Chegar à faculdade ainda é privilégio de poucos jovens brasileiros, apesar do aumento do número de vagas em universidades públicas e da explosão do ensino superior privado. Em 2009, apenas 14% da população de 18 a 24 anos estava na graduação. Para elevar essa taxa a 33% até 2020, o governo adotou como uma das principais estratégias a expansão do financiamento estudantil.
Capitaneado pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), maior programa do gênero, o mercado de crédito universitário se tornou tão promissor que tem estimulado bancos e as próprias instituições de ensino a criar ou ampliar as suas iniciativas de financiamento.
Em 2009, de cada dez matriculados nas instituições de ensino superior privadas do País, três recebiam financiamento, reembolsável ou não. O Brasil tinha, naquele ano, 1,2 milhão de alunos na graduação com esse tipo de ajuda. Só o Fies atendia a mais da metade desses universitários, segundo o Ministério da Educação (MEC).
No ano passado, o governo mudou as regras do Fies, que abriu inscrições ontem. Entre as alterações, estão a ampliação do prazo para a quitação da dívida de duas para três vezes o período financiado e a redução da taxa de juros para 3,4% ao ano para novos contratos.
"Essa série de medidas facilitou a tomada de financiamento e batemos o recorde de contratos firmados. Ao todo, 71.609 alunos foram beneficiados, enquanto que em 2009 foram cerca de 30 mil", diz o secretário da Educação Superior do MEC, Luiz Cláudio Costa.
Seduzido pelas novas condições do programa, o estudante Roberto Teixeira Campidele, de 22 anos, fechou contrato e paga 50% da mensalidade do curso de Administração da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap). "Estudei em colégio particular a vida inteira e meus pais sempre pagaram com muito esforço. Optei pelo financiamento e trabalho para ajudá-los", diz.
Campidele considera que "vale muito a pena" financiar a graduação, "desde que seja numa faculdade reconhecida pelo mercado". "O Fies atende a quem não é pobre o suficiente para conseguir o ProUni e não é rico o suficiente para conseguir pagar uma faculdade top."
Formada em Psicologia na Universidade São Judas em 2006, Marisa Comninos, de 30 anos, deverá quitar o Fies até julho de 2013. "Não teria chegado onde estou sem o crédito", diz ela, que hoje trabalha no RH da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "Mas é preciso avaliar a qualidade da faculdade. O que dizer de uma escola que cobra R$ 200 por uma graduação?"
Pesquisadores também fazem ressalvas ao programa. Para a professora da PUC-Goiás Ana Maria Gonçalves de Sousa, que em seu doutorado investigou o financiamento público estudantil, a ampliação do crédito "contribui para a privatização do ensino superior e reafirma o descuido do Estado com esse nível da educação".
Ana Maria diz que incrementar o financiamento não pode ser a única solução para o acesso à universidade. "O governo não tem estrutura para atender a toda a demanda. Nesse cenário, o setor privado se posiciona, com o incentivo indireto por meio do Fies. Isso gera revolta social, pois o jovem tem direito a educação, paga imposto para isso, e é como se ele tivesse de pagar de novo para fazer uma graduação."
Reembolsável - Outra maneira de obter crédito é por meio de programas das próprias escolas, a exemplo de instituições como a Fundação Getulio Vargas (FGV), Fecap, Insper e Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Na FGV, 30% dos matriculados em Administração, Direito e Economia de São Paulo têm crédito. "É uma maneira de atrair os melhores alunos, que em geral vão para universidades públicas", diz o controlador do fundo de bolsas Ronaldo Toniete.
São alunos com o perfil de Roberto Aragão, de 23 anos, que a FGV quer. Estudante do 4º ano de Economia, ele recebe financiamento integral desde o início do curso. "Sair da faculdade devendo quase R$ 120 mil deixa qualquer um com medo. Mas na medida em que o curso avança, você vê os ganhos que a graduação proporciona."
Para o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naércio Menezes Filho, o estudante está certo. Segundo o professor, uma pessoa com graduação ganhava, em média, R$ 2.487 em 2009, enquanto que a renda mensal de quem estudou até o ensino médio era de R$ 1.108.
Investimento - Para o diretor executivo do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp), Rodrigo Capelato, existe demanda para o crescimento do setor privado de crédito.
Bancos como Itaú Unibanco e HSBC abriram linhas só para financiar graduandos, e o mercado bilionário também atraiu empresas como a Ideal Invest, que criou, em 2006, o programa Pravaler. "Embora seja nosso maior concorrente, o Fies criou um know-how em torno do crédito universitário que fomentou a iniciativa privada", diz o diretor executivo da Ideal Invest, Carlos Furlan.
Reprovada no Fies, Marcia Pinto, de 28 anos, conseguiu financiamento do Pravaler para o curso de Psicologia. Mãe de duas crianças, a moradora de Embu das Artes, na Grande São Paulo, trabalha como promotora de eventos e estuda à noite, na Universidade de Santo Amaro (Unisa). "Ficaria pesado pagar R$ 780 por mês. Optei pelo crédito para ter uma folga no orçamento", diz. "Se o crédito te ajuda a conquistar o objetivo, ele é válido. Mas você precisa saber direitinho as condições de pagamento."
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