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Michel Authier defende a formação coletiva

"É até mesmo provável que as qualidades humanas tenham mais valor no mundo do trabalho do que os diplomas"

Por Agencia Estado
Atualização:

Autor de um sistema de gestão que mudou a estrutura de instituições e empresas como a Peugeot Citroën e a Danone, o matemátido e sociólogo francês Michel Authier está em São Paulo para a apresentação da palestra A Construção Coletiva dos Conhecimentos, nesta quinta-feira, à partir das 20h, no Auditório Franco Zampari (Av. Tiradentes, 451). Authier vem a convite do consulado da França apresentar proposta que nasceu da Missão Université de France, criada para diminuir a exclusão social e a evasão escolar em seu país. O projeto com Michel Serres, Pierre Lévy e Jacques Perriault instituiu na França e em alguns países europeus uma nova visão para a educação, as instituições e o trabalho e sobre ela, o cosultor da Unesco e da Sociedade Digital falou com o estadao.com.br. Conhecido como Árvore do Conhecimento, o sistema propõe entre outras revisões sociais, o fim da personalização cultural, da necessidade em qualquer decisão da figura do grande sábio, do investimento na formação de líderes em detrimento à coletividades bem integradas. ?É preciso encontrar outra coisa além das soluções e decisões impostas por alguns poucos como, por exemplo, a elite de pensadores, os experts e os dirigentes. Nosso mundo contemporâneo tem necessidade de conhecimentos, presentes na consciência de cada cidadão. Temos mais necessidade de coletivos inteligentes do que de chefes sábios?, respondeu por e-mail o ex-professor da Universidade de Paris e de Sorbonne. A palestra é organizada pelo Núcleo de Inteligência Coletiva Aplicado à Educação, da Universidade Anhembi Morumbi e tem apoio da Fundação Padre Anchieta e do Pólo SP da Associação Brasileira de Educação a Distância. Os interessados devem confirmar presença pelo telefone (11) 3847-3175 ou pelo e-mail eventos@anhembi.br. A palestra será gravada pela TV Cultura que irá acrescentá-la à série Grandes Cursos, ainda sem data prevista para a veiculação. Experiência pessoal pode valer um diploma Uma das principais referências em educação a distância (ainda que ele refute esse status, rejeitando a idéia da personalização de um pensamento), Authier apresenta ao Brasil a importância vital das qualidades pessoais, que não devem continuar sendo medidas apenas pelo acúmulo de reconhecimentos institucionais, como o diploma. ?É provável que (no futuro) as qualidades humanas tenham mais valor no mundo do trabalho do que os diplomas?, observa ele, que acredita na importância de projetos como o Bolsa-Escola, e na qualidade democrática da internet. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista: Estadao.com - De onde vem a idéia da construção disso que o senhor chama de conhecimento e inteligência coletivos? Authier - Como a sociedade, as organizações e empresas têm se tornado cada vez mais complexas. O saber de algumas pessoas, mesmo que elas sejam as mais inteligentes, não é suficiente para resolver os problemas que se renovam permanentemente. Nessas condições, é preciso encontrar outra coisa além das soluções e decisões racionais impostas por alguns poucos como, por exemplo, a elite de pensadores, os experts e os dirigentes. Nosso mundo contemporâneo tem necessidade de conhecimentos, presentes na consciência de cada cidadão, como tem igualmente a possibilidade de ligar estes conhecimentos entre si. Temos mais necessidade de coletivos inteligentes do que de chefes sábios. Existe um papel da internet nesse processo? Para que os conhecimentos se associem, é importante o seu compartilhamento. A internet é um dos meios eficazes para colocar os conhecimentos em relação uns com os outros. Este não é o único meio: as associações, as reuniões, as instituições são igualmente meios eficazes de compartilhar os conhecimentos. De fato, todos esses meios se organizam entre si para fazer a democracia. A internet deve ser um dos instrumentos da democracia. O Brasil é um País de população distante dos meios educativos. A aproximação da maioria se dá por meio da TV e, em escala menor, do rádio. É possível a existência de uma ?nação cidadã? diante de tal realidade? Ser um "país cidadão" (pays citoyen) é viver transformações e evoluções de forma permanentes. Esta evolução conhece períodos de florescimento e também períodos difíceis. Todos os instrumentos da democracia podem também se voltar contra a democracia. É o caso da televisão, do rádio, mas também pode ser o caso da Internet. O que conta é a liberdade de cada cidadão para escolher o que melhor lhe convém, para o seu bem e, portanto, para a sociedade em que ele vive. Um acadêmico bastante sábio pode muito bem ter necessidade, simplesmente para o seu prazer, de assistir a uma série de televisão bem idiota. Um habitante da favela deve, por sua vez, poder assistir a uma transmissão sobre a economia solidária. Crer na democracia é crer que cada cidadão seja capaz de escolher o que é melhor para si. O projeto Bolsa-Escola, aplicado pelo ministro da Educação brasileiro, oferece uma quantia mesal à famílias muito pobres que mantém os filhos na escola, mediante comprovação da freqüência escolar. Como o senhor avalia esse tipo de proposta? Penso que este é um excelente projeto. Primeiramente porque ele favorece a presença das crianças na escola, que é o lugar da socialização, da aprendizagem do viver em conjunto e do hábito de refletir sobre os problemas que se pode eventualmente encontrar. Em seguida, porque este projeto responsabiliza as famílias e porque a família é o lugar privilegiado da socialização, quer seja esta família instruída ou não. A família é o lugar onde se aprende a dignidade e a responsabilidade, e isto não depende do nível do saber. Há famílias pobres e pouco instruídas que têm uma cultura da dignidade e do respeito pelos outros bem mais elevada do que certas famílias bem instruídas. Essas famílias, por vezes até analfabetizadas, podem, pela sua qualidade moral, dar às suas crianças o prazer de conhecer, e estas crianças podem se tornar alunos muito bons. É, portanto, muito importante que este tipo de família seja gratificado pelos representantes da sociedade. Dentro do minúsculo grupo que tem acesso ao que se considera o melhor do ensino no Brasil, o caminho para as universidades está cada vez mais associado à idéia de consórcio: busca-se o diploma pelo seu valor de mercado e hoje a maior parte da publicidade das universidades pagas (que a partir deste ano passaram a deter o maior público universitário do País) fundamenta-se no princípio de que a faculdade é um trampolim financeiro na vida de um jovem. Que tipo de conhecimento se constrói a partir desse ambiente? Na sua avaliação, o universo das idéias deu lugar ao das estratégias de consumo? Este tipo de indústria do saber sublinha que certos agentes econômicos esperam ganhar muito dinheiro através da venda do saber. É um argumento comercial dizer que ter muitos diplomas será muito útil a uma pessoa, que ela ganhará muito dinheiro. É um discurso publicitário. Hoje este discurso dá àqueles que vendem a informação o proveito, mas não é certo que aqueles que compram esta informação terão este proveito. Não sabemos hoje quais serão os diplomas que terão valor no mercado daqui a dez anos. É até mesmo provável que as qualidades humanas tenham mais valor no mundo do trabalho do que os diplomas. Creio que o mais útil para cada um de nós, para a sociedade e para as empresas é educar cada criança, cada jovem, com o prazer de conhecer e não com o culto do saber como valor econômico.

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