PUBLICIDADE

Escrevendo no padrão Fuvest

Professores fazem raio X de texto considerado bom pela banca para ajudar candidatos no próximo exame da USP

Por Carlos Lordelo
Atualização:

O altruísmo e o pensamento a longo prazo ainda têm lugar no mundo contemporâneo? Responder a esta pergunta e impressionar bem a banca examinadora foi o desafio enfrentado pelos candidatos na prova de redação da última Fuvest. Para entender quais são as características de um texto bem avaliado, submetemos uma das redações que se destacaram no vestibular ao raio X de professores do Objetivo, Etapa, Anglo e Vértice (veja abaixo).

 

A redação analisada foi uma das 56 divulgadas pela fundação no fim de abril. “Esses candidatos escreveram textos com começo, meio e fim e deixaram seu traço autoral”, afirma a diretora executiva da Fuvest, Maria Thereza Fraga Rocco.

 

Veja também:

 

 

PUBLICIDADE

Para professores, o tema do ano passado não surpreendeu os candidatos. “Embora a palavra altruísmo provoque calafrios, o estudante reconhece, a partir da leitura dos textos de apoio, que terá de escrever sobre fraternidade, comportamento humano, assuntos discutidos em aula”, explica a docente do Etapa Simone da Motta.

 

Segundo Maria Aparecida Custódio, do Objetivo, o candidato pode estudar a partir das redações divulgadas. “Dá para identificar quais aspectos chamaram a atenção da banca.” Já Margareth Stockmann, do Vértice, recomenda a análise de temas já trabalhados pela Fuvest. “Eles se repetem. É importante fazer uma redação sobre o que caiu e submeter à avaliação de professores.”

 

A redação do candidato da Fuvest está em itálico. Em negrito, os comentários dos professores. Confira:

 

Altruísmo na Essência Humana

Publicidade

 

Os costumes, usos e valores da sociedade moderna têm sido contestados sob vários aspectos, levantando-se a questão da fragilidade dos laços interpessoais, inclusive os familiares, e do egoísmo generalizado nas ações cotidianas. Alguns acusam a contemporaneidade de “matar” os sentimentos de solidariedade e comunidade e, ainda segundo esse raciocínio, os planos e pensamentos a longo prazo foram substituídos pelo foco no superficial e no efêmero. Diante dessas constatações, surge o debate: Estaríamos nos tornando mais egoístas?

 

O título. Apesar de pouco criativo, revela a preocupação do autor em se posicionar diante do tema e já aponta para a tese que vai defender

 

A introdução. O candidato mostra que leu com atenção os textos de apoio e planejou como aproveitá-los na hora de apresentar os argumentos

 

Retórica. Pergunta bem elaborada serve para introduzir informações e complementar os argumentos que vinham sendo desenvolvidos

 

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A pergunta só pode ser respondida se analisarmos a abnegação e a prudência como condição essencial no contexto da humanidade. Poderia-se dizer que “a cultura do sacrifício está morta”, mas quando ela esteve viva, em primeiro lugar? Argumenta-se que há exemplos históricos de personagens que, hoje, são retratados como herois ou santos por terem agido despretensiosamente em defesa do bem comum e da paz, como Madre Teresa de Calcutá e São Francisco de Assis. A princípio, porém, essas pessoas não seriam mitificadas se não fossem exceções e não faria muito sentido lutar pela paz onde ela já existe. Portanto, um maior número de ícones conhecidos pela grandeza de seus valores não significaria um sentimento generalizado de humanidade, mas, ao contrário, um ambiente conturbado e carente desses mesmos valores.

 

Contradição. Parece incorrer numa certa contradição ao denunciar a inexistência da cultura do sacrifício

 

Erros. No trecho acima, em vez de ‘Poderia-se’, seria mais correto usar ‘Poder-se-ia’ e ‘herois’ ficou sem acento. No fim do texto, houve equívoco na grafia de ‘por quê’. Deveria ser ‘porque’. E a expressão dia a dia perdeu o hífen

Publicidade

 

Original. Mostra que o altruísmo de São Francisco ou madre Teresa é exceção, pondo em dúvida a tese de que o mundo atual teria colocado fim à solidariedade. A reflexão foge da mesmice

 

Também se fala sobre uma sociedade atual com proposta mais individualizadora, baseada na troca rápida de informações e incentivo ao consumo, impedindo a profundidade do pensamento. No entanto, se o altruísmo e a solidariedade são de fato parte da natureza, deveriam se manifestar mesmo com o ambiente aparentemente contrário. Interessantemente, é o que acontece. O volume de doações para a caridade é crescente e exemplos de sacrifício em prol do próximo acontecem sempre, embora geralmente sejam mais noticiados em ocorrências de catástrofes ou conflitos - o que reforça que a humanidade, em essência, não mudou.

 

Reforço. Lança e consolida a tese da prevalência do altruísmo, refutando a existência de uma sociedade individualista

 

Amarração. Retoma o ambiente capitalista e globalizado do século 21 para mostrar que, apesar dele, existem manifestações altruístas

 

Cotidiano. O candidato lamenta que a bondade só seja noticiada em tragédias, pois as ações cotidianas, simples, é que revelam o altruísmo das pessoas

 

Mesmo hoje há grandes exemplos de altruísmo, embora pareçam sufocados nas mídias por amostras do contrário. É um erro, porém, pensar que a humanidade passou a agir dessa forma apenas nos últimos tempos. Mesmo por quê, os exemplos de abnegação e sacrifício ao longo da História não se concentram nos grandes acontecimentos, mas sim em casos particulares do dia-a-dia, sobressaindo no contexto geral.

 

Gran finale. Embora deixe a tese em segundo plano, aqui está o grande valor do texto: a forma de amarrar as ideias defendidas nos parágrafos anteriores

Publicidade

 

Fecho. Conclui o texto respondendo de modo implícito à pergunta feita no primeiro parágrafo

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.