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Inclusão social com valor acadêmico

Por Agencia Estado
Atualização:

Carlos Henrique de Brito Cruz * Boas universidades devem buscar os estudantes mais capazes de aproveitar sua vida acadêmica para atingirem o máximo desenvolvimento intelectual. Identificar essa capacidade de desenvolvimento intelectual é tarefa das mais complexas, visto que se pretende prever o futuro do candidato examinando-o no presente. Exames ajudam muito nisso e, no Brasil, o vestibular ganhou merecida credibilidade para essa função. Na Unicamp acabamos de aprender que há mais informações que podem auxiliar a identificar melhor essa capacidade de desenvolvimento intelectual. A Comissão para os Vestibulares (Comvest) da universidade realizou um estudo detalhado sobre quatro gerações de estudantes que nela ingressaram entre 1994 e 1997 e já se formaram. Nesse estudo, a Coordenadoria de Pesquisas da Comvest acompanhou o desempenho acadêmico de mais de 7 mil estudantes, desde seu ingresso até a formatura, usando métodos estatísticos rigorosos para identificar que características dos candidatos são mais determinantes para seu sucesso acadêmico. O resultado foi surpreendente. Verificou-se que a principal característica que determina o melhor desempenho acadêmico, quando se comparam estudantes que ingressaram num mesmo curso com notas semelhantes no vestibular, é a natureza administrativa da escola em que cursaram o ensino médio. Os estudantes que o fizeram em escolas públicas demonstram, sistemática e claramente, um desempenho acadêmico superior. As razões disso dão margem a uma discussão interessante que estimulará estudos futuros. Pode-se especular que o estudante oriundo da escola pública, que enfrenta mais obstáculos ao aprendizado, obterá a mesma nota no vestibular que um outro oriundo da escola privada - onde as condições tendem a ser melhores - somente se tiver maior capacidade de aprendizado. Outras características dos estudantes, como sua renda familiar ou a escolaridade paterna, não parecem afetar seu desempenho. Este resultado permitiu à Unicamp aliar seu permanente compromisso com os valores acadêmicos, entre eles o mérito e a qualificação, com o objetivo da maior inclusão social. Nas circunstâncias consideradas pela pesquisa, a inclusão social traz para a universidade estudantes com maior capacidade acadêmica, resultado que contraria o senso comum sobre este assunto vigente no País. Os resultados que obtivemos podem ser fortemente dependentes das características específicas do exame vestibular que aplicamos, o qual valoriza muito a capacidade de pensar do candidato. O vestibular da Unicamp tem a característica singular de não discriminar os oriundos de escolas públicas e tampouco os pretos e pardos (classificação adotada pelo IBGE). Em cada uma destas categorias o porcentual de inscritos é aproximadamente igual ao de aprovados. No caso dos formados em escolas públicas, o porcentual histórico está em torno de 30% tanto para os candidatos como para os aprovados. Pode influenciar nos resultados observados também o fato de a Unicamp manter um ambicioso programa de assistência estudantil que oferece apoio a um quarto de nossos estudantes de graduação por meio de bolsas, auxílios, moradia e outros subsídios, em que a Unicamp investe mais de R$ 16 milhões por ano. Apoiado, assim, nos resultados dessa pesquisa, o Conselho Universitário da Unicamp aprovou em 25 de maio um programa de ação afirmativa que enfatiza o ingresso na universidade de estudantes oriundos do ensino médio público, adicionando 30 pontos à nota por eles obtida no vestibular. A nota média dos candidatos aprovados em geral se situa em 535 pontos. O programa prevê também ações de incentivo à inscrição de candidatos egressos de escolas públicas e de camadas economicamente menos favorecidas: oferece inscrição gratuita no vestibular para quase 6 mil candidatos carentes, além de um número ilimitado destas gratuidades para candidatos aos cursos noturnos de licenciatura em Biologia, Física, Letras, Matemática e Química. Também se considera a necessidade do aumento correspondente nos programas de assistência estudantil para fazer frente ao maior número de ingressantes que necessitem de apoio. A resolução do conselho inclui também a adição de 10 pontos cumulativos para estudantes de escolas públicas que se autodeclarem pretos, pardos ou indígenas. A racionalidade para esta segunda adição de pontos segue o argumento do estudo realizado, inferindo conseqüências adicionais. As simulações realizadas mostram que se pode esperar aumento de pelo menos 33% no número de aprovados oriundos de escolas públicas, de 29% nos matriculados com situação econômica menos favorecida e de 11% no número de estudantes autodeclarados pretos e pardos. Ao mesmo tempo, conforme os resultados dos estudos realizados, podem-se esperar pessoas com maior capacidade de desenvolvimento acadêmico. Essencial para esta iniciativa é o regime de autonomia que o Estado de São Paulo garante a suas universidades estaduais. Os critérios para seleção de estudantes são elemento fundamental desta autonomia, bem como a capacidade de criar iniciativas baseadas na especificidade de cada instituição. Este mesmo regime de autonomia permitiu à Unicamp multiplicar quase por dez o número de vagas que oferece em cursos noturnos nos últimos 15 anos, uma outra iniciativa essencial para os objetivos de inclusão, pois atende especialmente o estudante trabalhador. Esforço que não chegaria aos mesmos resultados sem o apoio decisivo da Assembléia Legislativa do Estado e uma política bem definida do governo estadual nesse sentido, permitindo unir, de forma criativa, desenvolvimento acadêmico e inclusão social. No programa implantado pela Unicamp, diferentemente do sistema de cotas, o motivo não é compensação por desfavorecimento - é a busca ativa pelos melhores estudantes. Esta é uma obrigação de toda boa universidade. Compensação e inclusão são importantes conseqüências. É quase como comer a omelete sem quebrar os ovos. * Reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

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