Escolas estaduais ouvem pais e fazem prevenção para receber alunos em retomada gradual

Cerca de cinco mil escolas fazem últimos ajustes para a volta às aulas presenciais, após seis meses fechadas devido à pandemia do novo coronavírus

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Por José Maria Tomazela
Atualização:

Depois de uma caminhada de 15 minutos pelas ruas tranquilas do Jardim Santa Bárbara, no ponto mais extremo da zona oeste de Sorocaba, na manhã desta quarta-feira, dia 23, o estudante Leonardo Camargo Cleto, de 15 anos, iniciou a nova rotina para assistir a uma aula presencial na Escola Estadual Professor Geraldo do Espírito Santo Fogaça de Almeida. Mochila às costas, com máscara cobrindo nariz e boca, ele passou pela medição de temperatura, cumprimentou com acenos os funcionários e, antes de adentrar a classe, usou o totem com álcool em gel instalado na porta. "Estou feliz por voltar, estava sentindo muita falta da escola, saudades dos amigos, professores e funcionários. Falei com meus pais e eles concordaram", contou.

Cerca de cinco mil escolas da rede estadual de São Paulo fazem os últimos ajustes para a volta às aulas presenciais, após seis meses fechadas devido à pandemia do novo coronavírus. Conforme a Secretaria Estadual de Educação, a volta gradual começa no dia 7 de outubro para alunos do ensino médio e da educação de jovens e adultos. Estudantes do ensino fundamental retornam no dia 3 de novembro. A retomada será facultativa, ou seja, a volta não é obrigatória para os alunos e professores. Quem é de grupo de risco, e aqueles que preferirem, deve continuar com aulas à distância, segundo o governo.

Alunos em sala de aula na escola Estadual Professor Geraldo do Espirito Santo Fogaca de Almeida, na cidade de Sorocaba Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

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Até decidir pelo retorno, Leonardo estava estudando em casa. Ele cursa o 1° ano do ensino médio. "Eu vinha à escola só para pegar apostila e material para prova. Pelo celular, dava para resolver muita coisa, mas na classe é diferente. Quando a escola fez uma consulta sobre a volta, meus pais falaram comigo e decidimos juntos", disse. 

A aluna Jhenyffer da Silva Freitas, de 15 anos, teve de vencer o trauma e o medo deixados pela doença para retomar as aulas presidenciais. A covid-19 atingiu em cheio sua família quando as escolas já estavam fechadas. Em sua casa, todos tiveram a doença. "A gente não sabe como, mas eu peguei há três meses e tive muitos sintomas. Não conseguia comer, não sentia cheiro de nada, passava mal direto. Minha mãe, meu pai e dois irmãos também pegaram, mas para ela foi pior", rememorou. "Minha mãe passou várias vezes pela UBS (Unidade Básica de Saúde), ficou de cama e isolada quase um mês."

Quando Jhenyffer falou em voltar à escola, os pais entraram em contato com a direção e, como já havia passado o período de quarentena, o retorno foi autorizado. "Sei que devo estar imunizada, mas tomo os cuidados do mesmo jeito, pelos outros", justificou a menina. 

Jhenyffer de SáFreitas tem a temperatura testada na escola Estadual Professor Geraldo do Espirito Santo Fogaca de Almeida, emSorocaba Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

O diretor Edney Couto de Souza conta que a secretaria fez uma consulta aos pais para saber se consentiam ou não com a volta dos filhos às aulas presenciais. "Fizemos contato com aqueles que concordavam e passamos a programar o retorno em conjunto com os professores. Demos prioridade aos que tinham mais dificuldade para acompanhar o ensino remoto, mas alguns que estão indo bem insistiram em comparecer", relatou. 

As aulas da semana seguinte são definidas em reuniões às sextas-feiras. "Essa antecipação é importante para ganhar a confiança dos pais e alunos. O boca a boca funciona muito, tanto que nesta semana tivemos mais alunos do que na passada", disse.

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Conforme a supervisora Fernanda Amorim, pais e alunos são deixados à vontade para decidir se retornam. Ela conta que uma mãe já havia reservado aula para o filho, mas depois voltou atrás. "Ela disse que o filho tem um probleminha respiratório e pensou melhor." 

Já a mãe de aluno Sandra Regina Molina usou uma rede social para comentar a volta à escola do filho Luan, da 8ª série do fundamental. "Meu filho foi atendido hoje, foi bem recebido e voltou feliz para casa", postou.

A professora de projeto de saúde Maurília Camilla, de 36 anos, uma das que se dispuseram a dar aulas presenciais, disse que estava sentindo falta do contato mais próximo com os alunos. "A gente nunca parou, pois dava aulas online, mas é diferente lecionar no ambiente escolar." Na quarta-feira de manhã, ela tinha à sua frente apenas dois alunos do ensino médio, mas ensinava como se fosse para uma classe lotada. "A prioridade é para alunos com dificuldade no ensino remoto e estes estão indo bem, mas pediram para vir à aula. Acabam incentivando outros colegas a virem também."

Com 400 alunos do ensino fundamental e 280 do médio, a 'Gesfa', como é conhecida a escola, ocupa um prédio novo que praticamente não precisou de adaptações para o novo normal. A reportagem constatou a instalação de totens e dispensers para o álcool em gel nos corredores e em todas as salas, nos dois pavimentos. Há marcas para distanciamento. 

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Os bebedouros tradicionais foram substituídos por recipientes com água potável e copos descartáveis. Conforme o diretor, chegaram os estoques de máscaras, escudos faciais, termômetros a laser, toalhas e copos descartáveis. A sala de mediação foi adaptada para funcionar como isolamento de aluno que seja detectado com sintoma.

Baixo retorno

Sorocaba é uma das poucas cidades do interior onde as aulas presenciais já foram retomadas na rede estadual, embora com poucos alunos. Em Itu, um decreto assinado no último dia 8 pelo prefeito Guilherme Gazzola (PL) suspendeu o retorno nas escolas municipais e estaduais até 4 de outubro, quando deverá ser tomada nova decisão. A medida não atingiu a Escola Estadual Prof. Antônio Berreta, que já vinha dando aula para alunos do ensino médio. Conforme a direção, as aulas são de reforço e para alunos com dificuldade para acompanhar o ensino remoto.

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Faltando menos de duas semanas para o retorno programado pelo governo, parte das escolas da rede estadual de Itu ainda não está pronta para receber os alunos, segundo a professora de artes Adriana Santos, que leciona em quatro delas. "Em uma das minhas escolas, chegou o álcool em gel, mas não vieram os totens, então a instalação foi improvisada. As máscaras também não chegaram e não havia previsão", disse. Ela contou que os pais de alunos estão com medo de mandar os filhos até para retirar o material didático e estudar em casa. "O material chegou incompleto, mesmo assim a direção ligou para os pais, mas muitos não foram buscar alegando receio da doença."

O professor Emerson Abud, que leciona história, geografia, projeto de vida e tecnologia na Escola Estadual Presidente Artur Bernardes da Silva, em Cerquilho, disse que, embora a escola tenha sido reformada, a estrutura favorece a transmissão da covid-19. "As salas são mal ventiladas, com janelas apenas para o pátio, que é fechado pela cantina e refeitório. Para isso, não tem álcool em gel que dê jeito." Segundo ele, a mão de obra é insuficiente, pois 45% dos professores têm fatores de risco. "Faltam funcionários para limpeza. Nossa clientela é composta por jovens que estão em aglomerações o tempo todo. Será um risco para o professor e o funcionário."

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A dirigente da sub-sede regional do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) em Itu, Rita Diniz, disse que em seis municípios da região, incluindo Salto, Cerquilho, Porto Feliz e Tietê, os prefeitos suspenderam as aulas nas redes estadual e municipal até o fim deste ano. "Já pedimos oficialmente ao prefeito de Itu para também adiar para 2021, pois sabemos que a covid-19 ainda está na cidade. Em pesquisa que fizemos com 500 pais, só dez foram favoráveis à volta." A prefeitura informou que ainda analisa o pedido do sindicato.

Campinas

Em Campinas, o prefeito Jonas Donizette (PSB) marcou para 7 de outubro a volta às aulas para 70 mil alunos da rede municipal, deixando facultativo o retorno na rede estadual. Já em Ribeirão Preto, a rede estadual pode voltar após o dia 20 de outubro, quando se completam quatro semanas na fase amarela do Plano São Paulo. São José dos Campos adiou para 2021 as aulas na rede municipal, mas deve seguir o governo no retorno da rede estadual. Em São José do Rio Preto e Bauru, as prefeituras ainda decidirão sobre a volta dos alunos às escolas estaduais.

Fase de retorno

O subsecretário de articulação regional da Secretaria de Educação do Estado, Henrique Pimentel Filho, disse que toda a rede física estadual de ensino está sendo preparada para o retorno às atividades presenciais. "Em algumas cidades, onde as prefeituras já liberaram a volta às aulas, o processo está bem adiantado. Em Sorocaba, por exemplo, 70 das 81 escolas estão prontas para voltar. As demais estão em preparação, fazendo reformas em banheiros, ajustando detalhes. A ideia é que, até o retorno, todas tenham recebido álcool em gel, máscaras, o que for preciso", disse.

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Conforme o gestor, alunos do ensino médio já terão atividades da grade regular, não apenas atividades extra curriculares. "Serão contadas como horas letivas, mas a presença ainda será facultativa. O aluno escolhe entre ir à aula ou continuar com o ensino em casa." A estratégia da pasta, segundo ele, é consultar a comunidade para fazer o retorno. "As escolas estão fazendo as consultas. Onde houver demanda, onde houver aluno querendo voltar às aulas, a ideia é proporcionar todas as condições para que volte em segurança."

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