Aos 21? Plena ditadura: 1966. Era bancário. Já morava em São Paulo. Trabalhava num banco que ficava no Largo São Francisco. Sentia a emanação sutil que se desprendia dos, digamos, corpos organizados da Faculdade de Direito que ficava do outro lado da rua. Sim: os eflúvios revolucionários dos alunos do XI de Agosto.
Queria saber a todo custo como seria possível me tornar cronista do naipe de Nelson Rodrigues, Otto Lara Resende ou Paulo Mendes Campos. Tinha uma inveja danada de todos eles. Principalmente de Millôr Fernandes. Diacho é que aos 21 era bem mais idiota do que sou agora: não lia livros, não frequentava teatro, nem museus, nem cinema. Bares, sim. Sorte que convivi com amigos-colegas bancários mais velhos, cultos, que me ensinavam quase tudo sobre literatura, filosofia e política.
Foi por meio deles que fiquei sabendo pela primeira vez sobre Cornélio Penna e Lúcio Cardoso e Samuel Rawet, além de autores estrangeiros. Uma vez fui pra casa meio grogue – um pouco por causa da bebida, mas principalmente por causa de uma frase que me contaram: “Ou Deus salva todo mundo ou não salva ninguém. Não quero a salvação dele”. Sim: Ivan Karamazov. Hoje, leio-releio Bruno Schulz, Herberto Helder, Hermann Broch, Robert Musil.
Aos 21, preocupava-me com a possibilidade de me tornar um escritor famoso, ser um cidadão respeitável. Hoje? Penso o seguinte: a maioria deles, coleguinhas, escreve pensando em mudar o mundo. Eu? Em mudar de endereço: comprar quitinete própria.
Antes? Excedia-me em tudo. A palavra sempre foi meu êxtase dionisíaco. Hoje? Sigo dentro do possível o princípio do nada em excesso.