Do lado de fora, muitos elogios e algumas cobranças

Formadora de quadros, criadora de uma visão crítica do País, a USP sofre com burocracia e precisa se modernizar, dizem os não uspianos

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Por Gabriel Manzano
Atualização:

Avaliada fora de seus longos muros e grades verdes, a Universidade de São Paulo chega aos 80 anos com excelentes notas. Poderiam ser ainda melhores, admite a maioria dos consultados, se o País tivesse uma educação de base adequada. E ela estaria mais perto do topo nos rankings mundiais se tivesse, principalmente nas Humanas, uma produção bilíngue. Seu retrato de octogenária, mostrado a um amplo universo não uspiano, despertou expressões como "um enorme sucesso", "destacado centro de referência", "primeira janela brasileira para o mundo" e até mesmo um "joia da coroa".

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Quase todos dão um desconto ao examinar os problemas da instituição. "O que são 80 anos, perto dos quase mil anos de algumas europeias?", compara o ex-ministro da Educação e hoje senador Cristovam Buarque. "Ela se saiu bem, mas imagine o que não faria a mais se o País tivesse uma educação de base eficiente", avalia a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, biomédica da Unifesp. Segundo ela, a USP tem feito "um esforço gigantesco" para se modernizar, para integrar no mesmo espírito universitário unidades autônomas como Direito, Medicina e Politécnica.

A "investida europeia" já nos anos 30 é tida como um dos grandes lances de sua história. "Lá atrás, a universidade já entendeu que o essencial era gerar conhecimento, não só transmiti-lo, e foram buscar gente de peso", pondera a presidente da SBPC. Esses professores "oxigenaram o debate e ajudaram a formar os fundadores da Sociologia no País", reconhece Maria Celina d’Araújo, da PUC-Rio. Talvez por isso, a instituição queimou etapas rapidamente. "Nesses breves 80 anos a USP desbancou a multissecular Universidade Autônoma do México", destaca o historiador mineiro-carioca José Murilo de Carvalho. Isso lhe permitiu, diz ele, "desenvolver uma narrativa do Brasil alternativa à dos centros do poder".

Legado. Outro carioca, Luiz Werneck Vianna, homenageia a instituição como "um lugar de resistência ao autoritarismo, no qual os mestres, sem alarde nem partidarismo, repassavam o legado cultural" às novas gerações. Vianna inclui na lista de qualidades a ajuda e proteção que a USP deu a tanta gente - no caso dele, "mal saído de uma temporada nas cadeias da ditadura", pelas mãos de Carlos Estevam Martins e Francisco Weffort. Dos EUA, o cientista político Scott Mainwaring, da Universidade Notre-Dame (de Indiana), revela: "Pessoalmente, me beneficiei muito na USP do contato com seus mestres". Autor de livros sobre a democracia no continente e de palestras no Brasil, Mainwaring afirma que "fora das democracias industrializadas a ciência política da USP é uma das principais do planeta".

A Faculdade de Direito, no Largo de São Francisco, é reverenciada por todo o mundo jurídico. "Como as áreas de Engenharia ou Medicina, ela atravessou décadas fornecendo quadros superiores" ao País, diz o jurista Carlos Ari Sundfeld, formado na PUC paulista e fundador da Direito GV. Em brevíssimos números: de lá saíram 12 presidentes da República e 53 ministros do STF. "Esse oficialismo não a impediu de ser um centro da oposição", pondera Sundfeld. E hoje ela precisa "encarar o desafio de aumentar a qualidade e ter um impacto real no mercado de ideias e formação profissional". Mais compreensivo, o presidente da Ordem dos Advogados paulista, Marcos Costa, diz que ela manteve o nível "apesar da massificação do ensino jurídico no Brasil".

Exatas. No universo das Exatas a instituição também tirou boas notas. Ruy Quadros, titular de Política Científica nas Geociências da Unicamp, saúda suas contribuições "tanto em Exatas e Engenharias como em Biomédicas e Humanas". Ele destaca a Faculdade de Economia e Administração e a Engenharia de Produção da Politécnica, "onde pioneiros como Eduardo Vasconcelos e Afonso Correa Fleury formaram gerações de pesquisadores".

A USP é "uma das poucas experiências bem-sucedidas" no ensino superior do País, diz o médico Rubens Belfort Mattos Jr., da Unifesp, "mas ela teria mais êxito se as instituições públicas não fossem tão engessadas e engessantes". A crítica vai para entidades como Anvisa e Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, o Conep, por ele tidos como "centralizadores e burocráticos".

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Mas a universidade não foi poupada de cobranças. Ela "perdeu seu charme inovador há algumas décadas, e não foi por causa da ditadura", diz Maria Celina d’Araújo. Cristovam Buarque denuncia o partidarismo que a invadiu e a afasta dos meios empresariais. O sistema de estabilidade dos funcionários dificulta cobranças de qualidade, diz Rubens Mattos Jr. Na mesma toada, o cientista político mineiro Fábio Wanderley Reis adverte: "A recente perda de posições em rankings respeitáveis não permite dormir sobre os louros".

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