Competência socioemocional é demanda para novo ensino médio, dizem especialistas

Conteúdo cobrado até em alguns vestibulares, habilidades como cooperação e responsabilidade são importantes na formação

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Por Túlio Kruse
Atualização:

Habilidades que não são ensinadas com giz e lousa - como responsabilidade, estabilidade emocional, extroversão, empatia e resiliência - deixaram de ser assunto restrito às pesquisas acadêmicas. Elas já são avaliadas como critério de seleção em vestibulares e desenvolvidas de forma dispersa em colégios das redes pública e particular. Em meio às expectativas com a reforma do ensino médio e a proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a etapa (que definirá o que cada aluno deve aprender nesse período escolar), educadores ouvidos pelo Estado defendem que o tema ganhe mais espaço em disciplinas obrigatórias dessa etapa e na formação de professores.

O orientador educacional do ensino médio no colégio Vértice, Luís Otávio Targa, diz que as competências socioemocionais aceleram o processo de aprendizado em todas as disciplinas Foto: Divulgação / Colégio Vértice

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O desenvolvimento das competências socioemocionais na escola durante essa fase é considerado estratégico por especialistas. Essas habilidades auxiliam em processos como a formação de identidade – que atinge seu ápice entre os 14 e 18 anos –, na tomada de decisões e na transição para a vida adulta. Além disso, têm sido cada vez mais cobradas no acesso ao ensino superior.

Nos dois últimos anos, entrevistas e até dinâmicas de grupo foram incluídas na seleção dos vestibulares de Direito e Administração na Fundação Getulio Vargas (FGV), de Medicina na faculdade do Hospital Albert Einstein, e de todos os cursos de graduação do Insper, entre outros, com o objetivo de avaliar competências socioemocionais.

O assunto também fez parte da última edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), em 2015, que examinou alunos de 15 a 16 anos em 70 países. A capacidade de "solução colaborativa de problemas" foi testada ao lado de conhecimentos em Ciências, Leitura e Matemática. Nessas três categorias, o Brasil ficou entre as piores posições do ranking, variando entre a 59.ª e 65.ª posição. Os resultados da avaliação socioemocional ainda não foram divulgados.

"A adolescência é um momento muito rico do ponto de vista socioemocional, de transformação muito intensa na formação humana", diz a psicopedagoga Anita Abed, que desenvolveu um estudo para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura(Unesco, na sigla em inglês) em 2014 com o intuito de guiar política públicas sobre o tema.

Para ela, o currículo do ensino médio deveria separar disciplinas específicas para o desenvolvimento socioemocional. “O ideal seria a escola inserir, na grade curricular, uma disciplina em que o conteúdo seria ‘habilidades cognitivas, sociais, emocionais e éticas’.”

O orientador educacional do ensino médio no Colégio Vértice, Luís Otávio Targa, concorda. “Acho essencial que essas habilidades estejam na base curricular, porque todo mundo tem necessidade de ser escutado, de falar, de estar num ambiente acolhedor e respeitoso”, argumenta. “As habilidades socioemocionais aceleram o processo (de aprendizado).”

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Exemplos

 A ideia tem sido implementada de formas diferentes nos colégios. Em unidades de ensino integral da rede pública paulista, por exemplo, os alunos formam “clubes juvenis” em que organizam projetos a partir de seus interesses pessoais, e há oficinas coletivas de tutoria em que desenvolvem “projetos de vida”, com discussão sobre planos para o futuro. Em colégios particulares, essas habilidades estão mais ligadas a projetos em grupo e disciplinas eletivas.

No Vértice, alunos do 2º ano do ensino médio desenvolveram um projeto que simula a criação de uma escuderia de Fórmula 1, com propostas de marketing, setor financeiro e modelos próprios para carros em miniatura. A equipe acabou premiada na etapa nacional da competição “F1 in Schools”.

“Tenho plena certeza que só consigo chegar ao grau de profundidade que estabeleço nas minhas aulas em Biologia, por exemplo, porque meus alunos vêm desenvolvendo habilidades socioemocionais”, diz Targa, orientador educacional da escola.

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A Móbile, escola da zona sul de São Paulo, oferece ao menos três matérias eletivas especificamente para desenvolver essas habilidades no ensino médio. Nas aulas de Robótica, Criação de Engenhocas e Conexões, os alunos se organizam em grupos e exercitam organização e argumentação ao criar projetos de engenharia e apresentar seminários. Por iniciativa própria, os estudantes também organizaram circuitos de debates sobre atualidades.

“Quando a FGV mudou o vestibular de Direito, a Móbile nem precisou preparar os alunos”, diz o diretor de ensino médio da escola, Wilton Ormundo. “Argumentar e contra-argumentar de forma segura já era algo que eles tinham trabalhado bastante.”

Na escola Móbile, da zona sul de São Paulo, matérias eletivas como Robótica e 'Criação de Engenhocas' também desenvolvem competências como argumentação e solução de problemas em grupo Foto: Divulgação / Escola Móbile

Professor

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O consenso entre educadores ouvidos pelo Estado é que a formação de professores será o maior gargalo para o desenvolvimento de competências socioemocionais no ensino médio. Isso porque o objetivo não pode ser alcançado com o formato de aula tradicional, em que os alunos apreendem o conteúdo de forma passiva.

“Você não ensina habilidade socioemocional pelo discurso. Ela é desenvolvida com vivências”, diz a psicopedagoga Anita Abed. Para resolver o problema, ela sugere que escolas e secretarias de ensino criem processos mais sofisticados de supervisão, aconselhamento e formação continuada. 

Especialistas alertam que o planejamento para contemplar essas competências na formação do aluno não é tarefa fácil. Na Móbile, foram dois anos de reuniões semanais para se chegar a um modelo considerado satisfatório. A metodologia das aulas ainda está em processo de revisão e deve ser aperfeiçoada, segundo o diretor educacional do ensino médio. 

“O professor nesse caso tem o papel de mediador e não de detentor absoluto do saber, ele divide o saber com os alunos”, diz Ormundo. “Você precisa de uma capacitação constante para isso.”

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