21 de novembro de 2021 | 17h13
Atualizado 21 de novembro de 2021 | 23h11
A prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste domingo, 21, trouxe um trecho da música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho, questões sobre racismo, desigualdade de gênero, temática indígena e sobre a luta de classes, a partir de um texto de Friedrich Engels, coautor do Manifesto Comunista, com Karl Marx. Incluiu, ainda, um item com a música Sinhá, de Chico Buarque, além de trechos de outros cantores nacionais.
Já o tema da Redação deste ano foi "Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil". O Enem 2021 foi marcado por polêmicas envolvendo tentativa de controle sobre o conteúdo da prova e crise com os servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo exame.
O professor de História João Daniel Lima de Almeida, do Descomplica, disse que ficou surpreso com a qualidade da prova, que tinha questões, segundo ele, "progressistas". "Censura passou longe", afirmou, se referindo às denúncias de interferência do governo na prova. Ele menciona como exemplo a questão que tinha um texto de Friedrich Engels, que falava sobre a luta de classes entre o operariado e a classe média.
Na questão sobre Engels, havia um texto que falava que não se podia confiar na classe média porque ela dizia ser a favor da igualdade e não era. A resposta certa era para o aluno indicar a luta de classes.
Para ele, a questão que usou a música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho, apesar de ter sido escrita durante a ditadura militar, falava sobre uma situação que poderia acontecer em qualquer época. "Era sobre a passividade do povo, uma metáfora provavelmente dos tempos atuais."
A prova de inglês falava da situação das mulheres negras nos Estados Unidos, usando trechos do livro da ex-primeira dama americana Michelle Obama. Além disso, outra questão discutia gênero, ao perguntar sobre as mulheres cientistas no século 19 que só podiam catalogar animais e plantas em viagens com seus maridos.
Duas questões tratavam de escravidão, uma sobre um escravo fugitivo e outra sobre os escravos chamados "tigres", que levavam as fezes dos senhores quando não havia esgoto. A resposta correta, segundo o professor do Descomplica, era que esse trabalho reafirmava a hierarquia social. Uma questão de interpretação de texto trazia a música Sinhá, de Chico Buarque, que conta a história de um escravo castigado por ter visto a sinhá (mulher branca) nua.
Questões sobre temática indígena também apareceram na prova, como a que falava sobre os jesuítas terem aprendido medicina com indígenas no Brasil. "Não é a cara que o governo queria. Claramente, a prova usa o que se tem no Banco Nacional de Itens (BNI) e mantém o padrão, estilo e formato dos anos anteriores", afirmou Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli.
Itens sobre refugiados e minorias também apareceram, mas sem causar polêmica. Segundo Alvarez, boa parte da prova usou textos de apoio de anteriores a 2019, o que demonstra um envelhecimento do banco de itens.
"Não apresentou polêmicas, mas dialogou com temas da atualidade, como passividade política, erotização do corpo feminino, racismo, a questão indígena e outros", disse Daniel Perry, diretor do Curso Anglo.
"O pedagógico prevaleceu sobre o político e estudantes receberam uma prova como nos anos anteriores, uma boa prova. Se por um lado destaca-se a ausência de questões sobre a ditadura, é louvável a presença de itens sobre a questão indígena brasileira. Ao menos seis abordaram essa temática", afirmou Fernando Santo, gerente de Inteligência Educacional e Avaliações do Poliedro.
Santo destaca a menção a músicos e cantores nacionais em diversas questões. Além de Chico Buarque e Zé Ramalho, também apareceram questões sobre Gonzaguinha, Nelson Sargento e Abel Ferreira.
"É um exame que merece elogios por todas essas temáticas. Os técnicos do Inep estão de parabéns, pois é perceptível o esforço na escolha das questões, considerando o repositório de itens que está disponível." Algumas questões, segundo Santo, se mostraram desatualizadas, com notícias antigas ou comentários defasados de acontecimentos da internet.
"Essa edição trouxe questões que estavam há muito tempo no banco de questões do Enem. E apesar de serem questões antigas, elas trouxeram temas até mais controversos do que as duas últimas edições, por exemplo. Nesse sentido, podemos dizer que a prova foi de encontro ao que se especulou. É uma típica prova do Enem", avaliou Edmilson Motta, coordenador-geral do Grupo Etapa.
Como é comum no Enem, houve "boa distribuição entre questões fáceis, médias e difíceis", disse Perry. Já Alvarez considera que a complexidade do exame neste domingo foi de média a baixa. "Foi uma prova em que muitas questões vão pela interpretação de textos e figuras."
Na avaliação de Ricardo Di Carlo, professor de História do Curso e Colégio Objetivo, houve diversificação de temas, o que que premia o aluno bem preparado. "Foi uma prova dentro do modelo. Cansativa aos alunos pelo tamanho dos textos, apesar de as alternativas não serem tão grandes."
Em relação ao tema da Redação, parte dos candidatos relatou dificuldades. "Achei um tema atípico, mas muito importante que precisa ser discutido. É necessário conscientizar as pessoas de como são consideradas invisíveis diante da falta de registros", disse Rodrigo Conte, de 17 anos, que pretende cursar Engenharia.
"Tive mais dificuldade para desenvolver o tema da Redação. Não é um assunto que a gente acompanha na mídia no dia a dia. Poderia ter sido outro tema, mais factual, disse o estudante Gabriel Malisia, de 18 anos./ANA PAULA NIEDERAUER, JÚLIA MARQUES e RENATA CAFARDO, COLABORARAM IGOR SOARES E SHAGALY FERREIRA, ESPECIAL PARA O ESTADÃO
População indígena:Tão feliz em ver Admirável Gado Novo no #Enem2021
mas faltou história, filosofia e artes — Lauren ♊ (@lauren_gz_) November 21, 2021
Aumento população carcerária:A redação do Enem falou sobre invisibilidade e registro civil e ainda teve questão usando a canção "admirável gado novo" e indígenas o #EnemResiste — DEUSA DO INTERIOR ♔ (@BBBfilosofa) November 21, 2021
Racismo/Direitos Humanos:Gente tinha uma questão sobre o aumento da % da população carcerária e oq seria necessário para reverter o quadro. Mas, pqp as respostas eram tipo 5 opiniões diferentes, mas, que faziam sentido. Não tinha uma alternativa que vc olhava e já de cara dizia: “não é essa” — Rian Guilherme (@lime17_rgb) November 21, 2021
Balanço sobre as questões:minha amiga fez o Enem e achou ele bem neutro, com questões sobre a população negra e direitos humanos
meu queixo caiu e eu quase não acreditei, mas como é a opinião da @ourpoesie eu acreditei e fiquei mais aliviada — debs (@bludebs) November 21, 2021
Tamanho das questões:Canção "Admirável Gado Novo”, aumento da população prisional e encarceramento de jovens negros, apoio popular ao povo Guarani Kaiowá, erotização do corpo feminino. As notícias que chegam sobre as questões do Enem mostram que o Inep e seus servidores são maiores que Bolsonaro. — Tarcísio Motta (@MottaTarcisio) November 21, 2021
Achei curioso as questões da parte de Humanas terem sido consideravelmente pequenas. Já as da parte de Linguagens continuaram gigantes. — Milena (@earperbarbarena) November 21, 2021
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