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<!-- eartigo -->Universidade - a hora da reforma

Por Agencia Estado
Atualização:

"A erosão de uma vida pública forte deforma as relações íntimas que prendem o interesse sincero das pessoas" (Professor Richard Sennett, 1974) Tarefa espinhosa a ser enfrentada pelo atual ministro da Educação, com legitimidade indiscutível, é a de equacionar e resolver o velho problema da autonomia das universidades neste país. Criadas de cima para baixo, tardiamente, elas ainda ostentam as marcas do "Estado pedagógico" da ditadura de Vargas, sobrevivendo como braço ilustrado do estamento burocrático que, ora banalizado, engrossa o equivocadamente desprestigiado funcionalismo público. Numa era de "declínio do homem público" (R. Sennett), o tema volta a ser essencial para o "agiornamento" da Nação, que aguarda esforço coletivo para a formação consistente de uma cidadania culta, democrática e inovadora. Mais diretamente: a universidade, readaptada aos novos tempos republicanos, tarda em reencontrar seu lugar na vanguarda da Nação, como soube fazê-lo, em sua hora e vez, gente com o porte de Armando de Salles Oliveira, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Nestor Duarte, Julio de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo, Paulo Duarte e, mais recentes, Florestan Fernandes, Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Aziz Ab´Saber, dentre tantos. Pois a verdade é que, com esse novo conceito de cidadania, forjado nas lutas da nova sociedade civil brasileira, perdendo lastro, corre a universidade o risco de se esgarçar, de se estropear na voragem da sociedade do espetáculo, da hegemonia do marketing e da cultura da violência. Que universidade? A Universidade de São Paulo, referência nacional, tendo estimulado a criação de várias gerações de pesquisadores de excelência, assim como suas filhotas igualmente tardias (Unicamp e Unesp), escapou do aplastante modelo federal, desconhecedor ab ovo do que venha a ser autonomia. E se emaranharou, nas últimas décadas, nesse estranho estatismo oligarquizante, disfarçado de pseudoliberalismo democrático. Em realidade, um autoritarismo senilizado, ainda vigente em congregações e conselhos universitários pseudodemocráticos, bem como nas visões de mundo de boa parte de seus membros. Paralelamente, nas universidades (ou melhor, escolas) particulares pouco se fez, sobretudo em termos de pesquisa inovadora, de ponta, salvo raras exceções de algumas sufocadas faculdades, alguns departamentos e programas de pós-graduação de universidades católicas e protestantes. Posteriormente, dos anos 70 para a frente, à sombra da última ditadura, sabe-se da avalanche de faculdades de meia-confecção, de cursinhos que se transformaram em "universidades", de aglomerados pseudo-universitários que se beneficiaram de maiorias conjunturais de caros amigos nos Conselhos de Educação. Nessa perspectiva, como falar em autonomia universitária? Sim, a dicotomia ensino público/ensino particular precisa ser revista. Ambos devem mudar. Universidades há, em outros países, em que seu reconhecido caráter público não representa impedimento - bem ao contrário - para que a instituição se beneficie de financiamentos, ou captação de fundos por meio de atividades diversas, como cursos de férias de alto nível, ateliês, etc. É o caso de Stanford, uma instituição particular. Os modelos das Universidades de Berkeley ou de Salamanca, ambas do Estado, podem inspirar as atuais autoridades educacionais (e previdenciárias), pois indicam que o setor público também se pode beneficiar com recursos gerados por atividades de vária ordem (cursos de férias e de extensão pagos, por exemplo) e por uma parcela - sempre minoritária, vale enfatizar - de alunos-cidadãos pagantes. Talvez isso ajude a dissipar a má imagem social dos câmpus brasileiros, desertos durante pelo quase três meses de férias por ano. Outro tema importante é o da filantropia. Conceito sobre o qual persiste escassa compreensão quanto ao que representa em escolas ditas confessionais, sérias como as PUCs ou a Universidade Presbiteriana Mackenzie. Nestas, a filantropia se traduzia numa ponderável parcela de bolsas para necessitados, que vinham sendo ofertadas com critério e rigor. Condição recentemente retirada ex abrupto pelo governo federal, que deve ser objeto, espera-se, de exame mais cuidadoso por parte do atuais ministros Buarque, Berzoini e Palocci. Porque não se deve mexer no pouco que está dando certo. Vale examinar com maior cuidado universidades particulares que prestam efetivo serviço público à Nação, a exemplo de congêneres famosas em outros países, como Harvard, Princeton, Stanford. Pois no Brasil ficamos no meio do caminho, com os defeitos de um pseudo-estatismo à francesa, mais as perversões da departamentalização e avaliação à americana e... salários de Terceiro Mundo. Com estímulo do governo e maior aporte de fundos de particulares lúcidos, ainda tímidos no Brasil, poderão elas sonhar em ultrapassar seu modestíssimo desempenho de hoje. Por seu lado, urge que as universidades públicas redefinam seus vínculos com o Estado, examinando a fundo essa autonomia fictícia, a inadimplência crônica e a dependência de agências financiadoras externas, buscando novos meios que permitam reencontrar os objetivos fundamentais perdidos no atual modelo de gestão. Com suas congregações banalizadas, conselhos universitários entorpecidos e departamentos inoperantes, a universidade corre o risco de perder - mais uma vez - o bonde da História. Já agora, sem a (des)culpa da ditadura. * Historiador, professor-titular de História Contemporânea da USP, membro do Programa de Pós-Graudação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, foi o primeiro diretor do Instituto de Estudos Avançados (USP, gestão Goldemberg) e professor-visitante em várias universidades européias e norte-americanas

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