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Ensino médio com cursinho, para passar no vestibular

Colégios investem em aulas complementares focadas em ajudar os estudantes a ingressar nas instituições de ensino superior

Por Fabio Mazzitelli
Atualização:

SÃO PAULO - Vitória Moura, de 17 anos, admite ter um quê de “nerd”. Única mulher a defender o colégio nas últimas Olimpíadas de Matemática, sempre foi uma boa aluna e, prestes a se submeter a uma série de vestibulares, aproveitou o aumento da carga horária da escola no último degrau do ensino médio e a oferta de oficinas e atividades extras no contraturno para se dedicar em período integral a livros, cadernos e apostilas.

Vestibulanda com preferência pela área de Exatas, vai concorrer a uma vaga em Engenharia de Produção em seis exames diferentes. “Minha prioridade é uma universidade pública. Saio três vezes por semana às 17h30 da escola e, sempre que posso, participo das oficinas à tarde. Estou mais focada. Minha ideia é não fazer cursinho. Quero entrar agora.”

A vestibulanda de EngenhariaVitória Moura, de 17 anos, admite ter um quê de 'nerd' Foto: Sérgio Castro/Estadão

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O Colégio Pentágono, onde Vitória estuda, é um dos exemplos de escolas de São Paulo que, nos últimos anos, aumentaram a carga horária - obrigatória ou opcional - do ensino médio, com atenção especial ao 3.º ano dessa etapa, o “ano do vestibular”.

“Desde 2009, a grade curricular obrigatória do nosso 3.º ano do ensino médio passou de 36 para 43 aulas. Foi uma mudança gradual, em cima de uma necessidade do currículo e também uma questão de concorrência, de se adaptar ao mercado”, diz Claudio Giardino, diretor pedagógico geral das três unidades do Pentágono - duas localizadas em São Paulo: uma em Perdizes, na zona oeste, e outra no Morumbi, na zona sul.

Muitas vezes manifestada no desejo dos pais de que os filhos fiquem mais focados na rotina escolar para conquistar o acesso a uma universidade de qualidade, tal demanda de mercado se acentuou neste século - dos anos 2000 para cá - e está levando as escolas a transformações na cultura do estudo, ocupando um espaço antes preenchido por cursinhos pré-vestibulares.

“Estamos vivendo uma transição entre o modelo antigo, do vestibular mais tradicional como os da Fuvest e do Mackenzie, centrados no conteúdo, e o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), focado em competências e habilidades. O tipo de exigência é diferente e as atividades da escola têm de dar conta dos dois modelos simultaneamente”, afirma Silvio Freire, diretor do ensino médio do Colégio Santa Maria, que oferece cursinho pré-vestibular no contraturno para os estudantes.

Mais aulas. Desde 2009, o Colégio Pentágono aumentou a grade curricular do 3º ano Foto: Sérgio Castro/Estadão

O cursinho do Santa Maria tem um custo extra e é opcional. A equipe de professores vem de fora, e é adotado o sistema apostilado de um cursinho pré-vestibular, sob os cuidados dos coordenadores do ensino médio da escola, em Interlagos, na zona sul.

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“O rendimento do aluno aumenta no ensino médio à medida que ele vai fazendo o cursinho”, diz Silvio Freire, ex-dono do Atrium Vestibulares, que funcionou até 2009. “Temos até dois ex-alunos que não entraram (no vestibular) e pediram para fazer o cursinho dentro do Santa Maria.”

O Colégio Porto União, no Butantã, zona oeste de São Paulo, também apostou na oferta de um cursinho pré-vestibular dentro da escola. Para isso, ampliou a carga horária desde o 1.º ano do ensino médio - os estudantes têm oito aulas diárias, das 7h15 às 14h05 - de maneira a deixar o último semestre do 3.º ano reservado exclusivamente ao cursinho.

“A gente adota um material que permite que toda a matéria seja dada em dois anos e meio e no segundo semestre do terceiro ano do ensino médio seja só revisão”, detalha Marcos Trotta, da equipe da coordenação do ensino médio da escola. “Os estudantes, a princípio, reclamaram um pouco, mas os pais gostaram, acharam bem útil.”

Necessidades. A ampliação da carga horária ou da oferta de atividades no contraturno está sendo feita de acordo com necessidades educacionais identificadas pelos próprios coordenadores pedagógicos das escolas. Os módulos de aprofundamento do Colégio Pio XII, no Morumbi, zona sul, por exemplo, foram norteados pelo retorno dado por alunos egressos da escola. Esses módulos, que são opcionais, passaram a ser oferecidos em 2012, no contraturno. Em 2015, os estudantes tiveram aulas extras no primeiro semestre de Atualidade e Física e no segundo semestre, de Matemática e Língua Portuguesa, com foco em Redação. 

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A adesão às atividades extras chegou a 70% neste ano. São dois dias por semana em que os estudantes podem ter aula das 7h10 às 16h10. 

“É uma aula montada de acordo com as demandas deles e muito antenada com as mudanças dos vestibulares e do Enem”, afirma Fátima Lopes Miranda, diretora adjunta do colégio. “Em cima dessa demanda, introduzimos os módulos de aprofundamento e uma metodologia de simulados em que o aluno muda de sala e passa pela situação de um exame: recebe o número da sala, da fileira e da carteira em que vai sentar. Os alunos acabam tendo um desempenho melhor (nos vestibulares) e mais segurança para este momento de avaliação.” 

O estudo dos microdados do Enem, que permitem visualizar as áreas e matérias em que os estudantes de determinado colégio tiveram melhor ou pior desempenho, também tem ajudado as escolas neste mapeamento das disciplinas que serão ministradas para os estudantes como complemento à grade curricular. 

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O Colégio Mary Ward, no Tatuapé, zona leste, criou há dois anos o Projeto Revisão. No contraturno das aulas regulares, os estudantes reveem conteúdos específicos de cinco disciplinas: Física, Matemática, Química, Biologia e Língua Portuguesa/Literatura. 

“Alguns pais questionavam porque outras escolas ofereciam ao menos um reforço (de estudo) à tarde. Não queríamos fazer só um reforço porque entendíamos que não era o caminho. Daí construímos em 2013 o projeto de revisão em parceria com os alunos. É opcional, mas a adesão foi significativa desde o primeiro momento”, diz José Antonio Galiani, coordenador pedagógico do ensino médio do Mary Ward. 

Em resposta a essas demandas, o mercado das escolas particulares também assiste ao surgimento de novos colégios com oferta de ensino médio em período integral. Aberto em 2012, o Colégio Vital Brazil, no Butantã, é uma delas. Na proposta da escola, alunos dos dois primeiros anos do ensino médio têm obrigatoriamente aulas de manhã e à tarde três vezes por semana e, no último ano, estudam em período integral de segunda-feira a sexta-feira. 

No Enem de 2014, o primeiro do colégio, a média de desempenho foi a oitava melhor da capital paulista. “No início, pegamos alunos de várias escolas diferentes e tivemos um bom resultado. O colégio tem uma proposta em que a busca por resultados e a formação de valores caminham juntas”, afirma Maria Helena Esteves, coordenadora pedagógica do ensino médio do Vital Brazil.

Aprovação dos alunos. Além de agradar aos pais, estudar em período integral ou passar mais horas dentro do colégio é, em geral, encarado como algo positivo pelos alunos, essencialmente por aqueles que já buscariam um complemento nos estudos fora do período letivo regular. 

“Sempre pensei em fazer cursinho. Fui falar com vários professores e eles falavam que era muito puxado. Você ter essa base de preparação na própria escola é mais cômodo”, afirma Ana Regina de Oliveira Húngaro, de 17 anos, aluna do 3.º ano do Mary Ward. “Estudo há 11 anos no colégio e esse projeto surgiu há pouco tempo. Fizeram por um ano como teste e os alunos acabaram aderindo.” 

Ana Regina quer ingressar em Ciências Biológicas, na Universidade de São Paulo (USP) ou na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para isso, fica na revisão oferecida pela escola até as 16h, quatro dias por semana. “Como é opcional, só está lá quem quer passar no vestibular e você acaba melhorando o desempenho nas aulas.” 

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Com a rotina escolar mais intensa, é comum os estudantes abrirem mão de alguns momentos de lazer. “Fica mais complicado administrar o estudo diário. Via muita TV em casa, mas este ano quase não estou assistindo”, diz Marina Moreira, de 17 anos, aluna do Pentágono. 

Marina é candidata a uma vaga no curso de Relações Internacionais na USP. “Meu pai sempre fala para completar este ciclo e iniciar uma nova fase. Diz isso para me incentivar, quando me vê muito cansada. Não pretendo fazer cursinho (no ano que vem). Neste ano, não daria nem tempo de fazer. É uma rotina cansativa (na escola).” 

Nível dos vestibulares. Paralelamente ao processo de mudança na oferta do ensino médio nas escolas, em parte relacionado ao grau de exigência dos vestibulares mais concorridos, há um crescimento do nível de complexidade das questões dos vestibulares no Brasil na visão da socióloga Dulce Whitaker, pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp). 

Especialista no tema, que acompanha desde o final dos anos 1970, a pesquisadora participou em 2013 de um grupo de trabalho multidisciplinar que analisou questões dos vestibulares de 2011 e 2012 e as comparou com questões do início da década anterior (2001 e 2002). A comparação indicou o aumento da complexidade. 

“Os enunciados das questões citam Habermas (filósofo alemão nascido em 1929, ainda vivo) e Kant (filósofo prussiano do século 18), por exemplo. Pode ser até que venha depois disso uma pergunta simples, mas o estudante se confunde no enunciado, para e perde tempo”, diz Dulce. “Vem o contexto e depois a pergunta que tem a ver com o que o aluno estudou. E o contexto é de altíssima complexidade. São temas universitários, não pré-universitários. Dez anos antes, no início dos anos 2000, as questões eram mais simples.” 

Para a pesquisadora, há uma tendência de os vestibulares se tornarem mais complexos, que está relacionada com a conjuntura socioeconômica. “Quanto mais complexo, mais os estudantes se preparam. E se preparam cada vez mais cedo, desde o fundamental. Os pais já falam disso (passar no vestibular) para crianças pequenas”, afirma. “As escolas constantemente respondem às estratégias dos vestibulares e os colégios particulares estão investindo nisso.” 

Há 100 anos surgia a palavra 'vestibular'

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Na ponta da língua de estudantes e professores há décadas, a palavra “vestibular” completa cem anos em 2015. Foi citada pela primeira vez em 1915, no decreto de reforma educacional número 11.530, assinado pelo então presidente da República Wenceslau Braz e pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, considerado o criador do termo.

O decreto, chamado de Lei Maximiliano, reorganizava o ensino secundário e rebatizava as provas de admissão para o ensino superior, passando a chamar de exames vestibulares. Essas avaliações foram instituídas no Brasil em 1911, com a Lei Rivadávia Corrêa, para regular a entrada nas instituições públicas de ensino superior - o número de candidatos era maior do que o total de vagas.

Usada inicialmente só como adjetivo, a palavra tem origem em “vestíbulo”, que significa entrada. Os vestibulares seriam, assim, “exames de entrada”. Com a popularização do termo, a palavra se tornou substantivo, sinônimo de prova.

Segundo a socióloga e pesquisadora Dulce Whitaker, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), que estudou a origem desses exames e dos cursinhos preparatórios, a história mostra que os vestibulares estão em constante mudança, refletindo em geral a situação socioeconômica do Brasil.

“Na época do chamado ‘Milagre Econômico Brasileiro’, nos anos 1970, os vestibulares se tornaram sistemas que facilitavam o acesso (ao ensino superior) porque havia essa necessidade. Quando o mercado de trabalho satura e tem a crise do Milagre, nos anos 1980, o acesso fica mais fechado, restrito.”

Matrículas abertas

Franciscano Pio XII Ingresso: Análise de boletim e avaliação diagnóstica  em Língua Portuguesa e  Matemática Mensalidade: R$ 2.520  Site: pioxiicolegio.com.br

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Mary Ward Ingresso: Prova em 7/11, análise do boletim e entrevista Mensalidade: R$ 1.256  Site: colegiomaryward.com.br

Pentágono Ingresso: Entrevista e prova  (Gramática, Redação e Matemática) Mensalidade: R$ 2.700  Site: colegiopentagono.com

Porto União Ingresso: Entrevista Mensalidade: R$ 1.350  Site: cpu.g12.br

Santa Maria Ingresso: Inscrição em 6/11, reunião com a escola e provas Mensalidade: R$ 1.779  Site: colsantamaria.com.br

Vital Brazil Ingresso: Avaliação e entrevista Mensalidade: R$ 1.765  Site: vitalbrazilsp.com.br

*O processo de ingresso se refere ao ensino médio, e o valor da mensalidade é o do 3º ano em 2015.

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