Engenharia de vida

Considerada uma das profissões do futuro, biotecnologia ganhou curso superior no Brasil há apenas 11 anos; País se destaca em pesquisas em agricultura e energia

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Por Carlos Lordelo
Atualização:

A biotecnologia está na fronteira do conhecimento humano faz tempo. Nossos ancestrais não sabiam, mas 12 mil anos atrás, quando inventaram a agricultura, usaram procedimentos biotecnológicos rudimentares para selecionar plantas e tipos de solo. A concepção moderna, porém, veio na esteira das descobertas da biologia molecular e da genética. Ponto para Mendel e suas ervilhas, que abriram o caminho para uma das profissões do futuro.

 

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Antes de seguir com esta história, vamos ao conceito de biotecnologia definido na Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, que ocorreu no Rio há 20 anos: “É a aplicação tecnológica de sistemas biológicos, organismos vivos ou derivados para criar ou modificar produtos ou processos.”

 

Ou seja, do desenvolvimento de antibióticos à produção de bebidas, do uso de células-tronco para reconstruir tecidos à aplicação de enzimas para degradar substâncias poluentes, o homem tem hoje um arsenal de ferramentas microscópicas capaz de revolucionar o modo como vivemos.

 

“Usar a biologia para atender às nossas necessidades é o caminho para a sustentabilidade humana”, resume o expert em computação, genética e biologia sintética Andrew Hessel, professor da Singularity University. Para ele, é preciso superar processos “velhos e crus” que existem desde a Revolução Industrial, a exemplo de reações químicas com o uso de reagentes tóxicos. “Esses processos foram bastante úteis, deram escala, funcionaram de forma confiável, mas no fim das contas são bastante tóxicos. A vida faz muitas dessas mesmas reações, mas de forma graciosa.”

 

Para quem quer fazer carreira em laboratórios, o País tem se destacado principalmente na área de fontes de energia. O desafio atual dos cientistas é obter o chamado etanol de segunda geração, a partir da hidrólise (quebra) da parede celular da cana. Para isso, estudam modificações genéticas visando a aumentar a qualidade das fibras.

 

“Só um terço da energia da cana está na sacarose que obtemos ao espremer o caule. Um terço está na biomassa e um terço na palha, que é descartada”, diz Marcos Buckeridge, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol. “Mais que aumentar o rendimento, a ideia é aproveitar melhor toda a planta, diminuindo os custos de produção.”

 

Chefe de vários projetos de transgenia animal e vegetal na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o pesquisador Elibio Rech acha que o Brasil deve explorar ainda mais a condição de grande exportador agropecuário para introduzir tecnologia no campo e preservar a biodiversidade. “Conhecendo melhor nossas plantas e animais, vamos poder produzir novas moléculas e produtos, agregando valor à floresta.”

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Além de aplicações na agricultura, na indústria e no meio ambiente, o ex-presidente do CNPq Esper Cavalheiro destaca ainda a relevância da pesquisa brasileira voltada à saúde. “O Instituto Butantã e a Fiocruz são grandes produtores de vacinas. E temos outros centros importantes pensando na cura de doenças degenerativas, como Parkinson e Alzheimer, e do câncer, caso do Inca.”

 

O pesquisador do Inca Martin Bonamino, doutor em Química Biológica pela Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estuda câncer desde a graduação. Hoje ele avalia genes que poderiam educar o sistema imunológico para reconhecer tumores. Também desenvolve vetores virais para transformação de células adultas em células-tronco pluripotentes. “Na área da saúde, tem muito espaço para pesquisa e dinheiro sendo injetado pelo governo”, diz.

 

Por falar em recursos públicos, Martin recomenda aos estudantes e futuros universitários que aproveitem a oportunidade de conseguir uma bolsa no exterior pelo Ciência sem Fronteiras. “Passar um tempo fora do País é fundamental”, afirma. “Quando fiz estágio no exterior, durante o doutorado, trouxe novos conhecimentos para meu laboratório.”

 

Formação

 

Hoje consultor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, Esper Cavalheiro vê com entusiasmo a criação de cursos superiores para formar pessoal especializado. Para o cientista, é fundamental que as universidades estimulem o aluno a desenvolver o espírito criativo e empreendedor. “Talvez tenhamos surpresas muito boas pela frente.”

 

A primeira graduação começou a funcionar há 11 anos, na Universidade Presidente Antônio Carlos, de Barbacena (MG). Segundo o MEC, em 2010 havia 22 bacharelados e 6 graduações tecnológicas.

 

A UFSCar, por exemplo, oferece dois cursos, em Araras e em São Carlos. O primeiro enfatiza as áreas ambiental e agrícola. O outro é voltado para biologia molecular. Sua primeira turma cola grau no fim do ano. Sairá com uma formação multidisciplinar sólida, acredita o vice-coordenador do curso em São Carlos, Anderson Ferreira da Cunha. Segundo ele, os alunos frequentaram diferentes laboratórios e assistiram a aulas em vários departamentos, como Física, Química e Computação.

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“A formação em biologia molecular abre um mundo de possibilidades”, diz. “Eles trabalham basicamente com a manipulação de DNA, o que lhes permite atuar da indústria farmacêutica à de ração animal.”

 

No último ano do curso da UFSCar, Vanessa Munhoz, de 24 anos, prepara-se para escrever a monografia e o TCC. Depois ainda precisa fazer seis meses de estágio obrigatório. Ela vai para uma usina de álcool acompanhar a produção de levedura, resíduo da transformação da cana em etanol que pesquisou na iniciação científica.

 

“A levedura é vendida para uma fábrica intermediária que faz o tratamento enzimático da substância e depois a revende para a produção de ração animal. Quanto mais RNA tiver a levedura, melhor o alimento para bois, porcos e frangos. É como se eles precisassem comer menos para engordar mais”, explica Vanessa. Simples, mas complexo. / COLABOROU SERGIO POMPEU

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