Cursos de pós-graduação levam criatividade à Engenharia

Em cada área de atuação, profissionais têm o desafio de fazer diferente e buscar soluções inovadoras

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Por Julia Marques
8 min de leitura

Do canteiro de obras ao hospital. Os espaços que requisitam engenheiros são diversos. Em todas as áreas, porém, o desafio é o mesmo: fazer diferente. Nos cursos de pós-graduação, profissionais descobrem o valor de práticas inovadoras e aprendem a propor soluções criativas em meio à recessão.

“Um profissional que passa cinco anos sem estudar fica obsoleto na maioria das áreas. Temos de formar pessoas que vão empreender, o que significa não só abrir empresas, mas melhorar e buscar soluções”, defende Vanderli de Oliveira, presidente da Associação Brasileira de Educação em Engenharia (Abenge).

Para especialistas, formações em Empreendedorismo e Inovação preenchem a lacuna de graduações ainda tradicionais. “Nossas escolas formam pessoas para buscar emprego”, diz Oliveira. Mesmo profissionais em cargos de liderança não abrem mão de especializações que ofereçam ferramentas mais atuais, como a análise de dados na web. Com o crescimento das cidades e a necessidade de adequação a exigências legais, áreas de mobilidade, saneamento básico, resíduos sólidos e energias renováveis constituem outros filões de trabalho para o engenheiro.

A escolha de uma pós pelo que dita o mercado, no entanto, deve ser refletida, segundo especialistas. É interessante que o profissional se pergunte que competências quer desenvolver com a especialização e tome cuidado com tendências passageiras. “O mercado azeda mais rápido do que leite. Uma especialização leva dois anos. O que vai acontecer em dois anos? Não sei”, pondera Mario Sergio Salerno, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

O Estado selecionou áreas promissoras, segundo especialistas, para engenheiros. Os cursos de pós-graduação lato sensu - alguns com estreia de turmas neste ano - têm foco na prática profissional e recebem alunos de várias áreas.

DE JALECO, O PLANEJAMENTO ATÉ DE CIRURGIAS

Alexsandra Figueredo: 'Omédico passa a confiar mais em você' Foto: Amanda Perobelli/Estadão

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Quando se formou em Engenharia de Produção, Alexsandra Figueredo, de 40 anos, não poderia imaginar que voltaria à sala de aula para estudar Anatomia e Fisiologia. Após se especializar em Engenharia Clínica, a profissional passou a coordenar toda a parte de equipamentos dentro de um hospital no ABC paulista e participa até do planejamento de cirurgias.

“Eu sabia o que os equipamentos faziam, mas não para que serviam e a importância de certos componentes.” Já no primeiro mês de curso no Hospital Israelita Albert Einstein, ela conheceu as normas e requisitos de segurança e criou um manual de gestão de tecnologias para o hospital onde trabalha. “Percebi que eu não tinha condições de assumir o que assumo hoje sem conhecimento.”

Formações em Engenharia Clínica e Hospitalar abrem as portas para um campo de trabalho promissor e carente de especialistas. “São aproximadamente 8 mil hospitais no Brasil e não temos talvez nem mil profissionais na área. O campo da Saúde cresce continuamente e não falta emprego. Recebemos alunos do País todo”, conta o coordenador da pós no Einstein, Antonio Gibertoni.

Para evitar desperdício de recursos, os alunos aprendem sobre manutenção preventiva. “Um equipamento de raio X adequadamente especificado atende a população por no mínimo 10, 15 anos”, afirma Gibertoni. Também absorvem conhecimentos para conseguir conversar com a equipe médica. “Já impedi a continuidade de um procedimento cirúrgico porque sabia que o equipamento não era correto. Com o curso, o médico passa a confiar mais em você”, diz Alexsandra.

Para o professor Reinaldo Lopes, coordenador do curso de Engenharia e Manutenção Hospitalar no Centro Universitário FEI, a especialização dá subsídios para o engenheiro conhecer as especificidades de gerenciar um hospital. “Temos aulas sobre tratamento de efluentes, destinação do lixo e gases medicinais, além do cuidado com infecção hospitalar.” 

INOVAR EM BUSCA DE SOLUÇÕES E OPORTUNIDADES

Inovação e empreendedorismo também se aprende na escola. Em tempos de crise econômica, cursos de pós-graduação que ajudem os profissionais da Engenharia a buscar saídas criativas - dentro da empresa onde trabalham ou em um novo negócio - se fortalecem.

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Com a economia desaquecida, pessoas que perderam seus postos de trabalho acabam se aventurando em novos negócios, sem bagagem de conhecimento, “no peito e na raça”, como define o professor Edson Coutinho, coordenador do curso de Empreendedorismo do Centro Universitário FEI.

Recém-lançada, a pós - que já tem engenheiros inscritos para este ano - discutirá temas como análise financeira de negócios e manutenção de clientes. “Vinte horas ainda são reservadas a experiências. Empreendedores vão contar em que pontos acertaram e erraram, para ser uma referência do que fazer e do que não fazer”, explica Coutinho.

Na Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), o MBA em Business Innovation, que também abre a primeira turma neste ano, promete um novo olhar sobre o tema. “O líder de inovação não pode apenas saber falar de tecnologia. Precisa saber como gerar novos negócios, como usar tecnologia na área cognitiva e criar redes de relacionamento dentro e fora da empresa”, explica Guilherme Pereira, coordenador da pós.

Com disciplinas como Design Thinking - em que se aprende o passo a passo para soluções inovadoras - e uma boa dose de conhecimentos sobre liderança criativa, Pereira espera que o profissional saia do curso entendendo o próprio papel na mudança de uma empresa. “Ele ganha todas as ferramentas que precisa para transformar um negócio. É quase um cinturão do Batman.”

Parte das aulas são visitas a centros de referência em inovação e o trabalho de conclusão de curso está longe de ser uma monografia. “Todos os alunos têm de fazer uma startup, seja para resolver problemas internos da empresa ou aproveitar o mercado fora.”

Estudantes interessados em ir um pouco mais longe ainda podem fazer uma extensão de cinco dias no Vale do Silício, nos Estados Unidos, ou em outros polos de inovação pelo mundo. 

NO CANTEIRO DE OBRAS, UMA VISÃO INTEGRADA

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William Gomes: Visão sistêmica para atuar em um mini-bairro Foto: Hélvio Romero/Estadão

Em um país em desenvolvimento como o Brasil, o que não faltam são desafios de infraestrutura urbana. Seja na área de mobilidade, em drenagem ou em saneamento básico, o campo é vasto para o engenheiro. De acordo com especialistas, no entanto, poucos são os que conseguem conectar os problemas para propor soluções sistêmicas. 

“Especialista em cada item você encontra, mas as empresas procuram profissionais com visão mais integrada. A falta de integração pode levar até a custos maiores, como de retrabalho em obras”, defende Edson Melanda, coordenador do curso de Projeto e Gestão de Infraestrutura Urbana da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

A pós procura oferecer uma visão panorâmica, com disciplinas como Transporte Público Urbano, Uso e Ocupação do Solo e Drenagem de Águas Pluviais. Além do conhecimento mais tradicional, o curso leva inovação tecnológica para as aulas, como o uso de drones em obras de infraestrutura.

Para o engenheiro civil William Gomes, de 29 anos, que trabalha na fiscalização de obras dentro de Centros de Detenção Provisória (CDPs), a abrangência do curso na UFSCar o ajudou a compreender o espaço como um todo. “O CDP é um minibairro. Trabalho com várias disciplinas diferentes em uma obra. Tem de ter uma noção de tudo.”

Diversidade. Para contemplar a gama de desafios, até noções de Direito Urbanístico entram na grade do curso de Planejamento e Gestão de Cidades, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). “Conhecimentos básicos dessas questões são essenciais porque são os meios de mudar a dinâmica das cidades”, conta o coordenador Miguel Bucalem.

Os alunos analisam exemplos de cidades brasileiras e experiências no exterior e são estimulados a intercambiar conhecimentos. “As disciplinas se apoiam em trabalhos em grupo e os alunos devem buscar a diversidade na turma”, conta o coordenador da pós, que atrai engenheiros, arquitetos, advogados e já recebeu até um médico. 

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MEIO AMBIENTE É PRÉ-REQUISITO

Conhecimentos sobre Meio Ambiente deixaram de ser acessórios para se tornarem pré-requisitos na formação dos engenheiros. Cursos de especialização em Gestão Ambiental e de Energia, por exemplo, atraem profissionais interessados em adequar processos às exigências da legislação e de uso racional dos recursos. “Hoje poder gerar energia usando o telhado do galpão de uma fábrica, por exemplo, é uma alternativa muito importante. Precisamos ter um profissional para atender à necessidade desse mercado”, explica o professor do Mackenzie Agostinho Celso Pascalicchio.

A instituição abre neste ano as primeiras turmas para a pós em Engenharia e Gestão de Energia, com disciplinas sobre fontes renováveis, políticas energéticas e eficiência. “O curso acompanha evoluções técnicas e alternativas renováveis na Europa e nos Estados Unidos. Avaliamos as fontes de geração e vamos até a comercialização de energia.” Para Pascalicchio, as ferramentas da especialização podem ajudar os alunos até a empreender e inovar. “É uma capacitação para formar um novo empresário, um empreendedor que pode analisar as tecnologias e escolher.”

Para Miguel Al Makul Junior, de 54 anos, conhecimentos sobre meio ambiente se tornaram oportunidade de negócio. O engenheiro civil, que presta serviço como autônomo, buscou se especializar com a pós-graduação em Gestão Ambiental no Senac. “Avaliação de passivos ambientais, a parte de água e esgoto e estudos para regularização me chamaram a atenção para o que eu poderia acrescentar ao meu cliente que solicitava um trabalho de Engenharia Civil.” No curso do Senac, os alunos fazem estudos de casos e visitas técnicas a instituições e empresas da área ambiental. 

DADOS PARA SE TORNAR UM LÍDER

No topo da hierarquia de empresas, não é raro encontrar engenheiros. A habilidade analítica, comum a estes profissionais, os coloca na frente para assumir postos gerenciais. Mas não é suficiente. Atrás de qualificação para exercer cargos de liderança, os engenheiros buscam formações com conhecimentos de economia e planejamento e já se aventuram na imensidão de dados disponíveis na web.

“No mundo das redes sociais, da internet das coisas, tudo gera dados. As empresas vão precisar de profissionais que façam a análise estratégica. O cientista de dados é capaz de fazer as perguntas corretas para extrair conclusões significativas”, explica Dirceu Matheus Junior, coordenador do curso de pós-graduação Big Data Analytics no Mackenzie. De acordo com ele, o curso capacita o estudante para transformar dados brutos em insights no trabalho.

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Aplicação prática. Além de aulas teóricas, os alunos colocam a mão na massa e mesmo quem não é íntimo da tecnologia consegue acompanhar. Segundo o professor, as turmas reúnem profissionais de áreas diversas - além de engenheiros, o curso atrai estatísticos e especialistas em Tecnologia da Informação, por exemplo -, o que contribui para o intercâmbio de habilidades entre os estudantes. Saber interpretar indicadores econômicos e liderar uma equipe também são habilidades importantes para aqueles que querem se dar bem em um posto de comando em uma companhia. No caso da engenheira química Natalia Laurenti, de 30 anos, lacunas na sua formação a fizeram buscar uma pós-graduação depois de assumir um cargo gerencial dentro de uma empresa automobilística.

“Uma área que eu queria preencher era a parte de Finanças e Investimentos. Outro ‘gap’ era Economia e Planejamento Estratégico”, conta Natalia, que está concluindo o MBA Executivo em Administração para Engenheiros no Instituto Mauá de Tecnologia. De acordo com Evandro Tenca, coordenador do curso, é comum que engenheiros sejam requisitados para funções de comando e liderança em empresas. “Mas ele precisa entender não só da parte técnica. O curso dá uma visão abrangente de Negócios.”

Para simular problemas reais, os estudantes participam ainda de um jogo em que são desafiados a escolher os melhores rumos de uma empresa. “Quebra paradigmas. Você sai da posição de colaborador para tomar decisão, se coloca no lugar do gestor”, conta a engenheira química. Os alunos também desenvolvem planos estratégicos de uma empresa real e podem sair do curso com projetos para aplicar nas organizações onde trabalham ou na abertura de novos negócios. 

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