Educação infantil a distância durante a pandemia passa a ser questionada

Nesta semana, quarentena pelo novo coronavírus faz um mês nas escolas; para crianças até 5 anos, o desafio é usar poucas telas, mas manter vínculo

PUBLICIDADE

Foto do author Renata Cafardo
Por Renata Cafardo
Atualização:

Nesta semana completa-se um mês que alunos e professores foram apresentados a uma nova escola por causa da pandemia de coronavírus, aquela que ninguém frequenta e as atividades chegam pela internet. Há discussões de todos os tipos, mas uma delas era impensável até pouco tempo: o ensino a distância para crianças pequenas e bebês. Recomendações médicas falam em restringir telas – e aí, incluem-se os computadores – para menores de 5 anos. Além disso, a educação infantil não é estruturada com conteúdos ou disciplinas e, sim, focada na interação e nas brincadeiras.

No últimos dias, diversas entidades passaram a se pronunciar a respeito da educação infantil nesse novo contexto e a entender que, para os pequenos, deve ser flexibilizada a exigência de se cumprir as 800 horas letivas. Mesmo assim, muitas escolas têm experimentado atividades remotas, principalmente as particulares. Especialistas dizem que o papel da escola de educação infantil agora é acolher os pais, ajudá-los a enfrentar o momento com seus filhos em casa e manter o vínculo com a turma e a professora. E não o de lotar caixas de e-mails e ferramentas online com atividades diárias. 

Em nova rotina, Juliana recebe cinco atividades por dia do colégio para Antonio, de três anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

PUBLICIDADE

“A educação a distância é inadequada para ensino infantil”, sentencia a gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Beatriz Abuchaim. “A atividade tem de ser concebida com a criança como protagonista. Em frente à tela, ela é passiva e não protagonista. Como é possível que a própria escola aumente o tempo de tela da criança?” Para ela, as instituições deveriam propor leituras e ajudar os pais a criar uma rotina para os filhos no isolamento. “Interação on line uma vez por semana para manter o vínculo é suficiente”, afirma Carolina Velho, especialista da Organização dos Estados Ibero Americanos (OEI) e da Rede Nacional da Primeira Infância. Para bebês até 2 anos, a Sociedade Brasileira de Pediatria não recomenda nenhuma exposição às telas. Entre 2 e 5 anos, no máximo, uma hora por dia. 

Carolina diz que o importante agora é escutar as crianças, que podem estar com medo e ansiosas. E sugere atividades cotidianas, como ajudar a varrer a casa, cozinhar ou escrever em um teclado de mentira ao lado dos pais que fazem home office. “Temos de usar o momento que estamos vivendo para eles brincarem e, assim, aprendem.” Educadores falam, inclusive, da importância do ócio. Deixar as crianças sem fazer nada pode ser perturbador para os pais, mas elas acabam encontrando o que fazer de uma maneira criativa, garantem. 

A União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que reúne os secretários municipais do País, publicou nota, afirmando que nem todos os estudantes têm autonomia para o ensino a distância e, na educação infantil, é “necessário um outro tipo de abordagem para garantir o ensino-aprendizagem, visto que o processo se dá de maneira interacional”. A entidade quer que o calendário da educação infantil seja flexibilizado em relação às 800 horas exigidas. “Imagina o absurdo que seria colocar bebê para repor aula na creche aos sábados”, questiona Beatriz. 

Na semana passada, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo divulgou normativa sobre os menores de 5 anos, dizendo que eles “aprendem enquanto vivem e convivem” e que “é fundamental que as famílias se sintam apoiadas e que as instituições de ensino possam organizar momentos de trocas com os pais”. “Independentemente da classe social, nós precisamos nos preocupar com essa infância que está em casa”, diz a conselheira Ana Teresa Mariotti. Para ela, não faz sentido aulas online todos os dias ou “tarefinhas”. 

Escolinha

Publicidade

A chef de cozinha Juliana Arnoni de Barros, de 40 anos, recebe cinco atividades por dia da escola, desde aulas gravadas de inglês até joguinhos de forca, para o filho Antonio, de 3 anos. A mãe avisa o menino que é hora de “fazer escolinha” e começam as atividades na casa. “Não consigo fazer tudo que vem para uma semana, tem coisas muito elaboradas que precisaria preparar no dia anterior. Mas sinto que não tem uma obrigatoriedade de fazer.” Antonio até gosta de encontrar a turma por videoconferência duas vezes por semana, mas às vezes se recusa a fazer outras atividades. “Preferia que a escola desse férias do que eu ficar ensinando ele em casa”, diz a mãe.

A faxineira Vanessa Moreira Torres, de 33 anos, sofre o oposto. Reclama que os dois filhos menores, de 3 e 5 anos, estão há um mês sem aulas e sem fazer nada o dia todo. “Eles só veem televisão, brigam pelo celular, comem bolacha o tempo todo.” Os dois estudam na rede municipal e ainda não receberam as apostilas que a Prefeitura começou a enviar às famílias, com dicas de atividades para os pais fazerem com os filhos. Até a semana passada, as escolas municipais estavam em férias. “Tento ler uns livrinhos para eles, mas não me levam a sério. Só correm de um lado para o outro.”

Há de sugestões simples a salas de aula virtuais

Nesse primeiro mês sem aulas presenciais, escolas particulares de educação infantil organizaram desde sugestões simples de atividades e conversas com pais até estruturadas programações diárias, com aulas online e cobrança de atividades. Na rede privada, há ainda a pressão dos pais, que continuam pagando mensalidades integrais e algumas vezes esperam mais trabalho da instituição.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A rede Maple Bear organizou uma sala de aula virtual para cada turma entre 1 e 5 anos de idade, com conferências remotas todos os dias, em inglês, entre crianças e professores. “É essencial que seja diário para ter consistência e criar uma rotina, que é importante nessa faixa etária”, diz a diretora acadêmica Cintia Santanna. 

Nas aulas online, há música, contação de histórias e até atividades de início de alfabetização para os maiores, que são checadas depois. Os pais são avisados no dia anterior sobre quais materiais vão precisar, algumas vezes é preciso confeccionar letras com papel, por exemplo. Eles também precisam participar das atividades.

“No começo, ele achou estranho o computador, mas depois viu a gente no home office e gostou”, conta a empresária Zaina Braghin, de 34 anos, mãe de José Antônio, de 2. Ela também recebe orientação semanal da professora para observar o desenvolvimento do filho.

Publicidade

“Partimos da premissa de que os pais não são pedagogos. O importante é manter o diálogo e o vínculo com a escola”, explica a diretora da educação infantil do Colégio Santa Cruz, Beatriz Gouveia. Lá, as aulas online só começaram há 15 dias e são semanais. São enviadas três atividades diárias, sem horário definido ou prazo para devolução. Uma delas é sempre uma leitura literária. 

Nas escolas públicas, a falta de merenda é o que mais preocupa os pais. Tanto no Estado de São Paulo quanto no Município estão sendo dados vales-alimentação para as famílias mais pobres, mas especialistas defendem que o benefício seja estendido a todos os alunos das redes públicas. “Atividades estão em segundo plano neste momento, muitas crianças vão para a escola para comer e outras podem vir a precisar porque seus pais vão perder emprego ou ter salário reduzido”, diz Carolina Velho, da OEI.

Do ócio, surgem ideias criativas:

1. Atividades domésticas: Coloque um banquinho na cozinha para a criança ajudar no que puder; se tiver uma vassourinha pequena, ela pode varrer também.

2. Brincando de imitar: Faça um teclado de papelão para que a criança brinque ao seu lado, enquanto você trabalha em casa.

3. Registro: Escreva com seu filho o que ele mais gostou e menos gostou do dia.

4. Arte: Deixe que o seu filho faça desenhos livremente em vez de pintar desenhos que já estão prontos.

Publicidade

5. Tédio: Não tenha medo de deixar a criança sem fazer nada, ela pode ter ideias criativas no ócio.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.