Com pós, sem carteirinha

Após graduação, bacharéis em Direito investem em formação e, mesmo assim, não podem advogar

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Por Ana Bizzotto , Carlos Lordelo e Felipe Mortara
Atualização:

Formado em Direito pela FMU e com pós-graduação em Direito Processual Tributário, Danilo Garcia de Andrade, de 27 anos, não pode trabalhar como advogado. Está tentando pela quarta vez passar no Exame da OAB e, enquanto a aprovação não vem, diz que se sente num “vácuo”. “Ninguém te contrata e você não pode mais estagiar”, diz Danilo, que tem no currículo espanhol fluente, a experiência de ter morado no exterior e de estágios feitos durante a faculdade. “Minha sorte é que venho de uma família com estabilidade financeira. Já cheguei a mandar 68 currículos e não fui chamado para nenhum lugar.”

 

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Como Danilo, nos últimos três anos, sete em cada dez inscritos no Exame da OAB não conseguiram a sonhada carteirinha do registro profissional. “A Ordem é uma instituição caça-níqueis. É altamente lucrativo para ela aplicar uma prova cuja inscrição custa R$ 200”, critica Reynaldo Arantes, presidente da Organização dos Acadêmicos e Bacharéis do Brasil, entidade que luta pelo fim do exame.

 

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O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, diz que a estrutura grandiosa da prova, realizada três vezes por ano em mais de 150 localidades, justifica o valor da inscrição. “Ninguém reclama de pagar mil reais para fazer uma faculdade ruim que não aprova na OAB nem 10% de seus bacharéis em Direito. E não tem por que o advogado que contribui com a Ordem subsidiar o exame”, afirma. “Não queremos reprovar ninguém, mas fazer a melhor avaliação possível.”

 

Cursinhos. Numa prova em que o candidato concorre contra ele mesmo, a disciplina de estudos ao longo da graduação, aliada à experiência adquirida em estágios, pode fazer a diferença. Quem não se sente seguro recorre a cursinhos especializados na preparação para o Exame da Ordem. “Diferentemente da faculdade, não temos como meta formar a pessoa. Aqui, fazemos uma revisão da matéria focada no que está sendo mais exigido no exame”, afirma Marcelo Cometti, coordenador do Damásio de Jesus, rede com 26 mil alunos no País.

 

Para o jurista e professor de Direito Luiz Flávio Gomes, diretor da Rede de Ensino LFG, com 80 mil alunos em 430 unidades, o cursinho preparatório é “indispensável”. “O Direito muda todo dia. Se o candidato não der uma revisada geral, está perdido: às vezes o que ele aprendeu na faculdade não vale mais.”

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Na antevéspera da prova da primeira fase do Exame 2010/3, aplicada no dia 13, o LFG promoveu o Dia D. Cerca de 800 alunos tiveram uma série de atividades especiais no Anhembi, zona norte de São Paulo. Eles receberam dicas e até massagem antes de encarar as cem questões objetivas do exame.

 

Recém-formado pela USP, André Fontana Garcia, de 22 anos, investiu num cursinho e participou do Dia D mesmo tendo estudado na tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Ele reclama da pressão para que os ex-alunos da USP passem de primeira na OAB. “Quem está lá sabe que tem gente que não passa, mas rola uma pressão interna”, diz.

 

Para quem supera essa fase, no entanto, a vida muda. Aprovado no Exame 2010/2, o ex-aluno da Unip Carlos Eduardo da Silva Gouvêa, de 46 anos, quer se tornar procurador. “Depois que passei na OAB, abriu-se um mundo de oportunidades que eu não imaginava que existia.”

 

O sucesso de Carlos inspirou um primo dele de Itatiba, no interior paulista, a tentar novamente a aprovação na Ordem. Paulo Fernando Tritichio, também de 46 anos, formou-se em Direito pela Universidade Guarulhos (UnG) em 2000, fez todas as provas da OAB dos três anos seguintes, mas nunca chegou a passar para a 2.ª fase. Decidiu deixar de lado o Direito e foi cuidar da fábrica de móveis do irmão.

 

“Como agora surgiu a oportunidade de fundar um escritório com meu primo aqui na cidade, que tem poucos advogados, voltei a estudar para a OAB”, diz. “Ainda não estou pronto para prestar agora, porque preciso me atualizar. Mas no fim do ano eu passo neste funil.”

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