
19 de junho de 2019 | 17h18
Atualizado 19 de junho de 2019 | 22h39
SÃO PAULO - Os professores brasileiros são alvo de mais intimidações e lidam em proporção maior com o bullying entre os alunos do que a média internacional, além de perderem mais tempo com atividades não relacionadas ao ensino. É o que mostra a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis, na sigla em inglês), feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com 250 mil professores e diretores de escolas de 48 países ou regiões.
Em média, os professores no Brasil passam só 67% do tempo em atividades ligadas ao processo de aprendizado. O restante é dedicado a tarefas administrativas, como a chamada de presença, ou disciplinares, como manter a ordem na classe. A relação entre alunos e deles com os professores também preocupa. No Brasil, 28% dos diretores escolares dizem ter testemunhado casos de intimidação ou bullying entre estudantes – o dobro da média da OCDE.
Semanalmente, 10% das escolas brasileiras registram episódios de intimidação ou abuso verbal contra educadores, com “potenciais consequências para o bem-estar, níveis de estresse e permanência deles na profissão”, diz a pesquisa. A média internacional é de 3%.
Quando os ataques miram funcionários da escola, o Brasil é o segundo com a maior porcentagem – atrás apenas do norte da Bélgica. A estatística pode ser ilustrada pelo caso recente de dez alunos que atiraram cadeiras e livros contra uma professora na Escola Estadual Maria de Lourdes Teixeira, em Carapicuíba, Grande São Paulo, no fim de maio. O vídeo da agressão se espalhou nas redes sociais e nove envolvidos no episódio chegaram a ser detidos.
A professora Maria Carlota Galvão, que dá aulas de Artes em uma rede municipal no litoral do Rio, diz ver o contexto de violência influenciar na escola cotidianamente. “Os conflitos da escola vêm sempre um pouco de fora porque a sociedade está toda desmoronando ao redor, mas precisamos ensiná-los a conviver com todos esses relacionamentos que têm na família e entre si”, diz ela, de 48 anos.
Relatos de intimidação não são incomuns, até fora do contexto escolar. “Nas redes sociais, alguns alunos esquecem que aquilo é um ambiente público e ofendem (em mensagens ao professor)”, conta a professora Lidiane Christovam, de 41 anos, que deu aula de Matemática por mais de uma década em colégios particulares da capital paulista e leciona em universidade há cerca de dois anos.
Já a pesquisadora Luciana Lapa, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral, ligado à Universidade Estadual Paulista (Unesp) e à Universidade de Campinas (Unicamp), diz que a mediação de conflitos e de casos de bullying nas escolas geralmente falha ao tratar o comportamento dos alunos. “Fica esquecida a parte da reflexão, que é muito mais trabalhosa do que o castigo, a suspensão. Você pune e não forma”, afirma a especialista. “É preciso uma intervenção não apenas punitiva, mas que promova uma tomada de consciência.”
O relatório da OCDE destaca também o efeito cumulativo do desperdício de tempo no aprendizado do estudante – poucos minutos durante as aulas representam dias perdidos no fim do ano. O Brasil é o terceiro país com o pior aproveitamento de tempo em sala de aula, à frente apenas da África do Sul e da Arábia Saudita. Na média, nos países que integram a OCDE, os professores aproveitam 78% da aula com as atividades de ensino.
Especialistas dizem que o desempenho do País está relacionado à falta de preparo dos professores – o que envolve desde inexperiência em sala de aula até profissionais alocados em disciplinas fora de sua área de formação. E há a falta de compreensão das demandas de alunos, cada vez mais estimulados pela tecnologia.
A professora Lidiane Christovam vê uma sobrecarga nas responsabilidades de docentes. Ela diz que o tempo dedicado ao planejamento das aulas foi tomado por demandas como o relacionamento constante com a escola e os pais, o uso das plataformas digitais do colégio e a capacitação constante. Ao mesmo tempo, acha que atividades no contraturno da escola muitas vezes retiram o tempo que os alunos têm para socializar – por isso, usam o tempo da aula para isso.
“De maneira geral, o professor, hoje, tem demanda maior para fornecer material (didático) para portais escolares e, a grosso modo, ele ampara o aluno muito mais do que na minha época de estudante”, opina ela.
Ao comentar os dados, o Ministério da Educação (MEC) disse que a pesquisa ajuda a o governo federal e as secretarias locais a abordarem a realidade do ensino e da aprendizagem de forma mais assertiva.
Apesar da baixa taxa de inclusão de alunos com algum tipo de deficiência nas salas de aula, professores brasileiros são os que mais demandam treinamento e formação para dar ensino de qualidade a esses estudantes. Dados da pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis, na sigla em inglês), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que os educadores reconhecem ter dificuldade para atuar com turmas onde há crianças com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento.
Apenas 11% dos professores do 5.º ao 9.º ano do Brasil disseram atuar em salas de aula com ao menos 10% de alunos com alguma deficiência - a média dos países da OCDE é de 27%. Apesar de 73% dos docentes afirmarem que receberam algum tipo de orientação sobre como atuar com alunos com deficiência durante a graduação, 58% dizem que sentem muita necessidade de ter um treinamento voltado especificamente para o assunto - enquanto a média da OCDE é de 22%.
Nos últimos quatro anos, o Brasil registrou aumento de matrículas de alunos desse grupo na educação básica, com 90,9% deles estudando em classes regulares, como é recomendado. No entanto, não há levantamento que indique quantas crianças com algum tipo de deficiência ainda estão fora da escola.
“É um problema que ainda estamos enfrentando a passos lentos e não sabemos nem quão longe estamos de resolver. Além disso, há diferenças regionais preocupantes. Em Estados ricos, como São Paulo, a inclusão é maior. Em regiões mais pobres, essas crianças não chegam à escola”, diz Maria da Paz Castro, a Gunga, que atua na formação de professores e é assessora de educação inclusiva em escolas particulares.
O baixo índice de inclusão também está ligado à prática ilegal de uma parte dos colégios particulares, que se nega a matricular crianças com deficiência ou cria “cotas” para um número máximo de estudantes desse grupo por turma. A arquiteta Karen Neves, de 42 anos, enfrenta há anos dificuldades para encontrar uma escola inclusiva para a filha Nina, de 8 anos, que tem autismo.
A família mudou para São Paulo para que a menina pudesse ter acesso a educação e tratamento de melhor qualidade. “Morávamos em Poços de Caldas (MG), ela passou por duas escolas e percebi que não tinham condições de dar a educação que minha filha precisa. Em uma das delas, foi ‘convidada a sair’ aos 2 anos de idade e na outra, por mais boa vontade que houvesse dos professores para incluí-la, não tinham conhecimento ou experiência.”
Para Maria da Paz, escolas que sejam de fato inclusivas beneficiam a todos e deveriam ser uma demanda de toda a sociedade, não apenas das famílias de crianças com deficiência. “Educação inclusiva significa ensinar a todos os alunos, independentemente da dificuldade de cada um. Todos se beneficiam.”
Segundo o relatório do OCDE, um primeiro passo importante para os sistemas educacionais é investir na identificação e no diagnóstico de deficiências e transtorno dos alunos. “O que professores percebem como problemas de comportamento podem ter outras explicações. O erro de diagnóstico é custoso para os estudantes, docentes e ao sistema educacional como um todo”, diz a entidade.
A OCDE recomenda que a formação docente inclua uma preparação que ajuda a detectar possíveis transtornos entre os alunos.
Procurado, o Ministério da Educação (MEC) informou que uma proposta de revisão da política de educação especial foi encaminhada ao Conselho Nacional de Educação no fim do ano passado.
É diretor executivo do Instituto Singularidades
1. O que explica o pouco tempo dedicado ao conteúdo em escolas brasileiras?
Existem muitos aspectos, mas um deles é que somos muito focados na aula expositiva, e ela exige que o aluno fique ali imóvel, olhando. Há muitos atrasos entre uma aula e outra, muitos professores escrevem antes (da aula) na lousa, e tudo isso é dissipação de tempo. Além disso, a possibilidade de dispersão no cotidiano por causa da cultura digital é gigantesca.
2. Por que as escolas não atendem melhor às necessidades de especiais?
Nós, professores, saímos da universidade completamente despreparados para trabalhar as exceções. E isso não deveria estar a cargo só do professor. Se você trabalha de maneira cooperativa, o próprio grupo pode fazer o manejo dessa diversidade - às vezes nem chegam a ser patologias. Os alunos se ajudam e o professor faz a orientação desse processo.
3. O que explica a quantidade alta de bullying e intimidação a professores?
No Brasil, até 35% dos professores não são especialistas no assunto (do qual dão aula). Então entra um professor inseguro na sala de aula, e um jovem, quando está em fase de afirmação, vai testar. E há questões externas, do núcleo familiar do aluno, seja pobre ou rico. Muitas vezes o pai do aluno não está lá. O fator social também é importante.
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