Fuvest ainda tem dificuldades de atrair aluno da rede pública

Neste ano, dois terços dos inscritos são da rede privada; em SP, porém, só 15 em cada cem estuda em colégio particular

PUBLICIDADE

Por Victor Vieira
Atualização:

SÃO PAULO - Embora a Universidade de São Paulo (USP) tenha reforçado sua política de bônus no vestibular nos últimos anos, a Fuvest - exame para entrar na instituição - ainda tem dificuldades de atrair alunos da escola pública. Nesta edição, 32,7% dos candidatos fizeram o ensino médio na rede pública. No Estado de São Paulo, porém, a minoria dos estudantes dessa etapa é da rede privada: só 15 em cada cem. A primeira fase da Fuvest será feita neste domingo, 29.

Aluna de escola pública, Maria Theresa prevê dificuldades para entrar em Medicina na USP Foto: SERGIO CASTRO/ESTADÃO

PUBLICIDADE

A mesma dificuldade existe para motivar mais candidatos pretos, pardos e indígenas (PPI). Do total de inscritos, 22,5% se declararam PPI nesta edição. No Estado de São Paulo, segundo o último Censo, 35% da população paulista estava nesse grupo. A meta da USP é, em 2018, ter metade dos calouros vindos da rede pública, com proporção de PPI igual a do Censo. No último vestibular, 35,1% dos calouros era de escola pública e 18,6% pretos, pardos e indígenas.

Maria Theresa Menezes, de 17 anos, sempre estudou em escola pública e vai tentar entrar no curso de Medicina, um dos cursos mais tradicionais e concorridos. "A defasagem de conteúdo é muito grande. Quando eu estava no ensino médio, éramos dispensados de muitas aulas porque não tinha professor. Tem conteúdos que eu nunca vi", conta a candidata. Entre os colegas, segundo ela, muitos nem cogitavam tentar a Fuvest. "Minha sala do 3.º ano tinha quase 50 alunos e só três tentaram a USP."

Estudante negra, Gisele Soares, de 23 anos, resolveu tentar a Fuvest somente agora, cinco anos depois de terminar o ensino médio. "Para o aluno de escola pública, a USP é um sonho distante, quase impossível", relata. A concorrência com o aluno de colégio privado, de acordo com ela, é desleal. "Ele tem bem mais oportunidades, incentivos", avalia ela, que também concorre a uma vaga em Medicina. 

A USP não adota cotas sociais ou raciais. Em 2007, o processo seletivo da universidade passou a usar um sistema de bônus no vestibular para alunos de escola pública. Desde então, o modelo já passou por transformações, como dar pontos extras a candidatos pretos, pardos e indígenas. 

  Já Vitória Laurindo, de 18 anos, tentou a Fuvest desistiu de fazer a inscrição. "Meu objetivo é usar a nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para tentar uma particular ou uma universidade federal. A prova da Fuvest é muito conteudista, não me sinto confortável fazendo", afirma ela, que pretende cursar Direito. 

Neste ano, o Enem também servirá para entrar na USP. Cerca de 13,5% das vagas na universidade (1.489 cadeiras) serão disputados pela nota do exame, no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), plataforma do Ministério da Educação que reúne vagas em instituições públicas de ensino superior. A maioria dessas vagas serão exclusivas para candidatos de escola pública - os critérios de seleção ficaram a cargo de cada faculdade. O uso do Enem é a principal aposta da reitoria para alavancar as taxas de inclusão em 2016.

Publicidade

Desafios. Para a especialista em ensino superior da USP, Elizabeth Balbachevsky acredita que a universidade deveria adotar cotas. "O instrumento do bônus tem um limite", explica. "Esse sistema é vantajoso para as carreiras de baixa concorrência, mas não tem o mesmo efeito em carreiras competitivas, como Engenharia e Medicina." 

A adoção do Enem, de acordo com Elizabeth, também terá um ganho marginal. "Não foram todas as faculdades que aderiram e os cursos reservaram uma parcela pequena de vagas", acrescenta. Faculdades tradicionais, como a de Medicina e a Escola Politécnica, se recusaram a usar o exame federal como método alternativo de ingresso.

O frei David Santos, da ONG Educafro, também critica a escolha. "É mais uma maneira de enrolar a sociedade", opina. A reserva de vagas sem a adoção de critérios de renda, diz ele, não traz o efeito esperado. "Os alunos de escola pública que vão entrar pelo Enem são os filhos da classe média." Outro problema, de acordo com ele, é a falta de incentivo aos jovens nas escolas públicas para tentarem a Fuvest. 

Em nota, a Pró-Reitoria de Graduação da USP informou que "aguardará os dados sobre os novos alunos matriculados, tanto os provenientes do vestibular FUVEST como os do Sisu, para definir as estratégicas para o próximo exame de ingresso." Logo após a aprovação do uso do Enem como modo alternativo de ingresso, a administração da universidade afirmou que pretende continuar os debates sobre o inclusão, o que não excluir recolocar a adoção de cotas na pauta.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.