‘O Brasil precisa formar os talentos que vão levá-lo a outro patamar’

Reitor da escola de negócios da Universidade de Pittsburgh fala sobre o curso de MBA oferecido pela instituição em São Paulo

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Por Redação
Atualização:

Doutor em relações trabalhistas e industriais, John Delaney foi o primeiro reitor da Katz, escola de negócios da Universidade de Pittsburgh, a visitar o Brasil. Veio em março, para conhecer alunos do curso de Executive MBA de Pittsburgh, lançado em São Paulo em 2000.

 

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Nesta entrevista, Delaney fala da responsabilidade das escolas de negócios com a ética e de sua proposta de adoção de um código de honra, para evitar desastres como o colapso financeiro de 2008, provocado pela cobiça de investidores – boa parte deles diplomados com MBAs.

 

Fez vários elogios ao potencial do Brasil, mas advertiu que o País precisa investir na formação de talentos capazes de levá-lo a um novo patamar de desenvolvimento.

 

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Como o senhor vê o papel das escolas de negócios hoje

 

Elas enfrentam vários desafios. As novas tecnologias que estão mudando o mundo têm afetado dramaticamente as empresas. Afetam o modo como elas selecionam, a imagem que projetam para as pessoas que pretendem recrutar... Acredito que é uma necessidade crítica para as escolas de negócios oferecer programas para que as pessoas entendam essas coisas. Eu enfatizo a necessidade de os estudantes realmente terem a oportunidade de praticar o que é ensinado nas salas de aula. Você precisa ter a chance de sair no mundo e ver como aquilo funciona. Se não fica sendo só um conceito.

 

É por esse motivo que vocês querem estimular a criação de start-ups (pequenas empresas criadas por estudantes)?

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Queremos olhar de forma abrangente o conceito de empreendedorismo. As novas companhias serão as que vão criar mais empregos e emprego é algo com o qual uma escola de negócios precisa se preocupar. Mas também é fazer uma ponte com o futuro, para entender quais ideias serão realmente produtivas. Há tremendas tecnologias por aí e a maior parte delas nunca vai ser vendida de forma bem-sucedida. Então a questão é encontrar as que podem ser comercializadas.

 

O que mais é preciso fazer nessa perspectiva, de olhar para frente?

 

Estamos procurando levar para a escola uma pessoa com perfil ligado a Design. Uma das razões é que hoje você precisa pensar é em como fazer o design de organizações de forma a encorajar as pessoas a serem inovadoras. Isso não vai acontecer se seguirmos o approach clássico. Por quase 500 anos o sistema universitário tem sido muito bem-sucedido. Mudar isso é difícil. As pessoas dizem: temos sido bem-sucedidos por 500 anos, por que devemos mudar? Mas há muitas evidências de que, com as tremendas mudanças que estão acontecendo no mundo, tecnologias, comunicação, as preferências dos jovens, se você não se ajustar, vai perder o alvo. Então design vai se tornar mais importante. Meu desejo é que isso possa ser agregado à nossa estrutura, para que você possa rapidamente se mover para áreas em que possa ser mais bem-sucedido e se afastar daqueles com menos chance de sucesso. Acho que as universidades são melhores em abrir programas do que em fechá-los. Talvez isso ocorra porque, ao longo da história, não tenhamos mensurado as coisas de forma correta. Isso está mudando agora. Há muito mais ênfase em avaliação e acho que essa ênfase vai nos permitir tomar boas decisões estratégicas daqui para a frente.

 

Qual é sua avaliação dos rankings da educação executiva? Há uma queixa em Pittsburgh de que o programa de vocês não é suficientemente reconhecido, mas o senhor já disse que o importante é trabalhar para melhorar a posição da Katz.

 

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Ainda encaro da mesma forma. Os rankings são uma importante medida de como o público externo encara nossos programas. Mas não acredito em viver em função deles. Se você garantir uma educação consistente para os estudantes, a boa colocação virá. Se você olhar o que eles levam em conta nos rankings e fizer mudanças para ter uma colocação melhor, vai fracassar, até porque os critérios podem mudar. Também digo a estudantes em potencial que eles precisam ter cuidado, porque a ideia dos rankings é a de que você pode resumir em uma única medida um grupo de organizações heterogêneas, com focos realmente diferentes. O ranking usa um número e diz: “Uma escola está aqui e a outra lá”. Mas não diz de fato aos estudantes o que a escola pode fazer por eles. Tendo dito isto, trabalhamos duro para melhorar nossos fundamentos. Um sinal de que estamos fazendo progresso é o fato de na Business Week do fim de 2010 a Katz ter ficado entre as top 20 nos Estados Unidos em termos de retorno do investimento. Houve dias em que eu odiava rankings. Mas, se não tivermos a disciplina trazida por eles, podemos perder o foco no que precisamos fazer: educar pessoas para serem bem-sucedidas no mundo dos negócios e criarem oportunidades, gerar resultados que agradem às pessoas em vez de levar ao colapso da economia em metade do mundo.

 

Sobre essa questão da responsabilidade das escolas de negócios na formação de pessoas que mergulharam na especulação e provocaram a crise de 2008: o senhor propôs a adoção de uma espécie de código de honra no setor. Isso deu resultado?

 

Não muito, mas acho que é porque os estudantes ainda não abraçaram a ideia da forma como deveriam. Para um código de honra funcionar é preciso que ele seja encampado primeiro pelos estudantes, que são quem vive as situações. Mas o único meio de atacar o problema é influenciar o modo como os estudantes agem, o que vai afetar o modo como eles agem quando estão no mercado. Você precisa fazer isso pelo modo como estrutura sua educação, oferecendo uma formação sólida. Aí você pode ter um código de honra, mas também tem uma faculdade que se dedica intencionalmente a dificultar a trapaça. Não quero na minha classe nenhum estudante trapaceando e quero dificultar isso a ponto de as pessoas perceberem que faz mais sentido estudar e aprender o material. Se você leva a faculdade a ter esse approach e tem estudantes pressionando pela adoção de um código de honra, de repente pode criar um tipo diferente de atmosfera, capaz de gerar os resultados que buscamos.

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Mas qual o grau de responsabilidade das escolas na formação dos investidores que cometeram crimes financeiros?

 

Deixe eu colocar dessa forma: não acho que somos diretamente responsáveis por indivíduos que cometeram crimes, mas fomos complacentes com eles que fizeram porque nossos programas educacionais não pareceram desencorajar algumas das coisas que aconteceram. E acho que precisamos olhar fundo em nossa alma como escola de negócios e fazer ajustes para superar tudo isso. Coloco as coisas nesses termos porque não acho que algum tipo de programa de MBA vá criar uma garantia (de honestidade nos negócios).

 

 

É a primeira vez que o reitor da Katz vem ao Brasil. É importante simbolicamente para dizer que a escola se preocupa com o Brasil, com o programa e os alunos daqui. Vejo várias oportunidades, situações em que os dois lados saem ganhando. Gostaria de ver mais alunos de Pittsburgh vindo para o Brasil. Tivemos estudantes em estágios em São Paulo, mandamos grupos de estudantes regularmente para a cidade. Acho importante dar a eles uma ideia do que acontece numa das maiores economias em desenvolvimento. Um dos nossos estudantes de Pittsburgh do verão passado quer inclusive trabalhar no Brasil. Os alunos começam a gostar da ideia de que, numa economia global, você precisa ter mobilidade. E queremos ter estudantes do Brasil nos nossos programas, para interagir com outros alunos nossos, não apenas de Pittsburgh, mas da Europa, da Ásia. Também é interessante ver os desafios que vocês enfrentam no Brasil. Um deles é como desenvolver suas enormes oportunidades na agricultura sem degradar o ambiente. É cada vez menor o número de países com as reservas que o Brasil tem. Se o que vemos no clima hoje é sinal do que está por vir, o Brasil será capaz de coisas que outros países não conseguirão fazer. Tudo isso torna o Brasil um ponto crítico do network da Katz. Para ser global você tem que ter mais do que programas de estudo no exterior. A maioria das escolas tem parcerias. Nós achamos que é preciso ter presença em diferentes lugares para realmente entender o que acontece neles. Nossa infraestrutura no Brasil nos permite oferecer uma experiência educacional mais sólida.

 

O que o sr. conhece dos negócios no Brasil?

 

Não conheci muitos empresários. As pessoas que encontrei são associadas ao nosso programa, nosso Executive MBA. Quando olho os negócios no Brasil, acho que eles estão enfrentando os mesmos desafios dos de outros lugares do mundo, mas de uma maneira um pouco diferente. O Brasil terá de exercer um papel forte e importante na América do Sul, terá de ser um player no G-20 se quisermos fazer as coisas funcionarem em escala global. Todos precisaremos alimentar as pessoas decentemente e há recursos aqui que podem ajudar. Há sustentabilidade energética desenvolvida aqui, coisa que não existe em outros países. Há muito conhecimento aqui que pode ser exportado. Existe também o desafio de um país jovem com uma classe média em crescimento, que precisa encorajar o investimento em educação para mudar de patamar. Vocês têm uma grande indústria de aviação que se desenvolveu, têm negócios de alta tecnologia e eles vão sufocar se o sistema educacional não continuar a produzir pessoas que possam levá-los ao próximo patamar, que é o de vender globalmente. Você vê a China tentando agressivamente entrar na maioria dos mercados globais. Estão construindo sua nova companhia aérea para competir com a EADS e a Boeing. Bem, ela também vai competir com a Embraer. Será crítica a capacidade de ter talentos a postos. Quando falo com as pessoas no Brasil, esse é uma das preocupações que elas têm, de que a massa de talento não seja suficiente para as necessidades em uma economia global.

 

Crédito: Divulgação

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