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Na prática, a teoria é mais interessante

Tendência mundial, aprendizagem baseada em problemas ajuda estudantes a lidar com situações reais e a reter conteúdos

Por Cristiane Nascimento
Atualização:

A empresa tinha um problema: o excesso de telefonemas de clientes que congestionava linhas telefônicas, até mesmo de áreas não ligadas àquele tipo de atendimento. Parecia uma questão trivial e os consultores pensaram numa saída simples: modernizar o site, destacando o número correto de telefone. Estimulados por um consultor sênior, porém, eles decidiram sair a campo, na periferia de São Paulo, e investigar mais a fundo a situação. Perceberam que o problema não era de comunicação, e sim de planejamento da produção. Unidades que atendiam grandes clientes recebiam muito mais produtos que as reservadas a clientes cujas compras eram pequenas - mas, somadas, davam grandes volumes. Em vez de mudar o site (muitos comerciantes nem tinham acesso à internet), os consultores sugeriram reforçar a distribuição para pequenos clientes e enviar equipes para registrar pedidos diretamente, sem a necessidade de usar o telefone. A descoberta que surpreendeu a própria contratante não foi feita por nenhuma consultoria renomada, mas por alunos do 6.º semestre de Administração de Empresas do Insper, que conseguiram aplicar na prática conceitos aprendidos na disciplina Resolução Eficaz de Problemas (REP). Criada em 2011, a REP já contou com a parceria de 28 grandes companhias, muitas delas multinacionais, para apresentar a 240 estudantes o modelo de aprendizado baseado em projetos, uma das tendências inovadoras da educação em nível mundial. A premissa do aprendizado baseado em projetos é a de que não adianta despejar só teoria na cabeça dos estudantes e depois lançá-los no mercado. A apreensão do conteúdo é muito mais eficaz quando parte de situações concretas. No caso do REP, um dos maiores aprendizados dos alunos é separar causas de sintomas, acredita Carolina da Costa, diretora acadêmica de Graduação do Insper e responsável pelo programa. “Muitas vezes a empresa não tem clareza do problema e induz os alunos ao erro”, diz. “Eles acabam fazendo uma análise enviesada para apresentar uma solução que atenda ao briefing inicial.” Para evitar que isso ocorra, o REP tem um tutor para cada grupo, formado por cinco estudantes, que passa quatro meses nas empresas parceiras estudando problemas concretos. “São pessoas com mais de 20 anos de experiência, que conhecem armadilhas escondidas na forma como organizações enxergam seus processos”, diz Carolina. “Muitas vezes falta visão sistêmica, de uma área perceber o impacto que provoca em outra.” Desafio. Por causa do REP, as alunas Mariana Thomasi, de 24 anos, Camila Muratori e Erica Kim, ambas de 22, tiveram de lidar no segundo semestre do ano passado com um desafio de gente grande: descobrir alternativas para reduzir o tempo de produção de cadeiras de rodas adaptadas pela Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) para pacientes com paralisia parcial do corpo e desvio na coluna. Nesse casos, as cadeiras precisam ser moldadas para cada usuário. Quando as meninas começaram o trabalho, o tempo de espera entre a primeira consulta e a entrega da cadeira era de 45 dias. Nesse meio tempo, os pacientes tinham de ir pelo menos três vezes à associação para fazer o molde e a prova do assento - isto quando nada dava errado. Hoje o tempo de espera para a fabricação da cadeira é de, em média, oito dias - uma redução de quase 80%. Hoje há 3.150 pessoas na fila de espera pelo equipamento ortopédico, muitas das quais enfrentam, além das restrições de mobilidade, sérios problemas financeiros. Ainda assim tinham de atravessar a cidade para chegar à unidade da AACD de Moema, na zona sul de São Paulo. “Precisávamos reduzir esse tempo não só por uma questão produtiva, mas também assistencial”, diz Pedro Nelson Lacava, superintendente operacional da entidade. Durante quatro meses, as alunas visitaram a associação semanalmente. Tiveram de lidar com a falta de dados, outra dificuldade comum nos desafios de REP. “Muitas vezes os estudantes têm uma visão ingênua, de que vão sentar numa mesa e receber uma planilha com tudo o que precisam”, diz Carolina. “Mas não é assim que o mundo real funciona. Em vários casos eles precisam pegar a prancheta e o cronômetro e ir para a linha de produção para entender o que acontece.” As meninas do Insper entrevistaram gerentes e funcionários da oficina da AACD, pacientes e parentes. Coletaram e tabularam dados. Em seguida, levantaram hipóteses, até chegarem às reais causas da demora. Falhas no controle e na lógica da produção e a falta de um estoque organizado estavam entre os principais gargalos identificados. Um exemplo era o fato de a distribuição do trabalho na oficina ser excessivamente rígida. Mesmo que um funcionário estivesse sobrecarregado e outro ocioso, o trabalho não era redistribuído. Na questão do molde, as estudantes descobriram que era possível fazer a primeira e a segunda provas no mesmo dia, desde que o paciente se dispusesse a passar quatro ou cinco horas na AACD. Deficientes e famílias garantiram que essa opção era muito melhor do que manter o intervalo de pelo menos uma semana entre as duas provas. Tanto pela redução dos deslocamentos como pela chance de aproveitar o tempo de espera para usar outros serviços da AACD. Juntando conhecimentos teóricos de estatística, logística e de operação de sistemas, as alunas sugeriram dois novos modelos de processos produtivos: um no qual a cadeira ficava pronta cinco dias após a primeira consulta e outro, mais agressivo, que permite ao paciente sair com ela no mesmo dia. De acordo com Lacava, problemas operacionais não permitem ainda a entrega do equipamento no mesmo dia. A ideia é adotar esse padrão a partir de 2013. “Não estávamos trabalhando com um processo de produção qualquer, mas entregando um meio de locomoção a milhares de pacientes”, diz Camila. “Acho que isso foi o que mais nos motivou.”Ambev

Inspirada em programas de aprendizagem baseada em projetos, a Ambev, que está entre as parceiras do Insper, criou este ano o Desafio Ambev, aberto a alunos da USP, Mackenzie, FAAP, ESPM, FGV e PUC-SP (as inscrições podem ser feitas até amanhã, nas empresas juniores das instituições). As equipes terão de apresentar soluções para dificuldades reais enfrentadas pela companhia com suas marcas. “Queremos encontrar jovens que têm criatividade na solução de problemas, que saibam como agiar diante de um”, diz Isabela Garbers, gestora de Recrutamento e Seleção da Ambev. Segundo ela, a busca por profissionais com esse perfil é uma necessidade urgente. “Tanto é que cada vez mais faculdades estão aderindo a esse modelo.” Todos os membros das equipes vencedoras de cada universidade poderão participar de um processo seletivo para ingressar na Ambev em janeiro.

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