Escolas retomam aulas presenciais na capital paulista; rede estadual prevê volta de 20%

Número foi passado pelo secretário estadual da Educação, Rossieli Soares; Estadão percorreu escolas públicas e particulares

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Foto do author Priscila Mengue
Por Gonçalo Junior , Priscila Mengue e Julia Marques
Atualização:

Cerca de 9 mil alunos da capital de São Paulo realizam atividades nas escolas estaduais do ensino médio nesta terça-feira, 3, primeiro dia de retorno às escolas após mais de 220 dias de interrupção das aulas devido à pandemia. Isso significa 20% do total de 58 mil alunos espalhados pelas 611 escolas estaduais da capital que oferecem o ensino médio - o número total é 1.086. O balanço é do secretário estadual de Educação de São Paulo, Rossieli Soares, que nesta manhã visitou a Escola Estadual Milton Rodrigues, no bairro Moinho Velho, zona norte de São Paulo. 

O retorno às aulas é optativo. Devido à pandemia de covid-19, as aulas regulares presenciais estavam suspensas desde março na capital, quando foi implantada a quarentena para prevenir a propagação do coronavírus.

Escola estadual Caetano de Campos foi reaberta nesta terça para aulas regulares no ensino médio Foto: Gonçalo Junior/ESTADÃO

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O secretário aposta em uma elevação do número de alunos e escolas com atividades ao longo da semana. Na esfera estadual, a expectativa é de conseguir a adesão de 300 mil a 400 mil. “Estamos com aproximadamente mil escolas em atividades presenciais. Até o início da próxima semana, nós devemos chegar a 1.300 escolas com atividades. Temos cerca de 219 municípios que já autorizaram o retorno. Teremos uma nova onda de escolas abertas, seja com atividades extracurriculares ou aulas do 3º ano do Ensino Médio”, afirma o secretário.

O governo do Estado é responsável pela educação de 3,5 milhões de alunos. No restante de São Paulo, em municípios que autorizaram, as escolas estaduais foram abertas em 8 de setembro para atividades extracurriculares e permaneceram assim em outubro para estudantes do ensino fundamental. De acordo com o secretário, não houve contaminação por covid nas escolas estaduais. “Estamos dando passos vagarosos, mas com segurança. Estamos tendo sucesso nesse retorno. Não tivemos nenhum caso de covid-19 dentro das escolas. Estamos fazendo o monitoramento dos professores e estudantes”, afirmou.

O governo também planeja aplicar, a partir de 3 de dezembro, uma prova obrigatória para todos os alunos da rede estadual. Ainda não há definição sobre o formato. As provas não serão aplicadas no mesmo dia para todos. O objetivo é avaliar o nível do conhecimento dos alunos e o impacto do ensino à distância.

A retomada das aulas no mês de novembro já impõe planos para o ano que vem. O governo de São Paulo pretende seguir o cronograma do ano letivo e manterá as férias escolares de janeiro na rede estadual. O calendário de 2021 deve ser divulgado nos próximos dias. A intenção inicial é retomar as aulas na primeira semana de fevereiro. “O ano letivo deste ano termina em dezembro, nós vamos cumprir as férias escolares do mês de janeiro. É muito importante que os profissionais de educação tenham uma parada de descanso. Inclusive para o próprio estudante.”

Nenhum aluno

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Embora a secretaria estime o retorno de 20% dos alunos neste primeiro dia de aulas presenciais regulares, uma escola visitada pelo Estadão não recebeu nenhum aluno. Na região da Consolação, zona central da cidade, a escola estadual Caetano de Campos abriu os portões, mas os alunos não compareceram. Professores e funcionários chegaram normalmente para o trabalho. Na unidade, os gestores discutem o retorno das aulas apenas no dia 9 de novembro. Uma pesquisa interna da escola, que abrange cerca de 1.200 alunos, mostrou que 86% dos pais descartaram o retorno presencial neste momento.

“Nós temos um alto índice de absenteísmo depois dos feriados. Isso é um dado verificado anteriormente. Vamos aguardar os próximos dias e acompanhar esses índices”, afirmou Rossieli Soares. “Além disso, os alunos, principalmente os jovens, estão mudando seus hábitos culturais. Muitos preferem fazer atividades à tarde. Essa é uma realidade nova também para as escolas”, avaliou.

Na escola estadual Américo de Moura, na zona leste, a opção dos alunos pelo ensino presencial está relacionada, em vários casos, às dificuldades de aprendizado. Matheus Carvalho sofria tanto com o conteúdo de Matemática no segundo ano do Ensino Médio que não teve dúvidas em se inscrever para a retomada presencial. Ele não consegue nem apontar um tópico mais espinhoso. “Tudo é difícil. Estudar Matemática on-line é muito problemático”, diz o estudante de 16 anos. Higor Silva, também de 16 anos, concorda. Ele também voltou ao presencial para tentar diminuir as dificuldades com os cálculos. “É ruim estudar sozinho, longe dos amigos e dos professores”, diz.

A estrutura do colégio exemplifica alguuns dos prejuízos educacionais que a pandemia causa aos alunos por conta do distanciamento da escola. O endereço da Vila Prudente guarda uma estrutura diferenciada, com anfiteatro e até sala de música e outra de leitura. Tudo ficou vazio durante a pandemia. Além de medidas preventivas contra a covid-19, como medição da temperatura e oferecimento de álcool em gel, todos os gestores aguardaram os alunos na entrada do colégio para dar "bom dia" ou "boa tarde". A coordenadora de linguagem Raquel Oliveira Alves afirma que já era assim antes da pandemia.

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A retomada presencial, no entanto, tem sido lenta. Dos 244 alunos da escola, apenas 80 decidiram voltar às carteiras. Dos 44 que tinham confirmado presença nesta terça-feira, só apareceram 23. Foram 11 pela manhã e mais 12 à tarde. Como parte da ação do colégio para monitorar eventuais casos de contaminação, a diretora Vanessa Rodrigues vai telefonar para os alunos para falar sobre a ausência e verificar se ela está ou não relacionada ao novo coronavírus. Desde a retomada, em outubro, a escola não registrou nenhum caso.

Volta nas particulares

Na semana passada, levantamento feito pelo Estadão mostrou que a maioria dos 40 colégios particulares consultados decidiu reabrir para aulas regulares nesta terça-feira. Um deles foi o Colégio Rio Branco, em Higienópolis, onde os alunos do ensino médio terão aulas presenciais três vezes por semana. Do total de 60, 27 foram inscritos para participar do ensino híbrido, enquanto os demais permanecerão no ensino remoto. O primeiro e o segundo ano terão uma aula presencial uma vez por semana.

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As aulas são as mesmas para todos, distribuídos nas duas turmas já formadas antes da pandemia. Na primeira disciplina do dia, História, os estudantes acompanharam a transmissão ao vivo da aula, pois o professor é do grupo de risco e não pode se deslocar até a escola. Para auxiliar os alunos presenciais, o docente de outra disciplina ficou na sala e as cadeiras foram redistribuídas para garantir o distanciamento social.

Colégio Rio Branco retomou aulas do ensino médio nesta terça, seguindo protocolos de higiene e distanciamento Foto: Felipe Rau/ESTADÃO

Na entrada e dentro da escola, repetem-se os protocolos e as tecnologias já conhecidos na pandemia: aferição da temperatura, marcas e placas de distanciamento, dispênser de álcool em gel, dentre outras medidas, seguindo recomendação do Hospital Sírio Libanês, que prestou consultoria ao colégio. Os professores também ganharam kits com máscaras, canetões para utilizar no quadro e outros itens para uso pessoal. 

Em paralelo, alunos do ensino fundamental estão em atividades de acolhimento. No caso dos pequenos, a chegada era acompanhada mais de perto, às vezes filmada por celular, enquanto os adolescentes foram a pé ou na carona de familiares. Eles saudavam os funcionários e eventualmente faziam um cumprimento de cotovelo. 

Entre os estudantes do ensino médio, grande parte vestia um moletom tradicionalmente feito pelas turmas que estão para se formar. "A gente ganhou na pandemia, todo mundo estava ansioso para usar", diz Júlio Alessandri, de 17 anos.

Na mesma escola há 13 anos, ele conta que não imaginava que a pandemia duraria tanto tempo com a necessidade de restrições, mas depois parou de pensar no tão aguardado retorno. "Não criei muita expectativa (pela volta às aulas presenciais), já que tinha se falado várias vezes (que poderia ocorrer)."

Na entrada e dentro da escola, repetem-se os protocolos e as tecnologias já conhecidos na pandemia Foto: Felipe Rau/ESTADÃO

Assim como ele, Luísa Simionato, de 18 anos, está na escola pela primeira vez desde o início da pandemia. "Não via ninguém desde março", comentou. "Vai ser bem diferente. Amigos de outros anos não vão estar aqui." A estudante está satisfeita com o retorno, pois sentiu um pouco do impacto de estudar de forma remota. "Pra mim, é um pouco mais difícil estudar à distância."

Rafael Dias, de 17 anos, tem percepção parecida. "É muito ruim ficar só em casa, principalmente agora, no terceiro ano"

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Já Nathan Corrêa, de 17 anos, explica que a experiência também será um momento de maior adaptação aos protocolos de distanciamento e higiene, pois passou toda a pandemia na praia. "Não precisava ter esse cuidado, era menos gente e eu ficava mais em casa."

Mesmo assim, ele quis voltar assim que pudesse de forma presencial. "Não sei direito como vai ser. Quero logo ver todo mundo. Daqui da escola, não cheguei ter contato com ninguém."

Mãe de Anna Giulia, de 17 anos, a pedagoga Ivana Csapo Felippe, de 51 anos, está satisfeita com o retorno. "Minha filha precisava voltar. As perdas que teve nesse ano são imensuráveis, não só pedagógicasmas principalmennte sociais. Ela esperou muito por esse dia, de grande expectativa. Tinha medo de terminar esse ciclo em casa. Tinha que voltar mesmo."

Para a mãe, o ambiente da escola é até mais controlado do que outros para evitar o contágio. Além disso, ela passou orientações para a filha. "Está com álcool gel, seis sete máscaras (guardadas na mochila)."

Professora de sociologia, Marina Miorim estava com ensino exclusivamente remoto desde 18 de março. Ela vê o momento atual como uma nova fase de adaptação. "Venho a pé e não tinha feito mais esse trajeto, de 5km da minha casa. O deslocamento foi de reconhecimento desse terreno, a cidade está diferente, em ritmo diferente."

Para a professora, essa adaptação também passa por pensar aulas que se encaixem tanto para quem está em casa quanto na sala de aula. "Vai ser um desafio como modular esse processo", explica. "Planejei um tempo curto de exposição e um tempo maior de pesquisa, de atividade de resolução, de exercício. Se cair a internet na casa, o aluno sabe o que fazer. O pessoal daqui vai manter a mesma atividade. Preciso pensar outros cenários que podem acontecer."

Ela também comenta sobre a preocupação em garantir que essa volta adaptada não cause novas frustrações nos alunos, por ocorrer em moldes distintos do pré-pandemia. "Acho que eles já estão acumulando muitas frustrações, estão fechando um ciclo muito importante. Eles têm vínculos muito fortes com a escola, os colegas, os funcionários e os professores."

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No Colégio Porto Seguro, na zona sul paulistana, o retorno também foi híbrido. Cerca de dois terços dos estudantes vão voltar às aulas presenciais, segundo estimativa do diretor do ensino médio, João Roberto de Souza Silva. Para garantir o distanciamento social, as turmas foram subdivididas em bolhas, em que uma parte tem o ensino remoto em determinado dia, enquanto a outra tem aula presencial simultaneamente, variando de acordo com o dia da semana.

Como em outras escolas privadas, os professores do grupo de risco deram aula por videoconferência - mesmo para os alunos que foram até a escola. De acordo com o diretor, como o ensino médio é integral, os estudantes não chegaram a ter a oportunidade de fazer atividades extracurriculares antes da volta, a não ser aqueles que optaram pela versão presencial de um simulado aplicado semanas atrás. 

“É bem diferente. E muito bom, ainda mais para a gente que vai se formar daqui um mês”, conta Julia Figueiredo, de 17 anos, do terceiro ano. Ela conta que estava com expectativa para o retorno e que acordou “super cedo” nesta terça. Além disso, veio com a mochila cheia de itens para auxiliar na prevenção à covid-19, com três máscaras, álcool gel e capas para o computador e o teclado. 

Com a sala mais esvaziada por causa do distanciamento social, Julia percebeu algumas mudanças no clima. “A sala fica mais calma, comparado ao que era antes. Parece que a aula fica mais efetiva, não com tanta conversa.”

Já Beatriz Barreto, de 17 anos, também do terceiro ano, descreve que a retomada foi de um novo jeito, não o normal de antes, nem o do ensino remoto. Agora, por exemplo, é possível ver, além dos professor, também os colegas, pois a maioria dos alunos prefere não utilizar a câmera durante as aulas. “Sinto que é uma motivação maior, ainda mais com o vestibular chegando. Em casa, o dia inteiro no mesmo ambiente, esgota um pouco mais.”

Outro aluno prestes a se formar é Luiz Gustavo Reis, de 17 anos, que diz ter sentido certo “alívio” de sair de casa, mesmo que o reencontro seja cheio de adaptações à nova realidade. “Tem que ficar longe, de máscara, não pode tocar. Não é comparado a nada do que tinha antes.”

O estudante também comenta que a retomada foi importante para encerrar um ciclo. “(Se não tivesse voltado agora), o nosso último dia (de aula presencial) teria sido lá em março. É emocionante, tem uma sensação de despedida.”

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Professor de Biologia, Jarbas Postal diz que a experiência tem sido gratificante. Ele insiste que não há mudança na qualidade do ensino remoto e presencial, mas admite que a experiência é distinta pelo contato social entre os alunos e também com os docentes. “Dá para olhar nos olhos e perceber uma dúvida, até pela expressão. Esse contato é sempre enriquecedor.”

O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp) estima que 80% a 85% das escolas particulares de ensino médio reabram para aulas regulares na capital. "As aulas devem continuar híbridas no ano que vem. Quanto antes começar, melhor para alunos se acostumarem", diz Benjamin Ribeiro, presidente do sindicato.  Segundo ele, as escolas de elite que não retornaram, como o Bandeirantes e o Santa Cruz, já têm estrutura de aula remota muito bem montada. Ribeiro também acredita que a adesão das famílias, calculada em menos de 20% no primeiro dia de retorno regular do ensino médio, também aumente ao longo da semana.

Retomada na rede municipal 

As nove escolas municipais com ensino médio e magistério reabriam nesta terça com atividades de acolhimento de pais e alunos. Na Professor Derville Allegretti, por exemplo, ocorreram palestras para explicar os novos protocolos sanitários. A expectativa é de adesão inicial de 10% dos alunos. 

Por determinação da gestão Covas, as nove escolas municipais com ensino médio foram reabertas, entre elas a Derville Allegretti Foto: Werther Santana/ESTADÃO

Nem todos que compareceram à atividade vão retornar às aulas, contudo. Thais Santos, de 17 anos, do terceiro ano do ensino médio, por exemplo, foi a pedido da mãe, mas decidiu permanecer no ensino remoto. "Não quero voltar, não vai voltar ninguém (dos amigos e conhecidos)."

Na escola, foram realizadas adaptações. Para as refeições, por exemplo, as mesas e cadeiras foram distribuídas em uma área externa, para melhorar a ventilação, e não é permitido levar lanche. Nas salas, fitas foram utilizadas para indicar o distanciamento, entre outras medidas. A ocupação máxima será de 15 alunos por sala.

Em visita à escola, o secretário municipal da Educação, Bruno Caetano, declarou que a expectativa é de aumento na procura dos alunos ao longo das próximas semanas. 

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A reabertura de outras etapas de ensino deve ser definida até os dias 18 ou 19 deste mês para uma retomada na próxima janela, em 2 de dezembro. "Essa vai ser a tendência: começando pelos que têm mais velhos, mais compreensão dos protocolos de saúde", diz. A expectativa é de que pelo menos uma parte do ensino fundamental volte neste ano, mas não há previsão de aula presencial obrigatória em 2020.

Cerca de 10% dos docentes retornaram entre os que já tiveram covid-19 e os que decidiram voltar. Os maiores de 60 anos estão afastados e os demais têm retorno facultativo. 

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