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É hora de tirar a máscara das crianças nas escolas? Discussão divide pais e especialistas

Parte dos pais e dos médicos fala em prejuízos aos mais novos; outro grupo vê risco sanitário na ideia

Foto do author Renata Cafardo
Por Renata Cafardo
Atualização:

Depois de os Estados Unidos e países europeus flexibilizarem nas últimas semanas o uso de máscaras por crianças em escolas, o debate ganha força no Brasil. Shows, restaurantes e festas com adultos sem qualquer proteção e fiscalização têm feito pais e mães reclamarem da rigidez imposta aos alunos, sobretudo aos menores.  Estudos científicos publicados recentemente sobre o tema não são conclusivos. Alguns apontam impactos importantes nas interações com professores e colegas. Outros não reportam esses efeitos. A polêmica também divide famílias e especialistas. Um grupo preocupa-se com prejuízos ao desenvolvimento das crianças, nas relações sociais e na alfabetização. E outros apontam o fato de os menores não estarem com o esquema vacinal completo e dizem que os índices de casos e mortes por covid-19 ainda são altos para deixar de usar máscaras – uma das armas mais eficazes contra a covid-19, segundo pesquisas. Embora haja queda recente, a média de óbitos no Brasil estava em 690 por dia ontem – causados pela explosão da variante Ômicron, mais contagiosa. 

Exigência do uso de máscaras em escolas tem sido discutida em outros países, como nos Estados Unidos Foto: Kaylee Greenlee Beal/Reuters - 11/01/2022

Segundo apurou o Estadão, o tema já começa a ser discutido no governo de São Paulo e com entidades da rede particular, mas ainda com ressalvas. A segunda quinzena de março é considerada como uma possibilidade para que as máscaras possam passar a ser flexibilizadas no Estado e em escolas, dependendo da gravidade da pandemia após o carnaval. A gestão Eduardo Leite (PSDB) anunciou no sábado, 26, a suspensão da obrigatoriedade de máscaras para menores de 12 anos no Rio Grande do Sul.  Com a melhora nos índices da pandemia, o Central for Disease Control and Prevention (CDC), órgão federal de controle de doenças americano, decidiu na sexta-feira que as máscaras só serão necessárias em escolas que estão em locais onde há alto risco de transmissão. E passou a considerar não só um, mas três fatores para essa classificação: novas internações por covid, porcentagem de leitos ocupados pela doença e número de casos por 100 mil habitantes da última semana. Antes disso, Estados e cidades até governados por democratas, como Nova Jersey, já anunciavam o fim da exigência de máscaras nas escolas.

Mariana Pereira, mãe de Marcelo e Gustavo, defendeatividades ao ar livre sem máscara no recreio ou na educação física Foto: Helcio Nagamine/Estadão - 18/02/2022

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Queixas

A empresária Mariana Ruske Pereira, de 39 anos, mãe de dois filhos, acredita que já é a hora de as crianças ao menos fazerem atividades ao ar livre sem máscara no recreio ou na educação física. A cidade de Nova York anunciou na sexta que não será mais preciso usar máscaras nas partes externas das escolas.  “Não é só questão de incômodo, há um impacto importante numa janela de desenvolvimento", diz. Ela conta que o filho Marcelo, de 6 anos, já tinha problema de fala antes da pandemia, mas ela afirma que não melhora por causa da máscara. “Ele não consegue coordenar a fala com respiração, os colegas não o escutam, já começou a se sentir intimidado, inseguro, bem na fase de alfabetização.”  O tema, como muitos relacionados à pandemia, suscita emoções e polarização. A arquiteta Manuela de Souza, de 38 anos, mãe de um menino de 8 e uma de 5, afirma se sentir intimidada de falar sobre o assunto na escola porque teme ser tachada de “negacionista”.  Ela conta que, no fim de 2021, a turma toda do filho se emocionou ao tirar as máscaras por segundos para que a professora pudesse conhecer seus rostos. Na escola onde estudam, as crianças são proibidas de conversar durante o lanche por estarem sem proteção.  “Mais uma vez estamos fazendo as escolhas erradas, não priorizando a educação”, diz Isabel Quintella, porta-voz do movimento Escolas Abertas, que surgiu na pandemia para defender aulas presenciais. Ela faz referência a Estados e municípios que fecharam as redes de ensino em 2020 e 2021, mas deixaram bares e restaurantes abertos. O grupo pede a flexibilização das máscaras para crianças o quanto antes.  Estudo publicado em fevereiro por cientistas do Canadá e de Israel concluiu que a máscara causa “robusta piora” nas habilidades de reconhecimento facial das crianças, o que pode ter “efeitos significativos nas interações sociais e na habilidade delas de formar relações com os professores”. Por meio de fotos de pessoas com máscara ou não, a pesquisa testou a capacidade de alunos do ensino fundamental reconhecer expressões em rostos, considerado por estudos anteriores como importante para a percepção holística do outro, com emoções, vozes etc.  Outra pesquisa, de 2020, publicada na revista científica Plos One, pediu a crianças americanas de 7 a 13 anos que identificassem sentimentos como felicidade, medo, raiva, tristeza e surpresa em imagens de pessoas com máscaras cirúrgicas e sem. Foram colocadas também fotos de pessoas com óculos de sol. A conclusão foi que “embora possa haver alguma perda de informação emocional por causa das máscaras” elas ainda conseguiram inferir emoções. O impacto, segundo o estudo, foi semelhante ao observado quando se usa óculos de sol. 

Cautela

Independentemente dos resultados sobre impactos, as pesquisas deixam claro a inquestionável proteção das máscaras na transmissão da covid-19, especialmente de modelos PFF2 e N95. “Sou a favor das máscaras em crianças, mas isso não significa que ela não vai ter dano psicológico no médio ou longo prazo que não precise ser explorado”, diz o epidemiologista brasileiro e pesquisador da Universidade de Zurich, na Suíça, Onicio Leal.  Para ele, ainda não há evidências claras para nenhum dos dois lados, mas a ciência precisa continuar pesquisando o assunto. Especialmente, ele diz, estudar a efetividade das máscaras já que as crianças muitas vezes não a usam de maneira adequada. Leal é um dos autores do mais abrangente estudo, publicado este mês numa revista científica internacional, que mostrou que a abertura de escolas no Brasil não piorou a pandemia.  Maria Fernanda, de 11 anos, foi a última a voltar para o ensino presencial na escola particular onde estuda, na zona norte de São Paulo. A mãe, a psicóloga Katia Vieira, de 47 anos, diz que só cedeu em prol da saúde mental da menina. “A pandemia não acabou, não entendo porque as pessoas acham que está tranquilo para arrancar as máscaras”, afirma.  Katia se preocupa também porque há famílias que se recusam a vacinar seus filhos na escola. “Ninguém gosta de usar máscaras, mas elas são também uma questão de civilidade, eu me protejo para proteger o outro.” As crianças não são o grupo de maior risco para a covid-19, mas também podem ter o quadro de infecção agravado – principalmente aquelas com comorbidades.  A pedagoga Lilian Felix, de 41 anos, tem um filho de 10 anos e teme que, sem as máscaras, aumente o risco de casos nas escolas, o que levaria a um fechamento das instituições novamente. “Ai vai afetar a criança muito mais.”  Há dez dias, houve conflito entre as áreas da Saúde e da Educação em São Paulo sobre fechar turmas e escolas com surtos de covid. Secretário estadual da Educação, Rossieli Soares defende que os casos sejam analisados pela Vigilância Sanitária e só quando houver grandes surtos todas as crianças da turma sejam enviadas para casa. Já a Secretaria da Saúde publicou nota em que previa fechar escolas com surtos, caracterizados com dois casos de covid na mesma unidade. Depois, porém, a Saúde esclareceu que também haverá avaliação da Vigilância.

Desafios

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Nas escolas particulares, diretores e professores percebem as dificuldades em uma educação com máscaras, mas também há medo e dúvidas. “Sabemos que ela reduz a transmissão da covid, mas não podemos ignorar que há um custo. E isso pode aparecer só daqui a alguns anos nas crianças”, diz o diretor do Colégio Itatiaia, que tem nove unidades na capital, Carlos Lavieri. Ele conta que professores de Inglês, por exemplo, têm reclamado da dificuldade de ensinar a pronúncia correta das palavras e de entender o que o aluno está tentando dizer.  A alfabetização, que ocorre nos primeiros anos do fundamental, também é uma preocupação. A maior questão, de acordo com especialistas, é prejudicar o vínculo e a comunicação entre professores e crianças, cruciais para aprender a ler e escrever.  “Esse rito de passagem para o ensino fundamental é revestido de forte apelo emocional, a criança precisa sentir que pertence à escola, gostar da professora, para se interessar pelo que ela apresenta”, diz a professora de pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Silvia Colello. “A máscara atrapalha essa interação e o enlace afetivo.”  Mas, para ela, é possível ensinar mesmo com a proteção que os protocolos exigem. “Existe uma pressuposição de que a aprendizagem da escrita seja uma transposição de fonemas para grafemas, mas ela é muito mais que isso, tem uma função social e a professora precisa mostrar isso.” A Europa também começou a flexibilizar o uso em lugares fechados e escolas, como no Reino Unido, na Suíça e na Polônia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda máscaras para crianças de 5 a 11 anos quando há alto risco de transmissão da covid no local, mas indica levar em conta impactos na aprendizagem e no desenvolvimento. O uso não é indicado em atividades físicas, como correr, pular ou brincar em parquinhos, mas a OMS pede distanciamento. “Em breve, vamos considerar apenas recomendações pontuais de uso de máscara, como quando houver surto de influenza (gripe) ou covid. Ou decisões individuais, de pais que quiserem manter”, diz o presidente do departamento de infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, Marco Aurélio Safadi. A tendência é que o Brasil siga o que acontece com outros países. “O ponto principal é a vacinação, ela que vai garantir a gente fazer a transição para convívio com o vírus. Teremos de aprender a conviver com o vírus.” 

Protocolos

  • A favor da exigência

Parte dos pais e dos especialistas afirma que é cedo para desobrigar o uso de máscaras, pois ainda há significativa transmissão da covid-19 e grande parte das crianças ainda não tomou as duas doses da vacina. 

  • Contra a exigência 

Outra parcela defende o fim da obrigatoriedade, sobretudo dos mais novos, por causa dos prejuízos emocionais e de aprendizagem. Uma das propostas é permitir que fiquem sem máscara ao menos ao ar livre, como no recreio e na educação física. 

  • Diretrizes da OMS

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A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta não exigir de menores de 5 anos. Para a faixa de 6 a 11 anos, diz a entidade, a decisão envolve análise de riscos, considerando intensidade da transmissão, capacidade de usar corretamente e com supervisão adulta, impacto na aprendizagem e no desenvolvimento, horas de atividades esportivas e deficiências. Para acima de 12 anos, a OMS orienta seguir os mesmos protocolos dos adultos.

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