03 de outubro de 2020 | 14h00
SÃO PAULO - Depois de mais de 200 dias fechadas, as escolas da capital abrem na quarta-feira com pais divididos e expectativa pela volta esperada e temida ao mesmo tempo. As estimativas são de que mais de 80% das instituições particulares reabram e 40% das famílias não levem seus filhos. A Prefeitura de São Paulo autorizou apenas atividades presenciais extracurriculares em outubro e a previsão de aulas ficou para 3 de novembro.
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Atrapalhadas pelas regras governamentais confusas e enfrentando perda de alunos durante toda a pandemia, as escolas particulares se desdobram para agradar a quem vai estar lá presencialmente e a quem continuará em casa.
“A equação não fecha, ninguém pode perder, quem está no presencial ou no online, mas o professor é o mesmo”, diz a diretora da Escola Projeto Vida, na zona norte da capital, Monica Padroni. Para ela, não faz sentido a volta se a professora titular das crianças menores não estiver na escola para recebê-las. Os docentes vão então passar a comandar a aula remota da escola e não de casa, e serem substituídos em alguns momentos presenciais por auxiliares.
Uma mãe de outra escola reclama justamente da falta da professora da filha na volta à escola, muito aguardada pela família. “A impressão que dá é que estão privilegiando quem vai ficar em casa”, conta ela, que pediu para não ter seu nome publicado.
Para ela, a abertura das escolas terá um “benefício profundo” para crianças de todas as classes sociais, principalmente as que sofrem com abuso, violência, desnutrição. “Na escola, a criança experimenta outros papéis, se relaciona com o diferente. Para mim, o tempo que falta até o fim do ano é muito relevante.” No entanto, ela diz que se sente taxada de “elitista e não comprometida com o coletivo” por outros pais que são contra a volta. “Tentando agradar aos dois lados, a escola pode acabar desagradando a ambos.”
Outra mãe sente o contrário. “A maioria quer voltar. Eu nem abro mais a boca no grupo de mães para não ser apedrejada”, conta ela, que também não quer o nome revelado para não causar mal-estar na escola. “Está sendo montada uma operação de guerra, crianças com máscaras, escola gastando muito dinheiro, para quê? O que vão aprender agora?”, indaga. Ela tem dois filhos adolescentes em uma escola de elite da zona oeste e não vai enviá-los às atividades presenciais até que “tudo volte ao normal”.
A publicitária Ana Carolina Franco, de 43 anos, diz que vai esperar pela vacina para mandar os dois filhos. “O perigo está aí. A pessoas estão loucas, acham que é só por álcool em gel e tudo bem.”
Entre as 24 instituições de elite que fazem parte da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar), 100% declararam em pesquisa da entidade que vão reabrir no dia 7. Em 33%, os alunos estarão na escola 2 vezes por semana e em 29,2%, mais de 3 vezes. A maioria dos estudantes ficará entre 2 e 4 horas nas instituições por dia.
Estimativa do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp) fala em 80% das escolas abertas na capital na semana que vem. Algumas, segundo a entidade, não consideraram vantajosa a retomada apenas para as atividades extracurriculares porque poucos pais se interessaram.
“Eu acho que é um suicídio, porque a pandemia deve adentrar o próximo ano e se a escola não começar logo com as aulas híbridas vai ficar para trás”, diz o presidente do Sieeesp, Benjamim Ribeiro da Silva. Uma das que optaram por continuar só online é o Colégio São Domingos, na zona oeste. Segundo o diretor Silvio Pinto, “os riscos relativos à pandemia são muito sérios para que se abandone o isolamento social”.
Os projetos de retorno foram elaborados com urgência na semana passada porque a norma da Prefeitura sobre o que poderia ser feito em outubro só saiu há oito dias. Como o Estadão adiantou, as escolas particulares só podem receber 20% dos alunos por dia e não têm limite de horas para funcionar. As instituições aguardavam há meses uma definição de reabertura. O Estado tinha autorizado a volta já em setembro, com 35% dos alunos. Elas começaram a se organizar e, alguns dias depois, a Prefeitura informou que não permitiria o retorno, deixando mais uma vez em suspenso a decisão.
“Eu já fiz tanta versões de horários possíveis de como voltar que agora só acredito no dia 7 quando os alunos estiverem chegando”, brinca a diretora pedagógica do Colégio Bandeirantes, Mayra Lora. Na escola, os alunos vão ficar 3h20 por dia em quatro aulas de reforço, de Português, Matemática e Inglês. Não haverá intervalo para que eles circulem o menos possível.
No Colégio Oswald de Andrade, as crianças menores farão atividades de brincadeira, rodas de conversa, oficinas de artes e devem ir para a escola duas vezes por semana. Os maiores terão esportes no contraturno e aulas online no horário habitual. A instituição pediu que os pais inscrevessem seus filhos para as atividades de outubro para organizar melhor as bolhas (grupos pequenos para evitar transmissão). Segundo a diretora geral do Oswald, Andrea Andreucci, 60% inscreveram os filhos. O índice é o mesmo dos que pretendem voltar no Santa Cruz e no Dante.
“A decisão das famílias está muito ligada à segurança que a escola demonstra”, diz Andrea. Segundo ela, a primeira coisa que os professores farão ao receber os alunos é explicar a situação. “Não podemos ignorar o momento, mas vamos sentar e conversar sem traumas, sem assustar.”
As escolas de educação infantil são as que registram maior intenção de volta das crianças, principalmente porque o ensino online não é recomendado nem eficaz. Na Recreio, no Alto de Pinheiros, 75% dos pais disseram que vão mandar seus filhos. As famílias foram chamadas inclusive para os grupos de trabalho sobre o retorno.
“Os pais tiveram consciência maior de como está sendo para a escola planejar no escuro, com respostas do governo que chegam em cima da hora e problemas financeiros”, diz Carolina Arantes, de 36 anos, mãe de Inácio, de 5. Para ela, fazer parte do grupo ajudou a ter mais confiança na volta. Boa parte das escolas perdeu a maioria de seus alunos de menos de 4 anos por não haver obrigatoriedade de matrícula e, segundo estimativas do Sieeesp, 30% delas fecharam as portas na pandemia.
Muitos diretores revelam ansiedade para a volta, com uma sensação de recomeço em um contexto inesperado. Para Andrea, do Oswald, o sentimento é de todos envolvidos com educação. “Existe uma vontade enorme de todo mundo, famílias, professores e funcionários, de entrar na escola, de voltar à vida, mas também muito medo e angústia.”
As escolas da rede pública da capital abrirão em menor número do que as particulares. Entre as estaduais da cidade somente 100 de 1.086 vão retomar as atividades presenciais na quarta-feira. Já a Prefeitura afirmou que ainda não tem um número fechado de quantas escolas municipais resolveram abrir.
A volta em outubro é voluntária para escolas, pais e professores. A Prefeitura só autorizou na cidade atividades extracurriculares, como música, artes, recreação e reforço de Matemática e Português.
No restante de São Paulo, em municípios que autorizaram, as escolas estaduais foram abertas em setembro para esse tipo de atividade e permanecerão assim em outubro para estudantes do ensino fundamental. Os alunos de ensino médio já poderão ter aulas agora em outubro.
As escolas públicas enfrentam resistência dos professores para reabrir – que alegam medo de contaminação e pouca estrutura para manter protocolos. Estado e Prefeitura alegam que compraram EPIs, kits de higiene e equiparam escolas
"Sempre fui a maior defensora de toda a precaução, minhas duas filhas são asmáticas, de ficar no respirador. A gente só sai para fazer o básico, não vê amigos, família. Eu dizia que elas só iriam para a escola se tivesse vacina. Mas o tempo foi passando, seis meses é muito tempo para duas pré-adolescentes ficarem trancadas no quarto. Uma delas voltou à natação e vi como se sentiu muito melhor. Acho agora que o prejuízo físico e emocional está sendo muito maior do que vir talvez a ficar doente se for para a escola. Por isso mudei de ideia e elas vão... ver as amigas, que é o mais importante neste momento. Já estão animadas só de falar em ir, arrumando as coisas."
"O Diogo, de 3 anos, foi um bebê chiador, com bronco espasmos. Mas fomos à escola fazer uma visita esta semana e chorei de vê-lo feliz lá, interagindo. Estou em um grande dilema. A minha filha mais velha, de 9 anos, quer ir, mas também teme prejudicar o irmão. E eu vou privar a mais velha, que nunca tomou antibiótico na vida? Não me preocupo com conteúdo, mas a escola é o lugar de encontrar outras pessoas, exercitar tolerância, respeito, coletivo. Estou vivendo minuto após o outro, tem hora que estou mais segura, outras não. Me preocupa muito o quadro dele, mas ele iria se fortalecer podendo ter outras experiências do que só ser um menino de apartamento."
"Meus filhos de 9 e 13 anos se adaptaram muito bem ao ensino remoto, não acho que a qualidade diminuiu. Estamos muito isolados, trabalhamos em casa, e eles têm convivência com meus pais. Não acho que vale a pena, por causa de 2 meses de escola, arriscar pegar a doença e também perder a convivência familiar. O meu filho mais velho diz que não voltar agora é dar sua contribuição para não espalhar o vírus. A mais nova oscila, fala que quer ver as amigas. A melhor amiga dela vai voltar e talvez tenha de enfrentar um problema, mas não penso em recuar. Respeito quem quer retornar, mas falta tão pouco para acabar o ano. Em 2021 tenho fé de que vamos começar a vacinar."
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