (a teoria) e (ela) me chamou a atenção porque foge de um modelo tradicional de ensino”, afirma.

Social + ambiental + financeiro

Para Celso Lemme, professor de MBA da Coppead-UFRJ na disciplina Sustentabilidade Corporativa, a conexão que une meio ambiente a finanças é a geração de valor. E a fórmula perfeita para isso é pensar o plano financeiro de uma empresa levando em consideração o capital social e ambiental disponível.

É o resultado triplo perfeito, já que a longo prazo está garantido um modelo de negócio socialmente benéfico, sustentável e rentável. “A linha principal é sempre pensar se o desempenho financeiro corporativo está associado e não conflitando (com essas questões)”, afirma Lemme.

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Para Celso Lemme, o que une meio ambientea finanças é a geração de valor Foto: Alexandre Amorim

“Os alunos percebem que as decisões que tomam são em escala e precisam de um olhar mais holístico e abrangente. Olhar só a ‘bottom line’ (a base), a curto prazo, pode comprometer o valor da empresa a médio e longo prazo”, diz Monzoni, defendendo a ênfase no olhar social do curso da FGV.

Mariana reflete sobre a diferença profissional do mestrado. Ela conta que, já com o título de mestre, houve mais autorreflexão e autocobrança porque a gestora de supply chain trouxe as demandas ambientais para si. E, na sua visão, pensar meio ambiente independe de cargo, seja no topo da hierarquia, seja na base. O importante é que, eventualmente, a proposta ecologicamente amigável ganhe corpo dentro do espaço corporativo. “A pergunta que sempre faço é se agrego valor para a empresa e um valor que incorpore questões ambientais e sociais.”

Hoje, como consultora em empresas de economia circular com produtos biodegradáveis, parece que o mestrado focado em gestão e sustentabilidade fez com que ela incorporasse essas questões.

Direito

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Já o advogado José Valverde decidiu mergulhar em temas ambientais ainda antes da faculdade de Direito, decisão que coincidiu com a amplificação das pautas ecológicas na sociedade durante o fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000. Mas foi só no curso de pós-graduação em Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que ele entrou oficialmente na área. Dois anos após se formar em Direito, Valverde terminou a pós-graduação em 2006, ainda nas primeiras turmas do curso, inaugurado em 2002.

“Tive processos de aperfeiçoamento depois, mas essa base da PUC foi um grande divisor de águas da minha carreira”, afirma o advogado, que hoje trabalha na Secretaria Estadual de Agricultura de São Paulo. Antes, ele ajudou a montar a Política Estadual de Resíduos Sólidos em São Paulo e a pensar um projeto de lei federal na mesma área.

A coordenadora do curso da PUC, Consuelo Yoshida, conta que essa pós-graduação surgiu de uma demanda que o mercado de trabalho, vendo o assunto crescer, tinha por profissionais especializados em Direito Ambiental. E, segundo ela, não é raro ver hoje grandes escritórios de advocacia pagando parcial ou integralmente o curso para os funcionários, tamanha a necessidade por especialização de advogados, consultores e gestores de modo geral. Para Consuelo, isso só reforça o caráter panorâmico do curso, algo que ela quer manter.

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“Nunca foi um curso puramente de Direito”, diz Valverde. Tanto ele quanto Consuelo falam que há multi-interdisciplinaridade, abordando temas de outras áreas econômicas e de gestão, que podem esbarrar em assuntos jurídicos, como trabalhista, do consumidor ou tributário. “O próprio fenômeno da urbanização demanda uma presença do direito ambiental, interrelacionado com o direito urbanístico”, afirma, citando a nova área, que cresce nos últimos anos.

A Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) lançará para o período letivo de 2019 uma pós-graduação justamente na área de cidades e focada em meio ambiente. O curso Cidades Sustentáveis: Direito Urbano e Meio Ambiente surgiu do que a coordenadora Carla Liguori vê como uma necessidade em estimular um ordenamento sustentável das cidades por meio do Direito. Abastecimento de água, saneamento básico e poluição do ar, por exemplo, são alguns dos assuntos que podem ser tratados à luz da perspectiva das ciências jurídicas.

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“Um profissional preparado para essas questões estará à frente dos demais, minimizando não apenas os riscos do negócio, como também contribuindo para a construção de uma sociedade compatível com as necessidades práticas e ambientais de perpetuação”, afirma Carla. Para Consuelo, o avanço na legislação ambiental nas últimas décadas, com aumento da fiscalização e punição sobre infratores, sejam eles empresas ou pessoas físicas, fez com que houvesse uma demanda por profissionais especializados.

Além disso, segundo a coordenadora, o Brasil possui uma “poluição legislativa”, com muitas leis, decretos e instruções normativas que podem ser conflitantes entre si – daí a necessidade de um advogado. “Ainda é muito incipiente a formação de profissionais de Direito especializados na área ambiental, que tenham experiência prática adquirida em escritórios, em empresas ou em órgãos públicos”, diz a coordenadora da pós na PUC. Mas ela é esperançosa com o futuro promissor da área. “A demanda é crescente e ainda não há profissionais suficientes com este perfil no Brasil.”

Para entender: O que são ODSs e a chamada Agenda 2030

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram inspirados nos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), definidos pelos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro de 2000, e deveriam sucedê-los, criando a chamada Agenda 2030. Os ODM se concentravam na eliminação da pobreza extrema e não carregavam a noção de sustentabilidade, apesar de o tema ser discutido globalmente desde a Eco-92.

Dessa forma, em 25 de setembro de 2015, foram estabelecidas 17 metas globais e 169 formas de implementá-las. Essa iniciativa, que busca soluções para pobreza, fome, saúde, educação, aquecimento global, igualdade de gênero, água, saneamento, energia, urbanização, meio ambiente e justiça social, deve dar base em 15 anos a uma sociedade mais saudável, sustentável e resiliente.

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O caminho de adoção é longo. Uma pesquisa da KPMG apontou que 60% das maiores empresas do mundo ainda não reconhecem os ODSs em seus relatórios.

Heloísa Bomtempo e Manuela Spindola, alunas do MBA Executivo em Marketing da ESPM, que desenvolveram juntas um canal de vendas para propagar produtos mais sustentáveis Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Depoimento: Heloísa Bomtempo (publicitária, MBA executivo em Marketing) ‘Foi o que deu a virada de chave’

Entendo que um currículo completo, que aborda a ética e responsabilidade social, me ajuda a compreender o impacto da minha decisão de uma maneira mais sustentável, olhando de forma coerente as ações desenvolvidas para os negócios de uma forma geral. Foi a partir dessa disciplina que ficou clara a importância de pensar em ações sustentáveis olhando para fatores de maior impacto e pensando em como minimizá-las.

E nós, profissionais de marketing, que falamos com o mercado, da sua dinâmica, e propagamos mensagens relevantes na sociedade, temos papel crucial na conscientização sobre ações que viabilizem um olhar cada vez mais de acordo com as necessidades sustentáveis.

Com esse pensamento, eu e a Manuela Spindola, que me convidou para pensar em uma marca que fomentasse um consumo de menor impacto, pensamos em criar um canal de vendas para produtos naturais e orgânicos com a mesma preocupação. Em vez de criarmos uma nova marca, estamos criando um canal – DORA – para estimular este mercado e ser uma grande ponte entre os consumidores e as marcas que têm uma causa em que acreditamos. Queremos desenvolver esse canal para propagar produtos e mensagens a outras pessoas, para que se sintam tão engajadas como nós, como consumidoras.

E um projeto como esse nasceu do conhecimento e do estímulo provocado pelos nossos professores ao longo do MBA Executivo em Marketing da ESPM. Sem dúvida, a conscientização promovida na matéria de Ética e Sustentabilidade foi a grande virada de chave para este projeto ganhar vida.

Depoimento: Manuela Spindola (publicitária, MBA executivo em Marketing) ‘Não é só trocar o plástico’

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Ações sustentáveis devem estar presentes em todos os processos de qualquer empresa. Não é só trocar os copinhos de plástico e reduzir a impressão de e-mails.

O que aprendi com a disciplina Ética e Responsabilidade Social foi transmitir a ideia de que ter um negócio sustentável não é fazer assistencialismo ou depender do trabalho voluntário. Aprendi a fazer com que a gestão sustentável de qualquer empresa traga uma vantagem competitiva.

A partir disso, quando comecei a levar as discussões da sala de aula para casa, surgiu a ideia de um negócio. Procurei responder como conseguir diminuir o impacto ambiental que produzimos, não apenas pelo que é mais visível, que é o lixo, mas também pela tentativa de consumir produtos mais naturais.

Uma iniciativa que pode ajudar a diminuir a quantidade de lixo produzido é compostar e reciclar o restante. Em seguida, fazer a troca dos produtos de higiene pessoal e de produtos de limpeza por produtos naturais e sem embalagens de plástico.

Eu me juntei a mais uma pessoa da turma, a Heloísa Bomtempo, e iniciamos pesquisas. Encontramos várias pessoas trabalhando na mesma linha. Daí surgiu a ideia de criar um espaço para facilitar essa mudança de comportamento, dando acesso a informações e a produtos com menos impacto para o consumidor e para o mundo. 

O desafio é garantir que toda a cadeia seja circular e sustentável, sem abrir mão do bom atendimento ao consumidor. Ainda nas nossas pesquisas constatamos que há uma procura crescente por produtos e por empresas que adotem a responsabilidade social como princípio básico em sua atuação, e assim imaginamos que há campo para empresas que queiram ter o desenvolvimento sustentável como uma prática normal de atuação, e não apenas para atender a algum requisito legal, ou como matéria de divulgação para seus investidores.

Se há uma agenda sustentável a ser cumprida, o tema deve estar presente não só nas escolas, mas também no mercado de trabalho. O momento é de discussão e planejamento de novos hábitos.

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