Justiça derruba páginas de entidades estudantis da USP após processo

Professor de Letras da FFLCH pedia a retirada de vídeo em que alunos o chamavam de racista

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Por Isabela Palhares
Atualização:

SÃO PAULO -Um professorda Universidade de São Paulo (USP) conseguiu na Justiça uma decisão favorável para a retirada do Facebook de ao menos quatro páginas de entidades estudantis e de trabalhadores da instituição. Foram derrubadas as páginas do Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp), Diretório Central dos Estudantes (DCE) e de dois Centros Acadêmicos - todas elas teriam compartilhado um vídeo que, segundo a decisão judicial, continha conteúdo ofensivo ao professor. 

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João Roberto Gomes de Faria, professor de literatura brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), ingressou com a ação por danos morais após as páginas publicarem um vídeo em que ele é abordado por um grupo de estudantes após uma reunião. "Não aceitaremos professores silenciando e humilhando pessoas do movimento negro, racistas não passarão", dizem, em jogral, os alunos na gravação.

O vídeo foi publicado no fim de maio do ano passado, quando a faculdade decidia o aumento da reserva de vagas para negros e alunos de escola pública a serem oferecidas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Segundo os estudantes, durante uma reunião sobre o assunto, o professor, que na época era vice-diretor da FFLCH, impediu a fala de uma integrante do Núcleo de Consciência Negra da universidade. Ao fim da reunião, os estudantes se manifestaram contra o posicionamento de Faria - o protesto foi gravado e compartilhado nas redes sociais. 

Vídeo com manifestação contra professor ocorreu durante greve dos alunos que reivindicavam cotas Foto: Marco Ambrosio | Estadão Conteúdo

Em outubro, o professor ingressou com uma ação contra as páginas que compartilharam o vídeo, solicitando uma indenização por danos morais e a retirada do conteúdo. O processo inicial apontava 21 pessoas como responsáveis, mas, para agilizar a sentença, a Justiça determinou que o professor indicasse apenas dois réus. Faria, então, indicou o Facebook e o estudante Kessis Sena. 

O juiz Felipe Poyares Miranda julgou procedente a ação no início de abril deste ano e determinou a remoção das páginas e o material considerado ofensivo, além de determinar que os réus se abstenham de "incluir novas páginas e notícias". Ao Facebook também foi exigido que fornecesse os dados cadastrais e registros eletrônicos dos responsáveis pelas páginas sob pena de multa diária de R$ 1 mil. Sena e o Facebook também foram condenados a pagar uma indenização de R$ 10 mil ao professor. 

Ainda é possível encontrar o vídeo em outras páginas do Facebook de grupos contrários à manifestação dos estudantes e que defendem o professor.

Silvio Luiz de Almeida, advogado de Sena, disse que vai recorrer da decisão por entender que o estudante não teve garantido o direito de defesa e não há provas suficiente contra ele. "O juiz diz que está documentado que ele ofendeu o professor. Mas o estudante não aparece no vídeo, não o compartilhou em suas redes socias, não é administrador dessas páginas. Ele nem se quer foi ouvido pela Justiça, mas foi condenado em primeira instância", disse. 

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Ainda segundo Almeida, Sena é estudante de graduação do curso de Letras e é bolsista da USP. "É um aluno que vive com bolsa de estudo e não tem condições de pagar essa indenização. É muito triste ver que um professor não consegue resolver os conflitos que ocorreram dentro da universidade e os leva para o Judiciário."

Ao Estado, Faria disse que o assunto está sendo resolvido "com base das leis do País e na Constituição Federal" e, por isso, não o discutiria fora do processo. No entanto, disse que o Judiciário reconheceu seu "direito a indenização por danos morais e o direito à exclusão da internet das ofensas que foram cometidas". 

Páginas. Os administradores das páginas derrubadas foram surpreendidos nesta quarta-feira, 10, quando elas saíram do ar. Eles disseram que não sabiam da existência do processo, já que seus nomes não constam nos autos processuais. Gabriela Ferro, do Diretório Central dos Estudantes (DCE), disse que a entidade não recebeu nenhuma notificação judicial apenas uma mensagem do Facebook informando que a página seria retirada por conta do processo judicial. 

"Fere o nosso direito de manifestação, de liberdade de expressão. A Justiça poderia ter determinado a retirada do conteúdo, mas não de toda a página. É um absurdo, nós tínhamos mais de 70 mil curtidas na página, que é o nosso principal instrumento de mobilização e comunicação com os estudantes", disse Gabriela. 

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O Sintusp disse estudar quais ações jurídicas pode tomar para a reativação da página. "Essa decisão reflete os tempos difíceis e de exceção que estamos vivendo. Censurar a página de uma entidade sindical dessa forma, sem que haja nem ao menos uma notificação judicial, fere nossa liberdade", disse Claudionor Brandão, diretor do sindicato. 

Em nota, o Facebook disse respeitar a legislação e estar sempre disponível para dialogar com as autoridades, mas informou que está avaliando as "alternativas legais disponíveis" para o caso. O Estado apurou que a empresa deve ingressar com um recurso para que apenas o conteúdo considerado ofensivo seja retirado e não a inativação das páginas. 

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