Demanda das famílias faz colégios de SP adotarem períodos de até 12 horas

Escolas particulares relatam aumento desse tipo de matrícula, sobretudo na educação infantil; custo extra não fica abaixo de R$ 500, mas atrai aqueles que não têm com quem deixar os filhos ou buscam oferecer atividades supervisionadas

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Por Isabela Palhares
Atualização:

Com a demanda do mercado por longas jornadas de trabalho, colégios particulares de São Paulo têm oferecido períodos escolares de até 12 horas para as famílias. A maior procura é a dos pais de crianças ainda na educação infantil (de zero aos 5 anos), mas também há oferta para o anos iniciais do ensino fundamental (dos 6 aos 10 anos).

No colégio São Vicente de Paulo, a unidade da Penha, na zona leste da capital, teve só neste ano um aumento de 40% no número de alunos que passaram a ficar 12 horas, em vez de 5 horas. A diretora Soreny Augusti diz que, entre as crianças de 4 meses a 2 anos, 80% já ficam na escola entre 10 e 12 horas – há dois anos, cerca de 50% ficava nesse período estendido. 

No São Colégio Vicente de Paulo, zona leste da capital, crianças tomam banho e mamadeira ao chegar e depois brincam. Foto: Felipe Rau

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“Essa procura está relacionada à demanda cada vez maior do mercado de trabalho, à dificuldade de encontrar uma babá. Além disso, com a mudança da lei para empregados domésticos, esse tipo de contratação ficou muito cara. Os pais dão preferência para a escola porque sabem que é um lugar mais adequado, com profissionais preparados”, diz Soreny. O período de 12 horas, até os 2 anos, custa R$ 1.506 e é quase o dobro do de 5 horas, de R$ 795.

As crianças começam a chegar na escola às 6h30, apesar de as aulas só começarem às 7h. O período acaba às 19 horas, mas alguns pais só vão buscar filhos às 19h30. A rotina do colégio busca aproximar-se ao que elas teriam em casa. “É como se fosse o cuidado dos pais. Às vezes até mais porque nós temos a visão do que a criança precisa para um bom desenvolvimento.” 

Logo que chegam à escola, as crianças tomam banho e mamadeira, depois brincam e têm atividades para estímulo sensorial. “Depois, no fim do dia, já volta para casa alimentada e com banho, pronta para dormir.” Como os alunos passam muito tempo no colégio, a equipe conta com um pediatra para ajudar os educadores a identificarem possíveis problemas de saúde, como dificuldade de audição ou na fala. 

Desde os 10 meses, Manuella Rolo, que tem agora 1 ano, fica no colégio por 12 horas. A mãe, Mirella Luiz Rolo, de 38 anos, que é bancária, buscou o período mais longo depois de trocar de emprego. “Meu filho mais velho já tinha ficado em período estendido quando era menor e eu sabia que era a melhor opção para o desenvolvimento dela. Em alguns meses, ela já ficou mais independente e comunicativa pelo contato com outras crianças. Ela é feliz na escola.”

O colégio Santa Amália, também na zona leste, registrou neste ano um aumento de 65,3% de crianças de 2 a 5 anos que passaram do período de 5 para 10 ou 12 horas. Os alunos chegam a partir das 7 e saem às 19 horas – mas a unidade fica aberta até as 20 horas por causa do atraso de alguns pais. “As famílias têm um ritmo puxado, ainda mais em uma cidade como São Paulo, com muito trânsito, e nos adequamos para atender bem as crianças”, diz a diretora, Maria Zélia Dias. 

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Atividades. O colégio Vértice, na zona sul da capital, oferece desde o segundo semestre de 2015 o período complementar, à tarde, para as crianças de 3 a 10 anos. No primeiro ano, eram 35 crianças e, hoje, já são 82. Elas chegam às 7 para o período regular e, depois do almoço, descansam, brincam, fazem a lição de casa e atividades extracurriculares – de inglês, artes e esportes – até as 18 horas. O custo para o período adicional varia de R$ 508 (1 dia na semana) a R$ 2.127 (5 dias), além do valor da mensalidade regular, que para a educação infantil é de R$ 2.750. 

“Montamos esse período complementar por uma demanda dos pais. Nossa preocupação era de que na segunda parte do dia conseguíssemos oferecer um ambiente sem cara de escola, onde pudessem descansar e ter atividades diferentes”, diz a diretora Maria Helena Costa.

A funcionária pública Ana Luiza Suguiura, de 36 anos, matriculou os dois filhos de 5 e 7 anos no período complementar e já planeja no próximo ano colocar a caçula, quando completar 3 anos. Antes do colégio estender o horário, os filhos passavam a tarde com uma babá. “Foi uma experiência ruim, porque em casa eu não tinha controle. Com receio de contrariar as crianças, ela deixava fazer o que queriam. Então, só assistiam TV, comiam, ficaram mais arredios e indisciplinados.” Por isso, ela defende que na escola há mais benefícios para o desenvolvimento cognitivo e emocional.

O colégio Porto Seguro, no Morumbi, também oferece o período complementar, que já é a opção dos pais para cerca de 40% das crianças do infantil e 20%, do fundamental 1. Depois das aulas regulares, os alunos têm no período da tarde aula de natação, balé, judô e inglês. “As famílias demandaram essa ampliação por necessidade, mas também porque conseguimos desenvolver melhor uma série de habilidades motoras, socioemocionais e cognitivas. Não é uma visão assistencialista, de ter apenas um lugar para a criança ficar”, disse Tânia Regina Ruivo, coordenadora do colégio.

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'Exigência do mercado'. Para especialistas em saúde e educação, a procura dos pais pelas escolas com período integral estendido deve ser compreendida dentro do contexto atual, com a demanda do mercado de trabalho e as dificuldades das grandes cidades. No entanto, alertam, na primeira infância, o mais importante para o desenvolvimento é o afeto. 

Segundo o médico Daniel Becker, do Instituto de Pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), há um “mito” de que a escola seja mais estimulante. “Para a criança pequena, a convivência com um único cuidador é mais benéfica do que com quatro ou cinco educadores e um monte de bebês, com quem ele não vai interagir de forma efetiva. Isso já foi demonstrado exaustivamente pela neurociência. Para o seu desenvolvimento e segurança afetiva, a relação um para um é mais benéfica”, diz.

“Por melhor intencionados e preparados que sejam os profissionais das escolas, não vai haver uma relação afetiva de fato. Além disso, as famílias podem não desenvolver intimidade com o filho e, isso sim, é prejudicial para o desenvolvimento da criança.”

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Para ele, os pais não devem ser culpados, mas devem se planejar para, ao menos algumas vezes, buscar os filhos mais cedo na escola e fazer atividades em conjunto e fortalecer laços. 

Beatriz Ferraz, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), diz que é fundamental que as famílias organizem uma rotina e momentos de qualidade com a criança. “Seja no café da manhã ou quando ela chega da escola. É importante um tempo de interação, a conversa e brincadeira são situações muito privilegiadas para estabelecer vínculos.” 

A especialista alerta que é preciso cuidado para que as escolas com longos períodos não fiquem todo o tempo “superestimulando” os alunos. “Elas têm de ter a opção de ficar sozinhas ou sem fazer nada em alguns momentos. O excesso pode ser prejudicial biológica e emocionalmente”, diz. 

Saúde. Becker lembra que pediatras não recomendam a entrada de crianças na creche até os dois anos pelo risco à saúde já, que até essa idade, o bebê ainda está no início da produção dos próprios anticorpos.

"Até os 8 ou 9 meses, a criança raramente fica doente porque ainda tem os anticorpos maternos que foram repassados durante a gravidez. Por isso, ela está protegida das doenças que a mãe já teve. Depois desse período, o bebê tem que produzir os próprios anticorpos. Se ele ainda estiver na creche com outras dez crianças, seu organismo vai ficar sobrecarregado. Por isso, crianças que vão para creche muito cedo ficam mais doentes e com doenças mais graves", diz. 

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