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'Escolas devem juntar idiomas com cidadania', diz professora da USP

Para Walkyria Monte Mor, planos pedagógicos precisam rever ensino de línguas, da formação do professor ao olhar sobre o aluno na sua comunidade

Por Ocimara Balmant e Alex Gomes
Atualização:
Walkyria Monte Mor é professora livre docente da USP Foto: Divulgação

Nem a ideia de se virar em uma viagem ao exterior nem a garantia de sobreviver no mundo globalizado. Aprender um idioma na escola deve ser um convite a entender o outro e a forma como ele constrói suas comunicações, interações e culturas. A opinião é de Walkyria Monte Mor, professora livre docente da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora adjunta do Center for Globalization and Cultural Studies da Universidade de Manitoba.

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“Os planos pedagógicos das escolas devem rever os objetivos dessa aprendizagem na educação básica, integrando o ensino de línguas a um projeto de formação cidadã e crítica. Isso implica, entre outros pontos, repensar a formação do professor e considerar as linguagens e culturas dos alunos em suas comunidades, ou seja, não tratá-las com uma 'hierarquia vertical'."

Leia a entrevista completa:

Que métodos são os mais indicados para o ensino de idiomas na educação básica? A questão do método tem sido considerada central por décadas. No entanto, os atuais programas de formação de professores de línguas relativizam essa premissa. Conhecer métodos é muito importante e contribui para o ensino de línguas, mas sozinhos não são responsáveis pelo sucesso ou insucesso. Isso porque tem havido um novo olhar sobre o objetivo desse aprendizado. Antes, ao explicar aos alunos por que deveriam aprender uma língua estrangeira, o professor dizia: “porque você pode algum dia viajar para o estrangeiro”. Recentemente, a resposta frequente tem sido: “porque inglês é o idioma da globalização”. Entretanto, num escopo amplo da educação básica, essas justificativas não respondem ao percurso de vida da maioria dos alunos. Por isso, na revisita, ganha maior atenção o fato de que o aprendizado de um idioma representa uma experiência com o “outro”. Esse conhecimento pode ampliar a visão de mundo do aluno, sobre como esses outros constroem suas comunicações e interações, promovendo maior possibilidade da compreensão sobre diferenças linguísticas, culturais e sociais e uma atitude de convivência com o diferente.

Um dos desafios do ensino de idiomas nas escolas é a mescla de alunos com diferentes níveis de proficiência na mesma sala, ao contrário dos cursos de línguas. Como lidar com isso? curioso verificar que, em algumas questões, os planos de ensino das escolas veem nos cursos de idiomas um exemplo a ser replicado. Esse nivelamento de conhecimento tem sido uma das características fortes desses cursos, cujos objetivos são diferentes da educação básica. Hoje, na formação docente, entender a heterogeneidade como fator constituinte dos grupos de alunos passa a ser imprescindível. E desenvolver procedimentos nos quais o aprendizado colaborativo incorpora as diferenças é fundamental. A heterogeneidade é o que há de mais “natural” nas relações humanas. A homogeneidade é uma “construção social”. Na prática, em uma abordagem por meio de projetos, por exemplo, é possível que os alunos aprendam tendo conhecimentos diferentes. 

Você acredita que professores nativos de outros países são um diferencial para o aprendizado? Não necessariamente. Algumas pesquisas indicam que a familiaridade com a cultura e o idioma dos aprendizes contribui muito para a promoção do ensino. A ideia do “falante nativo” foi muito presente em outros momentos da discussão acerca do ensino de línguas no Brasil, quando se buscava que o aprendiz se aproximasse ao máximo do modelo do “falante nativo”. Esse pensamento ainda é comum entre alunos e famílias. Mas, com os estudos sobre colonialidade e descolonialidade no Brasil, essa visão tem sido reinterpretada. Espera-se que um professor saiba bem o idioma estrangeiro que ensina, sem que precise “se tornar um falante nativo”. Essa visão tem sido grandemente debatida e questionada até porque diz respeito ao sentimento de colonialidade que pode estar subjacente a essa perspectiva.

O que escolas não devem fazer no ensino de outro idioma? Acho que os planos pedagógicos das escolas devem rever os objetivos dessa aprendizagem na educação básica, integrando o ensino de línguas a um projeto de formação cidadã e crítica. Isso implica, entre outros pontos, repensar a formação do professor e considerar as linguagens e culturas dos alunos em suas comunidades, ou seja, não tratá-las com uma “hierarquia vertical”.

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Sugerir intercâmbios aos alunos é uma prática comum. Realmente é eficaz? Não os vejo como prioridade na formação educacional, quando se considera o quadro de desigualdades no Brasil. Mas podem contribuir, se bem planejados. Lembrando que os resultados não são os mesmos para todos.

Como vê o uso de tecnologias no aprendizado de um idioma? Com otimismo e cautela. Acompanho trabalhos muito interessantes, não só na área de aprendizado de línguas, mas na área de letramento de pessoas que residem em regiões de difícil acesso à escola. Na área de línguas, há pesquisas de intercâmbio de aprendizado entre estudantes de países diferentes em que um brasileiro e um italiano, por exemplo, se propõem a aprender as respectivas línguas, via contato por softwares como Skype, acompanhados por um pesquisador. Por que cautela? Por outras pesquisas. Muitos casos que analisei tratavam do que chamo de “tecnologia pela tecnologia”. Propõem dar as mesmas aulas, porém com tecnologia. Isso soa como uma forma de ter a atenção dos alunos, que gostam de manusear e interagir com o digital. No entanto, os resultados têm sido insatisfatórios, considerando-se o potencial do letramento digital.

O que os pais devem avaliar sobre o ensino de línguas na escola?  A avaliação deve ser qualitativa. Se os pais acompanhavam os filhos pela sequência de ‘syllabus’ que sabiam, muitas vezes estudados segundo uma sequência verbal: to be, going to, presente simples, presente contínuo, passado simples. Dentro da proposta revisitada, o conhecimento dos alunos é avaliado pelo que sabem fazer com o idioma.

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