<!-- ecarreira -->Físicos põem a lógica na administração

Em cargos de comando, cientistas usam rigor e método para lidar com problemas de gestão, inclusive na administração do próprio setor

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Por Agencia Estado
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Quem ainda imagina os físicos como um bando de cientistas malucos, de cabelos arrepiados e que parecem falar uma outra língua, poderá se surpreender ao saber que são eles quem, em muitos aspectos, comandam a ciência no Brasil. Acostumados a resolver problemas de alta complexidade no laboratório, muitos deles estão transferindo essa experiência para os escritórios de alguns dos principais cargos de liderança científica do País. Aparentemente, quem consegue entender o funcionamento do universo também consegue gerir uma universidade e distribuir recursos de uma forma mais ou menos lógica. Não há nenhum levantamento oficial, mas eles estão por toda parte. Na reitoria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na diretoria científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na secretaria estadual de Meio Ambiente, na presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no comando da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e em uma série de outras posições de destaque nos institutos de pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Pensar sobre os problemas ?Em muitos países, os físicos ocupam cargos de liderança na administração científica?, diz o físico experimental e reitor da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz. ?Talvez porque a física enfatiza muito a maneira de pensar sobre os problemas, que é a essência do método científico.? Em outras palavras, os físicos são muito bons em resolver problemas, o que faz deles o modelo perfeito para qualquer situação. ?Newton mostrou que uma maçã caindo da árvore está sujeita às mesmas forças que poderiam fazer a Lua cair sobre a Terra?, compara o físico e pró-reitor de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Nunes de Oliveira. ?Questões aparentemente complicadas acabam se tornando simples, o que ajuda muito.? O segredo, segundo o presidente da Finep, Sérgio Rezende, é dividir um problema complexo em um conjunto de problemas menores. Princípio que serviu tanto para suas pesquisas de mestrado e doutorado com materiais magnéticos no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) ? uma das mais prestigiadas instituições de pesquisa do mundo ? quanto para o carnaval de Olinda, nos tempos em que era secretário de Ciência e Cultura da cidade, entre 2001 e 2002. Bonecões Encarregado de organizar a tradicional festa dos bonecões pernambucanos, o ex-físico do MIT não teve dúvida: dividiu a organização em vários setores, identificou quem era mais capacitado para cada atividade e montou um esquema unificado de coordenação. ?Foi uma experiência muito importante para mim antes de vir para a Finep?, conta Rezende, que hoje é responsável por uma das principais entidades de fomento à pesquisa no País. O recém-nomeado secretário de Políticas Estratégicas e Desenvolvimento Científico do MCT, Cylon Gonçalves da Silva, é formado pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, especialista em física da matéria condensada e foi o principal responsável pela criação do renomado Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas (SP). Agora, no ministério, pretende colocar seu treinamento científico a serviço da política. Uma das metas do governo, por exemplo, é exportar US$ 2 bilhões em produtos de software nos próximos três anos. ?Precisamos analisar uma série de fatores. Quantos trabalhadores são necessários para atingir essa escala de produção? Quanto custa para criar um posto de trabalho? Qual é a dinâmica dessas empresas? Quanto tempo elas levam para ganhar espaço no mercado??, articula o físico. ?São perguntas elementares, mas que, no Brasil, raramente são levadas em conta na formulação de políticas públicas. A capacidade de respondê-las, mesmo que de forma aproximada, pode transformar o físico em um bom administrador.? Entender o resto Outros físicos em posições de destaque são, por exemplo, o chefe de gabinete do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), José Roberto Drugowich, o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luiz Carlos de Moura Miranda, o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, Odair Gonçalves, e o presidente da SBPC, Ennio Candotti, em seu terceiro mandato. Além de um batalhão de cientistas espalhados pelos principais projetos de pesquisa do País. ?Se você entende bem as leis da física, consegue entender o resto com maior facilidade?, diz o físico José Goldemberg, secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Ele aponta outro diferencial do físico: manter-se constantemente na fronteira do conhecimento. Um dos físicos mais respeitados do País, especialmente na área nuclear, ele já foi reitor da USP e ministro de Ciência e Tecnologia no governo Collor. ?O físico é um pesquisador de vanguarda. É inovador por natureza, porque trabalha com o desconhecido e precisa estar preparado para tratar com situações inesperadas.? Graduação atrai poucos Apesar de formarem uma comunidade relativamente pequena frente a outras disciplinas, os físicos são quem mais produzem conhecimento científico no Brasil. Segundo dados do CNPq, entre 1992 e 2002, os físicos brasileiros publicaram 13.800 trabalhos em revistas indexadas pelo Institute of Scientific Information (ISI) e receberam 63.200 citações em trabalhos internacionais. Em seguida vieram a clínica médica, com 12.500 publicações, e a química, com cerca de 9 mil. ?A física tem uma tradição no Brasil de produzir ciência em nível internacional?, comenta Drugowich. ?Os físicos são pessoas agressivas, no bom sentido. Não se acomodam.? Atualmente, há 2.600 físicos doutores no País. Outros 180 são formados anualmente. No nível de graduação, entretanto, a física não atrai muitos universitários, apesar de toda a sua excelência. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) do Ministério da Educação, todas as universidades brasileiras formaram, em 2002, 1.362 físicos gerais (o que inclui também a carreira de astronomia). No mesmo período, foram formados 11.535 biólogos, 8.498 médicos e 2.834 químicos.

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