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Por Agencia Estado
Atualização:

O Brasil ficou chocado ao ser classificado como um dos piores, entre 41 outros países, na área de educação. A tristeza e a vergonha que esse resultado nos passa são ainda piores se considerarmos três fatos. Primeiro, a análise da Unesco leva em conta apenas crianças e jovens que estão na escola; não considerou os milhões que nem sequer freqüentam as aulas. Este ano, a escola pública brasileira tem 5,6 milhões na primeira série do ensino fundamental e somente 1,8 milhão na última do ensino médio. Isso indica que cerca de 30% das nossas crianças entre 6 e 17 anos de idade estão fora da escola. Nem ao menos entraram no relatório da Unesco e, se tivessem entrado, nossa situação seria muito pior. Segundo, somos o pior de todos, se considerarmos nossa riqueza, nossa renda, nossa organização social e a força do setor público brasileiro. Os países que ocupam posições parecidas com a nossa são mais pobres, com governos sem renda e sem universidades no patamar das brasileiras. Terceiro, ao analisarmos a vergonha de estarmos entre os piores países do mundo em educação, esquecemos de analisar aqueles que estão entre os primeiros. Entre os países que apresentaram bons resultados, pelo menos três estavam em situação parecida com a brasileira três décadas atrás. Não fizemos o mesmo porque preferimos outras prioridades. Há 30 anos, a Irlanda era um país pobre, com elevado índice de analfabetismo e população pouco educada: figurava entre os últimos na Europa. Quando surgiu a possibilidade de ingresso na Comunidade Econômica Européia, em 1973, os três partidos políticos da época reuniram um grupo de pessoas, escolhidas entre personalidades nacionais e dirigentes políticos, para responder a uma pergunta: o que fazer para a Irlanda se transformar num país desenvolvido, voltado para o futuro? No lugar de mais infra-estrutura econômica e desperdício em prédios públicos, a decisão foi a de que o país concentraria seus investimentos, ao longo das décadas seguintes, independentemente de resultados eleitorais, em três objetivos: saúde de qualidade e gratuita para todos, educação de excelência para todos e ciência e tecnologia de ponta. Desde então, a Irlanda investiu contínua e prioritariamente na educação de seu povo. O resultado está no mesmo relatório que envergonhou o Brasil: a Irlanda é hoje um dos países com a melhor educação, entre todos do mundo. Mas não foi apenas a Irlanda. No começo dos anos 1970, a Espanha tinha um índice de analfabetismo quase igual ao do Brasil de hoje. Suas escolas eram para poucos e de qualidade inferior às de quase quaisquer outras na Europa. Naqueles anos, a Espanha deu uma virada em suas prioridades e fez da educação um projeto central. De lá para cá, aquele país mudou diversas vezes de governo, mas a educação continuou como setor prioritário. A Espanha hoje não tem analfabetismo de adultos, tem toda criança na escola e aprendendo, tem um sistema universitário de qualidade e está entre as primeiras posições na classificação da Unesco. Não foram apenas esses dois países. A Coréia do Sul, que está na frente da Espanha e da Irlanda, começou os anos 1960 com todas as marcas de uma longa guerra civil: um país rural, pobre, sem educação; 40 anos depois, ocupa o primeiro lugar em algumas categorias. Tudo graças a uma política sistemática de investimentos em educação. O resultado não ficou na educação. Por meio dela, esses países conseguiram um imenso avanço econômico, aumentaram a renda, as exportações, o nível de emprego, o respeito internacional. O Brasil também pode. Quando fizeram a opção pela educação como setor prioritário, esses países tinham economias mais pobres do que a brasileira e governos com rendas menores do que o Brasil. A diferença é que contaram com uma coalizão suprapartidária capaz de construir a vontade política necessária para definir a prioridade nacional. Como a que o Brasil teve, desde os anos 1950, em favor da industrialização e da construção de uma poderosa infra-estrutura. Seria preciso pouco para que o Brasil, ao longo dos próximos 30 anos, se transformasse num líder mundial em educação. Primeiro, precisa acabar com o fingimento de que está educando, apenas porque consegue matricular um pouco mais de crianças. Educação é tão importante que nenhum governo tem o direito de manipular os dados para dar impressão de que as coisas vão bem. Segundo, é preciso deixar de se vangloriar da vergonha, ufanando-se de ter 95% das crianças matriculadas, no lugar de pedir desculpas porque, em pleno século 21, tem 5% que nunca foram à escola. Isto é, definir a meta de matricular 100% das crianças e garantir sua permanência na escola até o final do ensino médio, o que hoje não ocorre para um terço das crianças e dos jovens que vão abandonando a escola ao longo do processo. Terceiro, precisa garantir que as crianças não apenas fiquem na escola, mas aprendam, e o principal caminho para isso, além de investimentos em equipamentos, é o professor. É preciso fazer com que o professor seja um profissional bem remunerado, bem preparado e dedicado, investir na cabeça, no coração e no bolso do professor. Isso custaria muitas vezes menos que o que foi gasto para criar a infra-estrutura econômica; não custaria mais, em 15 anos, do que o equivalente a duas Itaipus. Sobretudo, custaria muito menos do que o que será preciso gastar daqui a 20 ou 30 anos para corrigir os desastres decorrentes da falta de educação. Isso exige uma condição preliminar: uma grande coalizão nacional, entre partidos, lideranças, Estados, municípios e União, todos voltados para o objetivo de chegarmos a 2022, o segundo centenário da Independência, sem a vergonha da semana passada. O destaque dado pela imprensa ao resultado do exame da Unesco é prova da importância que o Brasil começa a dar à educação; além disso, temos um presidente, um governo e um partido comprometidos com o setor educacional. Por isso, a mudança é possível e a hora é esta.

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