Fuvest: Com medo da covid-19, candidatos planejam isolamento e escolhem máscaras

Primeira fase ocorre neste domingo para 130 mil inscritos; vestibular da USP terá mais salas, mas não prevê reaplicação para estudante infectado

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Por Julia Marques
Atualização:

A poucos dias do vestibular da Fuvest, estudantes têm um tema a mais para estudar: como se proteger da infecção pelo coronavírus na hora da prova. A primeira fase do vestibular, principal forma de acesso à Universidade de São Paulo (USP), ocorre neste domingo, 10, em meio ao aumento de casos e internações pela covid-19. Com medo de contrair a doença na prova e levá-la para dentro de casa, estudantes planejam isolamento, escolhem máscaras e até eliminam outros vestibulares.

Cerca de 130 mil estudantes são esperados em 148 locais de prova, de 35 cidades. Diferentemente do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), não haverá reaplicação da prova para candidatos com a covid-19. Com isso, cresce o temor de que alunos infectados compareçam ao local de prova para não perder um ano de preparação para o vestibular. A Fuvest aumentou o número de salas da aplicação nesta edição e não cogita mudar as regras agora ou adiar a prova, mas admite o risco de que estudantes infectados participem do exame

Leticia Abreu faz isolamento antes da prova para chegar saudável ao exame Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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O estudante José Maria da Silva Filho, de 23 anos, não vai deixar de ir, mas tem medo. No início da pandemia, ele se mudou para a casa do pai, hipertenso de 57 anos, justamente para tentar protegê-lo. Com a maratona de vestibulares, teme expor quem ele tenta poupar. “Depois das provas, vou tomar cuidado, ficar de máscara dentro de casa mesmo.”

O estudante já avaliou um método de isolamento domiciliar para reduzir o contato. “Meu quarto é na parte de cima, eu ficaria lá, isolado, e a única coisa que a gente dividiria seria cozinha e banheiro”, diz Silva Filho, aluno do curso Anglo que tenta uma vaga em Medicina na USP. Estratégia parecida será adotada por Emanuele Bizzo, de 23 anos, candidata ao curso de Jornalismo. 

“Pretendo fazer isolamento depois das provas, ficar só no sótão, usar o banheiro na garagem e, quando precisar ir para a cozinha, esperar que meus pais saiam”, conta a estudante que, desde o início da pandemia tem evitado saídas desnecessárias. “Me sinto privilegiada porque minha casa é grande, tem um sótão, que é uma área de estudos para mim. Não preciso transitar pela casa.”

Emanuele diz ter pensado várias vezes em desistir do vestibular, por medo de se contaminar e levar a doença para casa, onde vivem os pais idosos - no início da pandemia, o pai parou de trabalhar para reduzir o risco de contaminação. Ela também pensa em fazer um teste da covid depois da Fuvest e antes do Enem para evitar que, caso tenha se contaminado no primeiro vestibular, acabe levando o vírus para os candidatos do exame nacional. 

Os estudantes temem que nem todos os candidatos com sintomas abram mão da prova. No vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que ocorreu esta semana, um estudante foi desclassificado depois de ir com febre e tosse ao local de prova - o caso suspeito de covid só foi detectado porque houve aferição de temperatura na entrada, procedimento que não será adotado pela Fuvest para evitar aglomerações.

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“É um problema porque estamos fazendo a prova bem depois da virada de ano. Várias pessoas foram para a praia, aglomeraram, não dá para saber se a pessoa na sala aglomerou ou não”, diz Samantha dos Santos, de 23 anos, candidata ao curso de Medicina. Samantha tirou duas faculdades da lista de vestibulares que vai prestar este ano para reduzir os riscos - ela mora com a mãe e o pai, que tem uma doença pulmonar. “Se ele pegar, a chance de desenvolver um quadro muito grave, podendo até morrer, é grande.”

Já Julia Schmidt, de 26 anos, deve desistir de tentar. Ela, que mora com a avó de 92 anos e a mãe de 70, pretende ir até o local de prova neste domingo só para ver se está cheio. “Se estiver muito aglomerado, e eu tenho certeza que vai estar, não faço.” A jovem voltou da Alemanha, onde estudava Bioquímica Médica, para ficar com a família no início da pandemia. “O responsável seria a Fuvest adiar a prova mais uma vez.”

Sem contar com essa possibilidade, Leticia Abreu, de 26 anos, se isola em casa para tentar chegar saudável ao vestibular. Nos vestibulares que já fez, da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein e da Faculdade de Medicina de Marília (Fanema), no fim do ano passado, ela não se sentiu segura para tirar a máscara e ficou cinco horas sem comer. “Quem escolheu ir, tem de enfrentar uma batalha psicológica durante a prova.” 

Para a Fuvest, Leticia espera que as salas estejam organizadas e planeja se desvencilhar dos grupos que costumam ficar parados na entrada. Também é cuidadosa na hora de escolher o modelo de máscara. “Prefiro uma 3 D porque me dá espaço para respirar.” Além das matérias que mais caem nas provas, os tipos de proteção facial também são tema de discussão entre os alunos.

Modelos de máscaras viram assunto nos grupos de WhatsApp do estudante José Silva Foto: José Silva

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“No grupo de WhatsApp do cursinho, o pessoal manda sugestões de máscaras, é até engraçado ver esse tipo de coisa”, diz Silva Filho, que pretende usar um modelo de tecido. Outros já encomendaram máscaras cirúrgicas profissionais e testam viseiras de acrílico para aumentar a proteção. “Não é nada simples. Escolhemos tentar o sonho e assumir o risco”, diz Leticia.

Sala bem ventilada e máscara ajustada no rosto

Para o físico e pesquisador Vitor Mori, membro do Observatório Covid-19 BR, é preciso que os organizadores dos vestibulares deem atenção à ventilação das salas. “É fundamental que tenha a instrução de abrir bem as portas, janelas e ventilar ao máximo o espaço.”Ele acredita que a transmissão da covid-19 pelo ar segue negligenciada no Brasil, enquanto o foco ainda é dado ao risco de contágio pelo contato com superfícies. “Estamos muito presos a um debate atrasado, de medir temperatura e usar álcool, desalinhado com as melhores práticas”, diz ele, pesquisador da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos. 

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Candidatos que vão prestar os vestibulares, diz Mori, devem usar a máscara corretamente, o que não significa apenas cobrir nariz e boca. “Tem de prestar atenção ao ajuste da máscara no rosto, a máscara tem de ficar bem justa com o mínimo vazamento possível.” Para checar se uma máscara está adequada, é possível inspirar e expirar e verificar, nesse processo, se o ar escapa pelos lados.

Ele também recomenda modelos que tenham um uma haste de metal no nariz, o que ajuda a reduzir vazamentos. Para quem mora com pessoas do grupo de risco, máscaras do tipo N 95 (no Brasil, corresponde ao modelo PFF2) oferecem proteção maior desde que bem manuseadas. Já comer na hora da prova é, de fato, um risco, que pode ser minimizado se a alimentação for rápida. É possível, por exemplo, morder o alimento sem máscara e recolocá-la ao mastigar. 

Já na hora de beber água, uma saída para diminuir a exposição é usar garrafas com canudinho, diz Vitor Mori. Com essa estratégia, não é preciso erguer completamente a máscara. Na hora de voltar a colocá-la, é preciso lembrar de deixá-la bem ajustada. 

Para a infectologista Karen Morejón, membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), não é nulo o risco de contrair a covid-19 ao prestar vestibulares, mas é possível minimizá-los com as estratégias de proteção já conhecidas como o uso de máscara o tempo todo, inclusive no trajeto até o exame, o distanciamento e a higiene das mãos. Ela recomenda que os candidatos façam um isolamento em casa duas semanas antes das provas para evitar contaminação. 

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