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Opinião|O difícil retorno das crianças

Ouvir o que a criança diz é mais importante do que falar. Sem escuta não há diálogo

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Atualização:

Criança cresce e se desenvolve bem melhor com outras crianças. A escola, na atualidade, é o local em que as crianças encontram seus pares já que a vida pública, nas ruas, nas praças, diminuiu muito para elas. E, de repente, a escola fechou. A pandemia provocou o isolamento social de todos e, principalmente, de crianças.

Com as escolas fechadas, muitas foram as preocupações: falamos em ano perdido, em déficit de aprendizagem, perda de rotina. Pouco tempo depois, consideramos com intensidade a saúde mental afetada das crianças e adolescentes. Agora, estamos ocupados com a volta à escola e ao convívio das crianças e jovens com seus pares. E a dificuldade que muitos deles estão enfrentando tem chamado a atenção de pais e de professores.

Ouvir o que a criança diz é mais importante do que falar. Sem escuta não há diálogo Foto: Werther Santana/Estadão

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Sem dúvida nenhuma, a maioria das crianças estava ávida por retornar – para brincar com os colegas, ter contato regular olho no olho com outros adultos que não os da família. Mas não tem sido fácil para os mais novos, mesmo com todos os benefícios percebidos.

Nesta semana, saiu no Estadão uma reportagem que apontou que a vida pode mudar bastante com o retorno de uma vida quase normal. Quase. Pois, nas últimas semanas, tenho sido procurada por famílias que enfrentam a resistência dos filhos no retorno às aulas presenciais.

Essa resistência nem sempre é a recusa de ir para a escola: é mais séria. Algumas crianças têm apresentado reações físicas intensas ao ir para a escola e nem conseguem sair do carro ao lá chegar. Outras insistem que aprendem mais e melhor com as aulas remotas... Vamos, antes de tudo, entender o contexto de vida atual dessas crianças. Todos sentimos na pele os efeitos da pandemia e do isolamento – e as crianças também. Elas foram, por um longo período, privadas do contato corporal com avós, tias e tios, primos, amigos da família – e sofreram com isso. E como elas comunicaram esse sofrimento? Quase sempre com sinais evidentes.

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Crianças que já haviam conquistado a autonomia possível em relação aos pais passaram a se mostrar dependentes deles; distúrbios do sono e mudanças no estilo alimentar foram frequentes; dificuldades para focar a atenção e pesadelos marcaram presença. Muitos adultos esperavam que, com o retorno das aulas, as dificuldades infantis ficariam amenizadas, Para muitas crianças isso de fato aconteceu. Mas não para esse grupo que está congelado nos medos, nas inseguranças. 

O que fazer? O ato de a criança brincar é capaz de realizar verdadeiras mágicas na vida dela. Mas não se trata só de oferecer brinquedos. Fomentar a autonomia do brincar: essa é a questão. Não, os pais não precisam separar períodos do dia para brincar com os filhos e, sim, devem possibilitar condições de tempo e espaço para que eles possam realizar sua criatividade e fantasias. Em tempo: amigos invisíveis podem ser ótimas companhias para as crianças pequenas.

Atividades do interesse de todos do grupo familiar, como dançar, ler, assistir a filmes ou até jogar videogame podem estimular a criança em sua afetividade, suas relações, sua resiliência. E fortalecer a resiliência dos mais novos é fundamental nessa hora. Escutar o que as crianças dizem é mais importante do que falar a elas. Sem escuta não há diálogo, senhores pais. É preciso superar a sensação de estar ouvindo bobagens infantis para descortinar um universo imenso de significados pessoais, pedidos sutis, questionamentos relevantes. E arte: muita arte para as famílias praticarem e apreciarem, é a melhor dica que posso dar. A arte pode nos salvar de nossos sentimentos confusos, de nossas dores, de nossa dura realidade.  *É PSICÓLOGA, CONSULTORA EDUCACIONAL E AUTORA DO LIVRO EDUCAÇÃO SEM BLÁ-BLÁ-BLÁ

Opinião por Rosely Sayão
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